A Crystal Dynamics deixou escapar o timing do lançamento do jogo baseado nos Avengers com os principais filmes. É certo que os super-heróis da Marvel são intemporais, sobretudo o grupo mais famoso, e o jogo nem tem nada a ver com os filmes: tem uma história própria e um design de personagens que se afasta por completo aos atores que ficaram registados na MCU, como Robert Downey Jr e companhia. Mas ainda assim, certamente que este título beneficiaria de todo o marketing inerente ao hype gerado pelos filmes que são alguns dos maiores blocksbusters de sempre de Hollywood. 

Isto significa que Marvel’s Avengers teve todo o tempo para ser cozinhado, procurando ser uma obra que estivesse, pelo menos, ao nível daquilo que a Insomniac fez com Spider-Man. Afinal estamos a falar do experiente estúdio responsável pelas mais recentes aventuras de Lara Croft e a criadora de Legacy of Kain e Soul Reaver. Títulos que são uma referência a nível da narrativa e também de gameplay

E acredito que a ambição para este título era enorme, ao cruzar numa licença muito conhecida, dois formatos de jogo distintos, mas entrelaçados: uma campanha narrativa, de proporções épicas, pois claro, e um “end game” assente num modelo “game as a service” com muita inspiração nos MMOs atuais como Destiny 2 e Warframe, com direito aos season pass que estão na moda, assente numa estrutura de microtransações.  

A ideia é oferecer uma campanha narrativa interessante, capaz de agarrar os verdadeiros fãs para continuarem a ter conteúdo “infinito” através de missões adicionais, num formato cooperativo online. E no papel tem tudo para dar certo, pois se há universo que pode fornecer conteúdo a um jogo online é a Marvel, com mais super-heróis à espera de serem adicionados – lembrando que na calha está já o Hawkeye que ficou para já de fora, e o Spider-Man que é exclusivo da versão PS4. E claro, mais vilões e cenários icónicos do universo. 

O problema é que na prática, este jogo está longe de ser perfeito, deixando-me com um sabor muito agridoce. Não colocando em causa os valores de produção, que são muito bons, a nível narrativo, em termos gráficos, os detalhes das personagens e a contratação de atores de renome, como Nolan North no papel de Tony Stark, Troy Baker como Bruce Banner, entre outros. 

Felizmente a péssima ideia que a beta ofereceu da estrutura do jogo não é a mesma da versão final. Ou seja, embora possam mergulhar diretamente na versão multijogador, serão avisados do spoiler, sendo convidados a completar primeiro a campanha narrativa. Estas duas partes são acedidas em separado, e não misturado, como a beta deixou a entender. O que se passa é que durante a campanha abrem-se missões paralelas que podem ser concluídas em multijogador, mas podem ser acedidas mais tarde. 

Na sua essência, Marvel’s Avengers é um jogo de ação assente em grinding de loot. Tal como Destiny 2 ou The Division 2, irão ter acesso a missões que vão rodando à procura de loot e experiência para melhorar as habilidades das personagens. 

No entanto, o jogo tem problemas técnicos graves, deixando parecer que precisava de mais tempo de produção. Sendo um jogo com grande foco online, acredito que daqui a um tempo muitos dos problemas tenham sido resolvidos. E estes centram-se na falta de estabilidade na PS4, em que muitas das cenas têm um framerate miserável, incluindo cut scenes e navegação pelos menus. Alguma missões são igualmente mal otimizadas, com slowdowns em partes mais acessas. 

Depois há inimigos que ficam presos no cenário, que são essenciais para derrotar e avançar na missão, que por vezes obriga a carregar o checkpoint. Aconteceu tanto durante a campanha como nas missões online. E os loadings são do pior que vi nos últimos anos, a demorar uma “eternidade” quando se perde para carregar um simples checkpoint. 

E já para não falar de situações em que tombamos e os nossos companheiros estão tão entretidos a esmurrar os inimigos que se esquecem de nos curar, e vemos o game over para o checkpoint anterior. Mas há algumas animações estranhas, como o duplo salto do Capitão América, ou animações como colocar o escudo nas costas quando ele não tem escudo, assim como esmurrar o ar e ter o mesmo feedback como se fosse num inimigo. 

