Em jeito de preâmbulo, e para que não se percam na referência do título, o meu querido amigo e histórico (ou a caminho de ser idoso) jornalista português Rui Parreira gosta de se vangloriar no nosso podcast que o seu trabalho no Sapo Tek lhe costuma dar a oportunidade de escrever sobre a NASA e a ESA. E até a SpaceX. Não que isto me afecte, mas que fique aqui documentado para que ele leia, agora ou na posteridade, que eu também escrevo sobre a NASA e a ESA. E ainda melhor: giro-as na corrida pelo espaço. Coiso que não o vejo a fazer.

Para todos os fãs de tycoons, deixem que pergunte se concordam comigo: um jogo do género é tão bom quanto mais horas de sono nos rouba sem repararmos, não é? Foi isso que me aconteceu na primeira noite de volta de Mars Horizon, com a minha gestão da ESA ainda nos anos 1960 (ainda que ela tenha sido criada apenas em 1975) a mergulharem-me em horas (reais) que se traduziram em anos (de jogo). 

Nesta corrida, se escolhermos a ESA como eu fiz, temos outros 4 concorrentes (e podemos escolher controlar qualquer um deles): a NASA, a URSS, a China e o Japão. Anacronismos de parte, a ideia de tentarmos alcançar alguns dos feitos que a URSS e os EUA alcançaram na nossa realidade com outra agência é um momento de História Alternativa divertida e que vale a pena observar sob o prisma mecânico do jogo.

Como jogo de gestão, Mars Horizon obriga-nos a equilibrar a obtenção de três recursos distintos: ciência, apoio e dinheiro. O primeiro é obtido em missões mas também passivamente pelas nossas academias e centros de investigação. O apoio reflecte-se directamente no nosso orçamento anual, visto que o nosso sucesso em atingir algumas metas tecnológicas e espaciais vão gerar burburinho na opinião pública, permitindo que os nossos governos continuem a investir fortemente no nosso programa.

Há dois tipos de missões distintas, e dado que os elementos de preparação de qualquer um delas demora meses (e anos), temos de estar constantemente a “medir” a nossa possibilidade de lhes dar respostas. As primeiras missões são “pedidos” científicos, quests mais curtas que envolvem um investimento mais pequeno, seja de tempo ou de investigação. As tech trees são complexas e demoram muito tempo a ir fazendo a pesquisa necessária em cada patamar e cada ramo, mas ainda assim é possível irmos estabelecendo os nossos investimentos nestas missões mais curtas de forma a que elas contribuam para as milestones.

As milestones são as metas espaciais, aquelas que entram para a História, e que são os verdadeiros objectivos da corrida. Seja colocar o primeiro satélite em órbita ou o primeiro ser vivo, a primeira aterragem do Homem na Lua ou Marte. Mas chegar à pesquisa e desenvolvimento de todos os recursos necessários para chegar em primeiro lugar em qualquer destes objetivos é algo que não só demora muito tempo, mas também muito dinheiro para terminar. 

Há uma série de mini-jogos para além dos infindáveis menus sobre menus que esperaríamos num jogo do género. Por exemplo, a construção da nossa base funciona como um puzzle dos diversos edifícios, cujas adjacências vão criando sinergias, bonificando-se ou penalizando-se entre si. Apesar de termos muito espaço livre, muito do terreno está cheio de pedras, árvores ou detritos, e construir um novo edifício aí aumenta substancialmente o preço de construção. Um facto que tem de ser tomado em conta no orçamento das nossas missões, à medida que as vamos aceitando.

As missões de reconhecimento com sondas ou satélites envolvem mini-jogos em que temos um determinado número de turnos para conseguir determinados recursos, num sistema de apostas, táctica, com muita sorte e azar à mistura.

A construção dos foguetões não tem a mesma profundidade de jogos como Kerbal Space Program, mas também se percebe que não é esse o objectivo de Mars Horizon. O jogo obriga-nos, porém, a ter de pesquisar e desenvolver componentes distintos para a construção de foguetes apropriados a determinadas missões. A ter em conta elementos como a carga que suporta, o tipo de plataforma de lançamento que necessita ou se é capaz de suportar o transporte de vida.

Os lançamentos em si mesmo são afectados pelas condições climatéricas e pelo nível de evolução dos nossos componentes, mas mesmo uma missão falhado gera sempre alguns recursos. Este elemento é fulcral para que o jogo não seja uma frustração tremenda, visto que mesmo perante um lançamento falhado conseguimos algum retorno, ainda que muito mais curto se tivéssemos sucedido.

Visualmente interessante, com a inclusão de uma série de animações que tentam literalmente “animar” um jogo que, em extremo, é uma sequência de menus interligados. 

Mas há algo no detalhe e na profundidade de Mars Horizon que me atrai profundamente sempre que o ligo, e que faz com que o tempo fuja como se me estivesse a aproximar de um buraco negro. Talvez seja o pedaço de História alternativa, e de todo o entusiasmo de levar a minha agência a quebrar algumas das metas que a Humanidade conseguiu atingir nos últimos 60 anos.

Mars Horizon é o único management game de uma agência espacial que já joguei, e isso confere-lhe uma aura de inovação, mas também da excelência e profundidade mecânica a que chegou. Um jogo perfeito para jogadores como eu, fãs de tycoons, e que têm aqui a possibilidade de experimentar algo diferente para gerirem. No meu caso pessoal é até bem mais que uma justificação para poder dizer ao Rui Parreira que também escrevo sobre a NASA e a ESA: é um dos melhores tycoons que joguei este ano. Portanto a minha vitória é dupla e irrefutável.