Não é inédito que têm sido os videojogos (e também os jogos de tabuleiro) os principais elementos de preservação culturais de folclore e tradições locais e regionais. No caso português, as milenares tradições dos caretos têm não só um videojogo a ser desenvolvido por Matilde Albuquerque (um dos jogos finalistas dos PS Talents deste ano) como um jogo de tabuleiro lançado no final do ano passado pela Mebo Games.
Mas estes não são casos únicos. Tem sido surpreendente ver dezenas de criadores e estúdios indie um pouco por todo o mundo a desenvolverem as suas obras em torno de mitologias quase esquecidas dos seus países e desconhecidas em grande parte do mundo. Abandonando a necessidade de recorrer às mitologias clássicas e europeias, tão sobre-expostas e tão recorrentes em diversos media.
Foi com este nível de reconhecimento cultural que recebemos Tropicalia, a obra em Early Access do one man show Pedro Henrique Franqueira, que traz, a partir do Brasil, uma homenagem à mitologia Guarani, no período histórico pré-colonização.
O meu contacto com esta realidade indígena (que como sabemos está infelizmente ameaçada, culturalmente, mas também politicamente pelos interesses económicos instalados na governação brasileira) foi há mais de trinta anos nos meus saudosos gibis d’A Turma da Mónica. O Papa-Capim, e o seu grupo de amigos, apresentaram-me, de forma humorística, a cultura tupi-guarani. Não indo tão longe que me chegassem a apresentar a mitologia indígena, houve muito que aprendi da fauna e flora da Amazónia através das suas vinhetas. Num exercício de preservação cultural mais importante do que muita gente imaginava, exportando a cultura tupi-guarani para cá do Atlântico.
Tropicalia vai ainda mais longe nesta missão inspiradora. Este JRPG brasileiro (BRPG?) coloca-nos na pele do guarani Kaique cuja namorada foi levada pelo semideus Tau. Com ingredientes típicos do género, Pedro Franqueira adiciona-lhe umas pequenas mudanças, nomeadamente a introdução de simples QTEs que lembram as experiências de Super Mario RPG.
Apesar de Tropicalia ser uma mistura entre homenagem aos JRPGs da SNES, e um hino da cultura indígena amazónica, temos outros elementos de game design contemporâneos, que Pedro adicionou a este jogo. A capacidade de fazer crafting a partir de materiais recolhidos, demonstra um tremendo potencial para o distinguir de tantos outros JRPGs feitos em RPG Maker.
É fácil observar o longo caminho que este Tropicalia ainda tem pela frente, especialmente pela definição de conteúdo. Mas há algo, no meu caso, pela minha paixão por mitologia (em especial as menos conhecidas) que me impele a manter este jogo debaixo de olho, na expectativa de poder jogar um interessante jogo retro actual que se movimenta num ambiente narrativo interessante, e bem longe dos clichés da mitologia nórdica ou nipónica.