Imaginem um run and gun que tanto avança na vertical como na horizontal, enquanto jogam com um personagem que representa uma etnia diferente da vossa e durante uma hora desatam aos tiros e só conseguem ver vislumbres de referências que vão ser o vosso stress pós-traumático da guerra do Vietname: está resumida a minha experiência com Thunderflash.

No Steam desde Março de 2020, Thunderflash chegou às principais consolas este mês (testámos a versão PS4/PS5), o que marca exatamente 35 anos desde o lançamento mundial de Ikari Warriors e quase 25 de Metal Slug, ambos clássicos das arcadas de outrora. A inspiração de Thunderflash está mais ligada ao título mais antigo, com a hipótese de jogar a solo ou a dois, em busca de derrotar uma organização terrorista que se instalou em Caxemira e da qual o exército dos Estados Unidos sabe muito pouco. Para isso, escolhemos um ou ambos os sargentos (à boa moda dos comandos anti-guerrilha) Rock e Stan para desatar aos tiros aos maus, inicialmente numa perspectiva que avança verticalmente. Só consegui testar o modo de um jogador, mas se arranjarem alguém em casa para vos acompanhar, o desafio parece ser mais interessante.

Passados uns níveis, as devidas vénias a Metal Slug aparecem, enquanto a progressão alterna entre o vertical e o horizontal e os inimigos deixam de ser somente capangas com armas convencionais e arranjam alguma tecnologia fora da caixa, o que se nota especialmente nos bosses. As diferentes inspirações de Thunderflash criaram-me uma experiência surpreendentemente variada durante a hora em que demorei a terminar todos os níveis, pois teria de bom grado passado mais tempo a guerrear pelos mesmos cenários. A longevidade deste título está naturalmente ligada à sua dificuldade – tal como a maioria dos jogos em que se inspira -, ainda que ajustada aos tempos modernos em que se quer atingir um público mais abrangente. Ao optar por um modo em que se quer perder o mínimo de vidas fazendo a campanha de uma assentada, garanto-vos que vão arrancar alguns cabelos até o conseguirem – mas os criadores recompensam-vos com uns quantos diálogos extra à história.

Cuidado que vem aí napalm!

Ah, a história. Não, não vou perder tempo a falar-vos da história, porque interessa zero num jogo como este (têm um par de cutscenes a abrir e fechar a campanha), salvo para estabelecer alguns clichés over the top. E assim chegamos à comédia de 2008, Tropic Thunder. Eu, português caucasiano, achei piada jogar com o sargento Stan, afro-americano, pois todo o contexto vietcongue do jogo me remeteu para Robert Downey Jr., cujo personagem do filme realizado por Ben Stiller, Kirk Lazarus, é um actor controverso que alterou cirurgicamente a pigmentação da sua pele para fazer o papel, por sua vez, dentro de outro filme, do sargento Lincoln Osiris.

Ao longo da minha experiência com Thunderflash, esta e outras referências iam-me surgindo à medida que jogava. Por exemplo, apercebi-me que estava no último nível porque o sargento Stan estava em tronco nu. E toda a gente sabe que quando o Comando tira a camisola é quando o assunto fica sério e a porrada intensifica. Este processo deu-se também porque Thunderflash não me obrigou a pensar muito, tal como outro jogo da Ratalaika que analisei na semana passada. E mesmo sem pensar, senti-me tão compenetrado como numa máquina de arcada em que nada à nossa volta importa.

Toda a gente sabe que quando o Comando tira a camisola, shit’s about to get real

Mas se ao jogar Thunderflash o raciocínio é reduzido, tal não aconteceu durante o desenvolvimento. A SEEP, estúdio indie criado pelos irmãos Sergio e Enrico Giansoldati, provou-me que é possível haver dois irmãos italianos nos videojogos que não sejam canalizadores. Já colaboraram com músicos portugueses no primeiro dos seus jogos, SEEP Universe, e prometem continuar a dar-nos agradáveis experiências retro. Se não vos interessar mais nada em Thunderflash, pensem nele como “qual é a melhor coisa que posso fazer por 4,99€ que não seja um café e um bolo na Brasileira enquanto não posso sair?“.