Os vikings estão na moda, 1400 anos depois de se fazerem aos mares e andarem a pilhar (e não só) por aí a fazerem o Paris-Drakkar antes de ser cool. Depois deste trocadilho terrível poderia fechar o meu artigo, só não ia para casa porque já cá estou, arrumava a trouxa e reformava-me de escrever sobre videojogos. 

Mas voltemos aos vikings, que parecem ter regressado ao imaginário colectivo, impulsionados pela série de TV de Michael Hirst, e mais recentemente pelo mergulho de Assassin’s Creed em terras nórdicas. O novo fio do machado viking é o maior sucesso inesperado dos videojogos do início de 2021: Valheim, que já vendeu 3 milhões de unidades nas poucas semanas em que foi lançado em Early Access.

O facto de Valheim ser um survival game em early access deveria ser, a priori, o suficiente para eu querer estar a milhas náuticas dele. Porque se há coisa que existe em excesso no mundo – mais ou menos na mesma proporção de demasia de malta que saiu recentemente do armário do fascismo – são mesmo survival games em early access.

Tentar perceber o que é que fez deste Valheim um sucesso tão tremendo em comparação com as centenas de jogos a fazer (aparentemente) o mesmo que estão no limbo da não-finalização no Steam é uma tarefa que não nos demora assim tanto tempo a perceber. 

O primeiro segredo sucesso de Valheim é o facto de se sentir muito mais a influência de jogos single player (e de MMORPGs) do que os jogos do seu próprio género. A sobrevivência é apenas uma camada de um jogo que nos coloca o foco na necessidade de derrotarmos as grandes ameaças deste mundo, cooperando com outros jogadores.

Os ingredientes do género estão lá todos, de uma forma que já me soa excessivamente mastigado. Cortar árvores e apanhar pedras para construir o primeiro machado, e daí destrancar uma árvore de construções e ferramentas é já um dado tão adquirido que nem este jogo nem a maioria se dão ao trabalhar de o explicar. Mas que para alguém que não é assim tão fã de survival games (tirando algumas excepções) este é um loop que enjoa.

Com um mercado tão saturado de survival games (uma saturação que felizmente já se afastou dos zombies), percebe-se a necessidade de muitos dos criadores ao tentarem reinventar o género. Esta proximidade com experiências single player não é uma inovação de Valheim, ainda recentemente Medieval Dynasty fazia isso mesmo, ao aproximar-se mais de Oblivion do que de Rust

Mas onde Valheim inova é na sensação de progressão, na forma como vamos – preferencialmente acompanhados – fazer crescer a nossa pequena povoação de uns paus que recolhemos para fazer o primeiro machado, até uma pequena aldeia com diversas casas. E a forma como essa mesma progressão é apenas uma alavanca na missão principal de encontrar e derrotar os bosses espalhados por este mundo.

Não fosse a imersão na alma viking o coração deste jogo e dificilmente seria mais fácil de explicar a nossa necessidade de exploração. Não apenas pela procura de novos recursos, mas também nessa busca mística para derrotar as criaturas que habitam Valheim. A nossa luta prolonga-se assim no pós-morte, com a nossa alma a ser transferida para este que é o décimo mundo da esfera mitológica nórdica, tendo na lâmina do nosso machado a tarefa de derrotar os inimigos de Odin.

Esta sensação de progressão é evidenciada a partir do momento em que construímos a nossa primeira embarcação – que será, muito provavelmente, uma simples jangada – e nos fizermos ao mar em busca de novas terras. Com um mundo rico e vasto, proceduralmente gerado, os perigos espreitam a cada esquina. Ou a cada submersão. 

Nas cerca de dez horas que já passei em Valheim (ao qual adicionei mais duas entretanto a jogar com o Rui Parreira) é fácil sentir que não só o nível de informações é curto, como a curva de aprendizagem é muito inclinada. Mesmo com o progressivo conhecimento vamos ver o nosso número de mortes a crescer substancialmente.

A progressão nas árvores de tecnologia dão-se com a mudança de eras, atingidas com a derrota do boss de cada era. A existência de dungeons e de inimigos elite são uma adição interessante a este género, valendo um combate desafiante, e muitas vezes implacável.

À semelhança de outros jogos, quando morremos podemos caminhar até à nossa lápide para reaver todo o nosso inventário: uma tarefa muitas vezes inglórias quando morremos perto de inimigos. As formas de morrer são mais do que muitos, não fosse o ambiente completamente hostil, mas a minha forma “favorita” de morrer (e aquela que aconteceu mais vezes do que eu próprio gostaria de admitir) é a de levar com um toro em cima ao cortar uma árvore, ficando no caminho da queda da madeira.

Nesta fase de desenvolvimento percebe-se não só a dimensão do estúdio que o está a criar, como o seu estado de early access. Há muitos aspectos que necessitam de aprimoramento, sendo que o clipping do sistema de construção é o que mais obviamente necessita de uma atenção da parte dos seus criadores. 

Valheim é um jogo diferente dos seus congéneres, com uma atenção tremenda dada aos aspectos PvE. Apesar de poder ser jogado a solo, é na componente cooperativa que ele brilha, e felizmente que a meio da redacção desta antevisão tive a possibilidade de me juntar num servidor com o Rui e alguns dos nossos amigos. 

Mas, exceptuando estes momentos de cooperação, diria que é muito difícil que Valheim, passado este hype tremendo (e, diria, justificado, por tudo o que faz de diferente) que mantenha o interesse vivo a milhões de jogadores até que a próxima febre surja e volte a colocar este survival game no limbo do esquecimento dos jogos alpha.