Há dois anos tive a oportunidade de fazer Kickstarter a um jogo chamado Darkness. Um pequeno jogo que cabia numa pequena caixa, totalmente constituído por cartas. Pela reduzida dimensão da caixa, daqueles maravilhosos jogos que podemos apelidar literalmente como sendo de bolso, e o único em toda a minha colecção que não está sleeved, já que as cartas não caberiam na caixa se assim fosse.
Darkness era simples na sua abordagem, mas profundo na mensagem. Um jogo onde combatemos as trevas que se apoderam de nós nos momentos mais difíceis, com misticismo à mistura. Um pequeno grande jogo onde um pequeno pormenor ficou impresso na minha memória para sempre: um pequeno envelope no fundo da caixa com a indicação de ser aberto quando a nossa vida parecer demasiado mergulhado nas trevas. E lá dentro uma carta, inesquecível a alegrar-nos os dias.
Tive a oportunidade de fazer uma antevisão de Dawn, o segundo jogo da sequência, na presença digital do seu criador, Taylor Hayward. A tónica conceptual de Darkness está aqui presente: Dawn será mais um pequeno jogo que caberá numa caixa pequena tal como o seu antecessor. Aliás, segundo Taylor, a ideia desta trilogia de jogos (será que posso apostar que o último jogo terá Daybreak como título?) é a de serem uma sequência bem visível na prateleira de caixas da mesma dimensão.
Antes de falarmos da curiosidade mecânica e originalidade de Dawn, há que primeiro referir o regresso da ilustradora Angela Rizza à direcção e produção artística de mais um jogo da Hayward Games. As ilustrações das cartas de Dawn já estão practicamente terminadas e continuam a ser um dos grandes pontos apelativos desta série, com a capacidade de nos vender o jogo muito antes de conhecermos os seus meandros mecânicos.
Uma curiosidade em relação à sessão de preview, é que foi a primeira vez que estive no Tabletop Simulator a jogar uma build provisória com os developers. Já recebi print-and-plays, já recebi demos, mas esta oportunidade de conhecer um jogo novo e de interagir em simultâneo com uma versão fac-similada digital com o próprio criador é uma novidade. Nada que não tivesse feito antes com criadores de videojogos, obviamente.
Mas o que é que tem Dawn de tão original? É um jogo que pode ser jogado em cooperação ou em traição, mas em que a nossa posição pode ir mudando ao longo da partida. “A oportunidade faz o ladrão” como diz a máxima popular, e visto que existem diversas formas de vencer em Dawn, podemos perceber em determinado momento que nos pode ser mais proveitoso trair o resto da aldeia e seguir um caminho de traição que nos permita vencer sozinhos.
Em Dawn temos de juntar os nossos esforços e recursos para ir construindo a nossa povoação de forma cooperativa. Mediante o número de jogadores, existe um limiar de construção de edifícios que nos pode garantir a vitória. Por outro lado, e visto que a contribuição de recursos é secreta, pode interessar-nos guardar as cartas mais valiosas junto a nós sem estarem identificadas.
No final de cada ronda, para além dos pequenos edifícios que contribuem para a vitória colectiva, são reveladas ameaças que precisam de ser resolvidas, sob pena de acontecerem eventos prejudiciais para a aldeia, como a destruição de alguns tiles. Na última ronda resolve-se também a construção dos edifícios maiores, com maiores bonificações para o valor de prosperidade da aldeia.
Como comentei com Taylor, este sistema de resolução das cartas contribuídas ao final do tempo faz-me lembrar o sistema de Shadows over Camelot, onde parte da missão do traidor era a de “gastar” bons recursos para impedir que as missões sejam efetuadas. Aqui em Dawn acontece o mesmo: as cartas de recursos são depositadas viradas para baixo junto dos tiles de edifícios a serem construídos, e é possível que o “traidor” lá coloque cartas que prejudicam a construção do edifício. Aliás, essa é a táctica preferida de alguém num jogo como este.
Com mecânicas simples e um rol de cartas limitado mas que potencia uma grande rejogabilidade, a ideia mais interessante de Dawn é a de não termos um posicionamento estático. A maior parte dos jogos do género atribuem um alinhamento específico a cada jogador, obrigando-os a seguir um caminho pré-definido. Dawn quis agitar as águas e retirar a ideia de alinhamentos, permitindo que cada jogador contribua ou destrua a cooperação a seu bel-prazer, mediante a sua vontade ou o direccionamento que o jogo possa estar a ter. Um jogador que esteja activamente a cooperar nas primeiras rondas pode perceber que, perante as cartas de tesouro que está a guardar junto da sua pilha secreta e individual, que lhe pode ser mais proveitoso “virar o bico ao prego” e apostar numa vitória individual.
Fiquei espantado com o nível de originalidade de Dawn. Um jogo mecanicamente tão simples mas que consegue com uma ligeira alteração transformar por completo um sub-género de jogo, dando maior agência aos jogadores do posicionamento que têm neste jogo semi-cooperativo.
Com campanha de Kickstarter prevista para Fevereiro de 2021, Dawn é sem sombra de dúvida um dos jogos sob o nosso radar, pela sua originalidade e simplicidade mecânica, mas também pela sua extrema beleza artística, com o trabalho de Rizza a voltar a levar mais um card game desta série para um excelente patamar visual.