Estava com os dois pés na Faculdade quando me aventurei pelas páginas de Brave New World de Aldous Huxley. A sua crítica da sociedade sob a égide do fordismo e a forma como uma aparente utopia esconde na realidade uma encapotada distopia demonstram o porquê de ser considerado por muitos uma das grandes obras literárias da nossa História.

Euphoria: Build a Better Dystopia, parece beber precisamente desse ambiente literário, transpondo uma sociedade semelhante para o tabuleiro, colocando cada jogador no papel de middle managers desta estrutura social. Despertos para a realidade que se esconde por trás das cortinas da organização social deste mundo, a nossa missão é a de influenciar o máximo de sectores da sociedade e, eventualmente, tomar o poder da cidade-estado onde vivemos.

Esta nova organização social que se ergueu após um evento apocalíptico criou uma nova estruturação social que é bem presente no pequeno enredo que o acompanha, e que é transposto para o tabuleiro. 

Na representação visual que Euphoria faz da sociedade (e da cidade), conseguimos identificar as zonas e os seus habitantes. Os Euphorians, a vermelho, trabalhadores da indústria, mais abaixo, a azul, os Subterrans, mineiros e extractores de água. Ao lado direito, a castanho, os Wastelanders, agricultores e produtores de bens alimentícios, e no topo, a verde, os Icarians, nos seus zepelins a procederem às trocas comerciais.

O objectivo de cada um de nós, como disse, é influenciar cada uma destas facções. Para isso, o primeiro jogador a colocar as 10 estrelas (que simboliza a sua influência) em vários sectores do tabuleiro, vence. É ele quem assume a hegemonia da cidade, e cuja influência sobre a credibilidade dos restantes cidadãos lhe permitem ascender ao poder.

Euphoria é um worker placement game, onde cada um dos nossos trabalhadores é representado por um dado. Começamos apenas com dois, e podemos recrutar até quatro. Há dois sistemas que afectam directamente os nossos trabalhadores e o número de artefactos (cartas) que podemos ter na mão, que são as barras de moral, e o conhecimento. Destes dois, a ideia da barra de conhecimento é possivelmente a mais criativa. Quando temos trabalhadores prontos para serem utilizados, temos de somar os valores dos seus dados ao patamar da barra onde estamos. Se o somatório for igual ou superior a 16, significa que os nossos trabalhadores começam a ser demasiado conscientes e o mais inteligente (o que tem o maior valor) tem de ser eliminado. Perdemos assim um dado/trabalhador, até que o recrutemos novamente.

O nosso objectivo é ir desenvolvendo a nossa influência junto das quatro facções, sendo que cada uma delas tem diversas áreas distintas onde podemos obter/trocar recursos. Para além disso, as três facções terrenas têm túneis que podemos ajudar a escavar, de forma a que uma facção tenha acesso a recursos disponíveis apenas a outra.

Ao olharmos para o tabuleiro de Euphoria: Build a Better Dystopia é fácil assustarmo-nos com a sua aparente complexidade. Mas depois de um ou dois turnos percebemos perfeitamente as suas mecânicas e as suas iconografias, e a leitura do que podemos e temos de fazer para tomar o poder da cidade fica muito mais claro.

Explicar as acções aos jogadores é simples, visto que em cada turno podemos fazer apenas uma de duas coisas. Três, aliás, mas já explicamos. Ou colocamos um trabalhador no tabuleiro (ou vários, se tiverem o mesmo valor de dado), ou recolhemos todos os nossos trabalhadores. Podemos também, uma vez no jogo, usar o nosso turno para resolver um dilema moral, uma carta com objectivo que recebemos no início do jogo e que mantemos secreta até decidirmos revelá-la. Ao cumprirmos os requisitos (que são sempre artefactos), podemos escolher dois caminhos possíveis (com recompensas distintas) alimentar ou ajudar a destruir a distopia.

Pouco tempo depois do lançamento do jogo base saiu a primeira (e única) expansão: Ignorance is Bliss, que adiciona mais cartas aos baralhos de artefactos, recrutas e mercados. Faz uns pequenos tweaks às regras, de forma ligeira, mas a grande introdução que faz é a implementação do modo Automa, o solo mode habitual nos jogos da Stonemaier Games.

Euphoria: Build a Better Dystopia é um excelente worker placement que sentimos ser uma versão complexificada de um dos nossos jogos favoritos de sempre: Alien Frontiers. Com um ritmo rápido, e turnos curtos, só tivemos a oportunidade de o jogar a dois, e o jogo revelou ter mais interacções em modo duelo do que eu imaginava. Acredito que com um maior número de jogadores o sobrepovoamento do tabuleiro irá obrigar-nos a estratégias mais adaptativas do que em formato duelo.

Seguindo a tónica de alguns dos jogos da Stonemaier, não podemos dizer que Euphoria: Build a Better Dystopia seja um jogo de fácil acesso para jogadores pouco familiarizados com jogos de tabuleiro. Muito pelo contrário. Mas para jogadores mais experientes sinto que é daqueles que facilmente se consegue explicar todo o racional que o acompanha.

Com a expansão incluída que alarga, e muito, a jogabilidade, Euphoria: Build a Better Dystopia é um criativo worker placement game que nos mostra a cada turno caminhos possíveis para chegar à vitória.