A campanha, embora seja um pouco curta, entre 10-12 horas, quase vale por este título. A história original oferece o pretexto perfeito para que os poderosos Vingadores se separem. E a narrativa coloca-nos na visão da fã número 1 dos Vingadores, Kamala Khan, uma jovem américo-paquistanesa que acaba por ganhar poderes no mesmo dia em que acontece a catástrofe. Tudo começa numa parada, o dia dos Vingadores, que marcava a estreia de uma nova sede em São Francisco. Porém, algo surge e corre mal, num ataque de gás libertado que transforma pessoas comuns em Inhumans, ganhando superpoderes aleatórios. Os Vingadores acabam por levar com a culpa, e de heróis passam a excomungados. 

Kamala Khan ganha poderes polimórficos que permitem tornar o seu corpo em borracha, esticando os membros para atacar à distância. E se ainda não perceberam, a jovem assume o manto de Miss Marvel, tal como na banda-desenhada. 

E é excelente seguir a jovem como uma detetive que vai investigando o paradeiro de cada um dos super-heróis, até a reunião final. Avengers Assemble, que se passa cinco anos depois da separação do grupo. A campanha na perspetiva da jovem vai alternando com as personagens que tão bem conhecemos, como Hulk, Iron Man, Capitão América, Viúva Negra e Thor. 

E tal como tinha ficado patente na beta, a Crystal Dynamics conseguiu captar muito bem o espírito de cada personagem, as suas habilidades e poderes, e isso é que torna o jogo divertido. Mesmo o equipamento que recolhemos não se reflete muito no cânone para não destoar, são peças que passam despercebidas mas aumentam o poder das personagens, com raridades diferentes. 

Obviamente que a campanha apenas levanta a ponta do véu do que esperar das personagens, porque a grande maioria das habilidades não se consegue desbloquear durante a história. Pelo que para verem todo o potencial das personagens terão de continuar a jogar nas missões online. 

E cada personagem apresenta golpes leves e pesados, assim como duas habilidades especiais e uma ultimate que necessitam ser carregadas. E todas, de uma forma ou de outra têm ataques de proximidade e à distância, nem que seja de improviso. O Hulk, por exemplo, lança rochas imaginárias que recolhe do chão aos seus pés! 

Ainda assim, tirando alguns momentos épicos, curiosamente as sequências mais lineares, a campanha oferece missões com maior liberdade de exploração, com objetivos espalhados, preparando os jogadores para o formato online. Por vezes senti mesmo que estava numa espécie de tutorial. No entanto as horas iniciais e finais da aventura, em particular, são verdadeiramente épicas. 

Apesar de ser fã de jogos assente no grind de loot, como Diablo 3 ou Destiny 2, não me senti particularmente atraído por este título. Em primeiro porque as missões são estupidamente repetitivas, simples e com objetivos medíocres, alguns deles utilizados na campanha, tais como aguentar num círculo mais tempo que os robots inimigos. Acredito que seja o problema das versões vanilas de muitos jogos semelhantes, e que muito conteúdo pode ser adicionado no futuro, mas o que vejo são missões repetitivas e aborrecidas neste lançamento. 

E ainda por cima o matchmaking não funciona, na maioria das vezes que testei jogar online apenas numa consegui um companheiro humano, ficando resumindo a terminar as missões a solo, como a campanha, o que perde toda a piada. 

O jogo oferece diferentes fações como a Shield de Nick Fury e a Inhuman Alliance do Hank Pym, o Antman original. Teremos de fazer missões para ambas para ganhar reputação e os respetivos benefícios. Há muito conteúdo para desbloquear e encontrar, desde lore e capas de banda desenhada, a artefactos, dezenas de skins para as personagens e outros elementos. 

E fazendo valer a moda dos season pass, Marvel’s Avengers vai mais longe a apresenta um passe para cada personagem, aqui chamado de Challenge Cards. Estas seis personagens são gratuitas, mas abrem portas a outras que serão adicionadas futuramente, cada uma com um custo de 10 euros. Obviamente que são opcionais e tal como outros jogos, cada nível desbloqueia cosméticos e outros itens de vaidade para as respetivas personagens. Neste aspeto, fica ao critério dos fãs continuar a desbloquear o conteúdo pago. 

Apesar dos defeitos e problemas que o jogo apresenta, não há dúvida que Marvel’s Avengers é um jogo bastante ambicioso. A Crystal Dynamics poderia ter-se limitado a criar um jogo open world, semelhante a Spider-Man e certamente que funcionaria bem. Mas optou pelo jackpot, transformar uma licença dispendiosa, mas lucrativa como o universo da Marvel e tentar colher mais frutos além da venda direta do jogo através de um serviço online. Destacaria a vantagem deste game as a service de muitos outros: tem uma campanha narrativa muito boa. Mas depois falha ao não oferecer, para já, conteúdo que seja verdadeiramente divertido no endgame