Come with me, and you’ll be in a world of pure imagination
Há muito a dizer sobre a comunicação nos videojogos….Seja sobre tutoriais, exposição escrita, diálogo, ou até comunicação não verbal. Como ávido leitor e jogador de RPG’, os meus gostos recaem sobre jogos que muitas vezes recorrem a quantidades enormes de texto e diálogo para formar e explicar mundos densos, credíveis, cheios de cultura, vida e magia. Adoro filmes e livros mais lentos e admito que tenho uma tolerância e paciência acima do normal para dedicar tempo e atenção a absorver os detalhes de cada flavor text, livro ou descrição posta no meu caminho. Paciência esta que muitas vezes aliena o meu gosto quando em comparação com os meus colegas ou amigos, dedicando-me a meios com interpretações menos subtis e mais ricos em conteúdo explícito.
No entanto, de vez em quando surge algo cuja própria essência marca como único e inconfundível. Seja no estilo gráfico, na banda sonora, nas animações ou na atmosfera. É nesses momentos que me relembro da beleza da simplicidade, da dificuldade da concisão e de praticar o “meramente necessário” e quão mais difícil pode ser manter uma visão ou ideia clara e inteligível quando reduzida ao seu estado mínimo. Deixar migalhas espalhadas para despertar a curiosidade do jogador em saber mais sobre um mundo misterioso é algo difícil de fazer, havendo recentemente vários exemplos de sucesso considerável, como Breath of The Wild ou a franquia Soulsbourne. O imaginário do jogador é uma arma mais poderosa do que qualquer mestria ou perícia em escrita ou design e o jogo do qual vou falar hoje é, além de mecanicamente brilhante, um exemplo claro da utilização do mesmo.
Hyper Light Drifter(HLD) surgiu na minha mira como uma recomendação num podcast. Com a citação de inspirações como Nausicaa e o Vale do Vento e O Castelo no Céu, cujo criador curiosamente partilha o nome com o criador dos Soulsbourne, fiquei imediatamente interessado em jogar. Ambos são referências visuais e criativas extremamente importantes para mim, mas à primeira vista não parecem partilhar muito com a excepção do mesmo criador. Enveredei então por descobrir qual a ligação entre ambos e HLD.
Solidão, desespero, ansiedade, terror, mistério. Tudo isto é transmitido na introdução de HLD, sem um diálogo ou texto. Os efeitos sonoros, a cinematografia e a eficiência com que se contextualiza um mundo decadente pós-apocalíptico são de uma mestria absolutamente incrível. Em três minutos entendemos que não só ocorreu algum cataclismo, como somos introduzidos à personagem principal, percebemos que há algo de errado com a sua saúde, é também introduzida uma força misteriosa que nos guia para um objectivo e um elemento de corrupção ou perigo que nos assolará na nossa demanda. Os visuais pixelart são assombrosos, particularmente a cena em que são revelados uns titãs que rapidamente começam a decair perante os nossos olhos. A intenção na escolha das cores é clara, pois trata-se de um estilo de pixelart sem outlines, que requere muita atenção ao contraste, particularmente em imagens tão visualmente densas como as aqui apresentadas. A banda sonora é mais uma forma de criar um ambiente e atmosfera do que propriamente criar melodias icónicas. Para isto, recorre ao uso frequente de synths melancólicos e reverberantes, com padrões repetitivos. Funciona muito bem no contexto, ajudando a colocar o jogador num mundo vazio, desconhecido e perigoso. Lembra muito Blade Runner 2049, ou, recorrendo a um exemplo no mesmo meio, Metroid.
Após a curta introdução, acordamos num acampamento e somos recebidos por uma tempestade que nos fustiga penosamente com chuva e relâmpagos e presenciamos uma panorâmica de verdes azuis e roxos que nos transporta para uma realidade fria e inóspita, mas bela. A personagem principal parece cuspir sangue em convulsões violentas e é nos entregue o controlo da mesma. Somos um Drifter, um explorador de ruínas antigas, que procura recuperar e utilizar tecnologia perdida.
Imediatamente percebi de onde vinham as influências previamente mencionadas. Civilizações antigas. Tecnologia perdida. A beleza da destruição e da decadência. A estranhamente reconfortante reconquista pela natureza de um mundo que ficou para trás. Mas, acima de tudo, a certeza de que aconteça o que acontecer, vai sempre haver alguém com a força para continuar, independentemente das circunstâncias. Se HLD se cingisse a isto, já teria capturado a minha atenção e imaginário e seria meritório da bajulação que possui. No entanto, para minha felicidade, é isto e muito mais.
