Artigo publicado originalmente pelo Gonçalo Carvalho em Hyped.gg, que pode ser consultado aqui.

No mês de Março tinha nas minhas notas dois jogos que gostava de jogar. Um foi adiado para este mês de Abril e já o pedi, o outro era este, