Silent Hill sempre foi e será uma franquia com um lugar especial na alma daqueles que adoram jogos de survival horror. Enquanto que outros colossos procuraram construir o mesmo género com recurso a acção pesada com mais ou menos zombies, Silent Hill destacou-se pela forma simples como, usando apenas o nevoeiro e o som do silêncio, deu um novo tom à sensação de desolação e desespero.

Os soldados mais que capazes e armados até aos dentes são substituídos por cidadãos comuns que, na sua maioria, nunca pegaram numa arma na vida, quanto muito lutar por ela. Tudo isto enquanto tentam perceber o porquê de terem sido chamados para a titular cidade. Chamados, sim, porque a cidade tem uma vontade própria, puxando para si aqueles com assuntos pendentes que necessitam desesperadamente de ser resolvidos.

Apesar do seu sucesso, sendo os três primeiros títulos os mais bem recebidos (e o segundo o magnum opus), tudo tem vindo a tremer desde que a Team Silent foi afastada do projecto, ficando outros estúdios encarregues de fazer algo com a IP. Silent Hill: Homecoming é o princípio de exemplos gritantes, pois usa a iconicidade do Pyramid Head em favor da marca, ignorando o seu verdadeiro simbolismo que, por sua vez, faz dele um exclusivo do Silent Hill 2 e do pesadelo que James Sunderland vive. Mas se todos fossem como o Homecoming até que não estávamos mal servidos. Afinal de contas, apesar de esta e outras disparidades, ainda conseguimos sentir um pouco de Silent Hill. Há outras aberrações que atiram o nome deste colosso para a lama da qual não parece conseguir sair, e uma dessas aberrações dá pelo nome de Silent Hill: Book of Memories.

Querer mudar uma fundação, implementando uma nova perspectiva, não é de todo uma má ideia. Contudo, uma fraca execução não traz qualquer tipo de salvação. Para começar, Book of Memories apresenta-nos uma perspectiva isométrica e todo o jogo não passa de um dungeon crawler à imagem de Diablo. Aqui cruzamo-nos com toda a galeria de criaturas que marcam a franquia, sendo completamente descartado o seu propósito individual… principalmente pelo facto de o nosso protagonista (que é criado por nós) estar desajustado deste universo.

Aquilo que sabemos sobre nós é descoberto enquanto recolhemos mensagens dentro das várias masmorras que exploramos e que cada uma, através de vários elementos (fogo, terra, água, sangue, ferro, etc.) se prende a uma pessoa e capítulo específico da nossa vida. O conteúdo dessas mesmas mensagens vai variando com base na nota kármica das nossas acções, que vai oscilando para o lado da Luz ou do Sangue com base no tipo de inimigos que eliminamos e como nos comportamos em determinados episódios que surgem aleatoriamente em algumas salas dos diferentes mapas.

Como tudo funciona ao certo é confuso, pois há muito que não é explicado e que tende a ser percebido com base em tentativa e erro. Mesmo antes de a nossa “aventura” começar, o simples facto de escolher a slot para gravar o nosso jogo está, por si só, a determinar a nossa experiência, pois cada uma das opções dá benefícios específicos, como bónus extra de experiência ou saber sempre a localização da loja e do ponto de gravação.

A própria classe que escolhemos apresenta as suas próprias predefinições, mas nada nos descreve isso, ficando nós com a ideia de que escolher entre um Jock e um Goth é tudo mais uma questão de role-play do que propriamente uma preferência de estilo de jogo.

E com isto vamos directamente para os atributos, o foco do nosso investimento de pontos de experiência. Quando subimos de nível ganhamos dois pontos que podemos investir livremente pelos vários atributos que temos à disposição. Estes aumentam a nossa habilidade com tipos específicos de armas, aumentam a nossa probabilidade de nos desviarmos de ataques, aumentar a nossa quantidade máxima de pontos de vida, etc. Inclusive temos uma série de artefactos que podemos usar para ter um bónus extra… o único problema é que rapidamente nos apercebemos que não são tão úteis quanto aparentam ser.

