Na passada sexta-feira, depois de jantar, tive uma das conversas mais inesperadas com o meu filho mais velho. Não que não tenha já (ainda ele tinha 4 anos e poucos meses) uma longa conversa sobre a morte, outra uns meses depois sobre reprodução, e tantos outros temas que, abertamente, discutimos. Mas a meio de um episódio de Captain Tsubasa – Road to 2002, a ideia de Deus veio à baila. O que se seguiu foi um longo diálogo sobre crença, sobre ateísmo e sobre a posição histórica e regional da existência dos deuses, antes e depois do surgimento das religiões abraâmicas. 

Convenhamos: historicamente percebemos que a atitude cruel, violenta, violadora e vingativa de grande parte dos deuses que olharam pela Humanidade desde o seu surgimento não deixaram antever grande espaço para carinhos que durassem muitos séculos.

Esta é a ideia de Gods Will Fall, um peculiar dungeon crawler onde vemos um grupo de 8 celtas a darem à costa numa ilha, preparados para enfrentarem eles mesmos o jugo cruel dos deuses que os governam. 

Sendo este todo o enquadramento narrativo que Gods Will Fall nos dá, e que resulta na justificação do porquê de ele ser de forma muito directa um dungeon crawler com elementos de rogue e soulslike. Porquê? Porque nos dias de hoje quase todos os jogos têm de ter elementos de um ou de outro género. Outros afortunados podem ter elementos dos dois.

No mapa da ilha onde chegamos logo no primeiro impacto com o jogo vemos 10 localidades diferentes, as dungeons que teremos de percorrer. Estes são os lares das dez divindades que o nosso grupo de corajosos guerreiros celtas quer destruir. 

Há elementos de extrema criatividade em Gods Will Fall. O primeiro é que o jogo, no início da nossa playthrough, estipula níveis de dificuldade aleatórios para cada um dos deuses que vamos ter de derrotar. O que significa que a experiência de cada jogador será diferente, e é também um impulso à rejogabilidade. Se é uma medida eficaz para nos fazer regressar ao jogo… aí já tenho dúvidas.

Outro elemento interessante é que cada um dos nossos heróis conta como uma espécie de vida para derrotar o boss. Cada um dos heróis tem estatísticas diferentes, níveis diferentes (dependendo da sua prestação em cada dungeon), e até afinidades diferentes em termos de armas. É normal que vamos focando a nossa atenção nos mesmos heróis que já usamos, já que esses devem estar mais evoluídos que os restantes.

Sempre que morre, é capturado pelo deus que domina essa dungeon. Escolhemos um próximo herói para se aventurar, e, no caso de perdemos todos os heróis, chegamos a Game Over. Se derrotarmos o boss final, o herói que desferiu o golpe final salva os seus camaradas e fogem todos dali. Mecanicamente: temos as nossas 8 vidas novamente.

Outra ideia interessante é a de que quanto mais inimigos comuns derrotarmos, maior desbaste fazemos à barra de vida do boss, em teoria, simplificando a tarefa de o derrotar. O problema é que, como o sistema de combate é herdado dos soulslike, a decisão de enfrentar inimigos comuns pode significar numa perda de HP muito maior do que a compensação de percorrer as salas a correr à procura do boss final.

Não sendo o maior expert ou fã de jogos soulslike, consigo conceber que o segredo de um bom jogo do subgénero é não só o nível de dificuldade, mas o sentido de justiça do combate e a boa execução dos seus controlos.

Gods Will Fall é jogado em vista cavaleira, e tem algumas decisões estranhas em termos de controlo dos movimentos. Mas uma das piores é a forma de defletir golpes, que nos obriga a rolar para a frente do adversário no momento do seu ataque. Uma ideia que na teoria funciona, não fosse a vista cavaleira e a câmara fixa correspondente fazerem-nos falhar essa intenção a maioria das vezes.

Vamos falhar dodges e parries mais vezes do que gostaríamos, provando que algo que funciona numa perspectiva (como os jogos tridimensionais na terceira pessoa), falha redondamente. Ainda por cima sem lock on que poderia mitigar este falta de afinamento mecânico.

Gods Will Fall não é um mau jogo, e está pejado de boas ideias que parecem merecer ser aplicadas num jogo melhor do que ele é. O ambiente e os personagens são perfeitamente esquecíveis e o combate merecia muito mais afinação do que aquele que recebemos nesta versão final.

Fica para a história como um prometedor dungeon crawler que rapidamente nos relembra que dentro do nicho que quer preencher já temos muitos e melhores jogos do que este.