Na sua base, HLD é muito simples e direto. É um jogo de acção na terceira pessoa com uma perspectiva topdown, a la Zelda retro, que assenta em dois pilares: Combate e exploração. A nossa personagem tem um botão de ataque, um de dash e um de cura. Após alguma progressão desbloqueamos armas de longo alcance. O mundo está dividido em quadrantes diferentes que circundam uma zona central. A nossa missão é explorar estas quatro zonas de uma maneira não linear e ativar “fechaduras” que normalmente estão guardadas por bosses em ruínas antigas. Estas “fechaduras” por sua vez ativam algo no hub central, que no final do jogo se abrirá. Como disse antes, simples e direto.
A grande força de HLD está em como todos estes sistemas se relacionam para tornar a experiência no mais fluida e recompensante possível. Os controlos respondem bem e o feedback visual e sonoro dos nossos ataques e dashes são adequados. A dificuldade dos inimigos força-nos a estar sempre atentos, pois todos os inimigos possuem a capacidade de nos eliminar, mas são também facilmente elimináveis após analisarmos os seus padrões. A excepção à regra são os bosses, que dão mais algum trabalho, mas são todos lutas recompensantes que testam diferentes partes do combate de HLD. Após cada morte, é nos dado o controlo rapidamente e com pouca perda de progressão, o que incentiva uma mentalidade de tentativa e erro sem gerar grande frustração no jogador.
Em combate, os ataques corpo-a-corpo enchem a nossa munição para os ataques de longo alcance. Estes são uma parte essencial do combate de HLD, dada a sua utilidade elevada em eliminar inimigos rapidamente e sem dano. Este sistema garante que o jogador flui rapidamente entre atitudes ofensivas e arriscadas, seguidas da recompensa de poder evadir os ataques e eliminar os inimigos de uma distância mais segura.
No entanto, HLD não é só combate, e há toda uma componente de exploração extremamente robusta por trás do mesmo. O mundo de HLD é lindo e está repleto de segredos e locais para explorar, havendo sempre algo interessante no fim destes caminhos alternativos, sejam itens de cura, unidades monetárias para compra de upgrades, armas e fatos novos, um combate particularmente difícil, ou simplesmente um local lindo ou pedaço de lore ambiental sumarenta. Ao longo da jornada, devido à ausência de diálogo ou texto, o jogador vai prestando maior atenção ao ambiente circundante e vai desenvolvendo uma espécie de “sexto sentido”, começando a perceber pequenas pistas deixadas pelos desenvolvedores. Estas pistas eventualmente desembocam nos segredos anteriormente mencionados. Estes segredos estão diretamente ligados ao desenvolvimento da nossa personagem e permitem-nos obter upgrades ao nosso ataque, dash, cura e armas de longo alcance. Todos os upgrades são úteis, havendo uma grande sensação de aumento de liberdade com cada um. Não só permitem-nos atingir novos locais e segredos, como nos dão a sensação de estarmos mais poderosos em todos os combates, o que cria um loop de progressão e satisfação imenso.
Em suma, além da progressão externa das capacidades do jogador como explorador e combatente, há também uma progressão das capacidades da nossa personagem que está muito bem cadenciada. Aliás, todo o jogo tem um ritmo muito bem delineado, graças à capacidade de, a qualquer momento, podermos utilizar o mapa para nos teletransportarmos para locais específicos que já visitamos. Isto permite-nos facilmente alternar entre quadrantes diferentes e a zona central, diminuindo a quantidade de backtracking necessária. No total, são 7 a 8 horas de jogabilidade para completar a história principal, mas muitas mais se quiserem completar o jogo a 100% e acreditem que o mundo de HLD merece.
Hyper Light Drifter é um triunfo visual, auditivo e mecânico. A narrativa pode parecer parca ao jogador menos atento, mas há muito que retirar das poucas interações que temos com personagens ou marcos do mundo. Durante o tempo que o joguei, invocou memórias não só das inspirações antes mencionadas, como também de obras primas como Neon Genesis Evangelion e Shadow of the Collosus. Se fosse apontar algum defeito ao jogo, seria que gostaria de ter um elenco secundário mais memorável e interativo, mas percebo também que a intenção dos criadores do jogo tenha sido a de criar uma experiência de solidão e introspecção. Recomendo vivamente o jogo a qualquer pessoa cujo interesse tenha sido despertado, por mais minusculamente que seja, por este artigo. Hyper Light Drifter é um jogo que vou carregar comigo por muito tempo.