Sensivelmente a meio do jogo fui-me apercebendo da existência de um grind paradoxal que nem o gato de Schrodinger. O instinto dizia que deveria refazer os capítulos anteriores e derrotar os inimigos mais fracos para assim conseguir subir de nível e aguentar-me um pouco mais diante de outras criaturas (Pyramid Head, Butcher, Boogeyman) que conseguiam liquidar-me com um único ataque. Contudo, por mais que subisse de nível e me focasse na minha vitalidade e nas minhas armas de eleição, continuava a não conseguir infligir dano significativo nem resistir ao infortúnio de ser atacado num espaço apertado na hitbox enorme da minha personagem… e rapidamente enviado para um loading screen eterno até ao meu último ponto de gravação.

Assim que nos cruzamos com as wild cards (uma categoria específica de armas que vai de uma taser ao belo de um lança-chamas) e do quão eficazes são, o nosso foco acaba por ser em investir em mais pontos de vida para ter um pouco mais de margem de manobra (opiniões podem e devem variar).

Claro está que não é só com as criaturas que temos que nos preocupar. Há vários de armadilhas espalhadas pelos mapas e todas elas partilham o elemento surpresa, pois nunca sabemos onde é que elas estão mesmo depois de activadas. Felizmente que também os monstros que enfrentamos podem ser afectados por elas, o que permite facilmente dar a volta a um qualquer conflito, principalmente se houver uma armadilha em particular que reduz os pontos de vida a 1… o problema é quando o azar decide pregar-nos uma rasteira.

No meio disto tudo, o que nos move é a exploração da masmorra em busca de peças que fazem parte de um puzzle que temos que resolver para passar à próxima área. Pelo meio lá vamos cumprindo as missões que o bom velho Valtiel nos incumbe e que, ou envolvem a recolha de objectos, ou a destruição de criaturas específicas. Cumprindo isto, recebemos alguns artefactos bem como armas especiais. Desta feita, a repetição incessante destes princípios define o essencial daquilo que fazemos no jogo.

Voltando a falar do bestiário, a nossa lista de inimigos pertence a toda a galeria da franquia, sendo aqui a excepção os bosses que são únicos no seu design e propósito. Infelizmente, o confronto com os mesmos é mais enfadonho do que memorável, principalmente no que defrontamos no momento final da nossa história.

E com o fim vem uma das seis conclusões possíveis, determinadas pela quantidade de notas que encontrámos e do seu espectro de karma. Pode haver interesse em voltar a jogar e desbloquear os vários fins, mas não é nada que uma pesquisa na Internet não resolva. Diga-se de passagem que aqui o fim secreto (à imagem dos que acompanharam os restantes títulos) merece todos os louvores possíveis, não só pela entrega brilhante de uma narração em BD, mas também por incluir participações breves mas deliciosas das personagens de relevo na história de Silent Hill.

É certo que há muitos (para não dizer demasiados) aspectos negativos com este jogo, mas, felizmente, há uns que se aproveitam. A arte do jogo é agradável, a banda sonora (fora o loop que acompanha os vários níveis) cai bem nos ouvidos, com Daniel Licht a aproveitar bem o legado deixado por Akira Yamaoka, e Marie Elizabeth McGlynn a entregar majestosamente o conteúdo lírico, como seria de esperar. Para além disto, nada a apontar quanto ao desempenho do voice acting que, para a malta que acompanha Critical Role, conta com as vozes de Laura Sparkles Bailey, Travis I Would Like to Rage Willingham e Sam Counterspell Riegel.

Em suma, Silent Hill: Book of Memories é uma nota fácil de esquecer na história de Silent Hill. Uma experiência repetitiva que quer ser várias coisas e no fim não consegue ser nenhuma. Pouca ou nenhuma razão há para revisitar este título ou até mesmo para explorar outras componentes como as masmorras de criação aleatória que se desbloqueiam depois de concluir o jogo, e também o modo online.

Resta-me experimentar Silent Hill: Downpour, e preparar tudo para jogar o aclamado PT, ao mesmo tempo que aguardo pelo dia em que um novo nevoeiro se faça acompanhar de boas notícias para esta que é a minha casa longe de casa.