Reinventar a roda


Em todos os ramos de conhecimento há uma constante busca pela inovação. Todas as semanas somos presenteados com um novo hardware, uma nova aplicação ou uma nova descoberta, num turbilhão de constante mudança. No meio desta sede pela novidade, sinto que muitas vezes nos desapegamos rápido demais de ideias ou formatos mais antigos, muitos dos quais ficam pela rama em termos de potencial. Felizmente, há uma tendência para, com o passar do tempo, olhar para trás com olhos nostálgicos e readaptar ou reconfigurar modas antigas aos tempos modernos. Não quero com isto dizer que o saudosismo seja intrinsecamente benigno, ou que qualquer um consiga fazer o que descrevi acima, mas o passado tem um dom de esconder tesouros para quem os sabe procurar e por vezes basta trazer uma perspectiva diferente ou uma nova estética a um clássico para criar algo único e inovador, não sendo preciso reinventar a roda.

A última aposta do estúdio Bithell Games, conhecido por John Wick Hex e Thomas Was Alone, é um exemplo claro do que descrevi acima e casa o jogo de cartas Solitário com uma estética néon e cyberpunk, muito em voga actualmente, para criar The Solitaire Conspiracy.

O nome é Gre-Jim Ratio. Estou aqui para te guiar

Em TSC somos um agente novato de uma associação secreta, Protego, incumbido de controlar equipas de superagentes em missões internacionais de alto risco. Protego foi atacada por Solitaire, uma espécie de super-vilão com influência em todos os círculos do submundo. Agora cabe-nos a nós liderar o contra-ataque e recuperar o controlo de todos os agentes que se encontram sem comunicações no campo.

Nesta versão do Solitário o nosso objectivo é ordenar um a quatro naipes de Ás a Rei em pilhas centrais, tendo de para isso mover as próximas cartas na sequência até ao topo de oito pilhas laterais. A analogia adapta-se bem às mecânicas de jogo, sendo que cada naipe representa uma equipa de agentes, com equipas que vão desde peritos em veículos à la Fast and Furious, até ciborgues ou entidades puramente digitais e cabe-nos manobrar os nossos agentes eficientemente e fazer ordem a partir do caos. Cada naipe tem uma habilidade especial que pode ser utilizada quando jogamos uma das figuras (Rei, Dama, Valete), após colocarmos o Ás desse naipe no painel central. Estas habilidades nem sempre são estritamente benéficas, por isso é necessário planear com antecedência quando e como as usar para nossa vantagem. A progressão do jogo é maioritariamente linear, sendo que podemos escolher entre um leque limitado de missões, ao fim das quais ganhamos experiência. Quando passamos de nível, até um máximo de 15, somos presenteados com a progressão da história, novas equipas de agentes e paletes de cor para a interface do jogo. Existe um modo de campanha mais difícil no qual temos um número finito de turnos para concluir cada missão, resultando em mais pontos de experiência se o conseguirmos. O jogo está muito bem balançado, não sendo difícil concluir qualquer missão após uma ou duas tentativas, mantendo a progressão com um bom ritmo.

Talvez o maior atrativo de TSC seja a sua apresentação polida e estilosa. Cada uma das equipas de espiões tem uma identidade própria, oferecendo três personagens com retratos belíssimos e pequenas descrições da sua história. A estética futurista e colorida permite uma identificação rápida dos diferentes naipes e as animações e efeitos são como o abrir de uma gasosa, refrescante e deliciosa. O uso de música progressivamente mais dramática à medida que nos aproximamos do fim da ronda também não passa despercebido, dando um ênfase extra ao que de outra maneira seria um clímax muito pouco notório.

A história é interessante, oferecendo algumas curvas e contracurvas ao longo das suas cerca de 3 horas. É apresentada num estilo minimalista, através de full motion videos que nos oferecem algum contexto sobre o efeito das nossas missões no mundo em geral, muito ao estilo de um filme de final dos anos 90. No entanto, embora Greg Miller faça um bom papel como Jim Ratio, o indivíduo que nos nomeia como o salvador da Protego, há uma desconexão entre o dramatismo apresentado nestas cenas e o acto inócuo de jogar Solitário, que faz com que o enredo pareça um pouco desligado da parte mecânica do jogo. No final da experiência fica a sensação de que a história tinha pés para mais, mas o twist final é mais do que satisfatório e conclui o jogo de uma maneira que não antecipei. O jogo oferece mais dois modos: Countdown e Skirmish.

No modo Countdown temos um tempo limite para concluir ondas de desafios sucessivamente mais difíceis. Neste modo somos pontuados pelo tempo que sobrevivemos e cada carta que colocamos na pilha central atrasa a contagem decrescente até perdermos. O modo Skirmish é um modo free-play, em que podemos escolher até quatro naipes de entre os que já desbloqueamos e jogar um jogo sem pressões ou objectivos.

No final de contas, TSC é uma maneira nova de experienciar um jogo clássico. Ao embrulhar Solitário numa nova roupagem, Bithell Games consegue novamente apresentar um projecto curto, mas bem conseguido. Se procuram um jogo que possa ser saboreado aos poucos, oferecendo um visual bonito e uma história simples e direta, este jogo pode ser uma boa aposta. Só não esperem um enredo digno de um filme de James Bond ou The Man From U.N.C.L.E. O jogo está disponível para Windows e Mac OS por 9,99€.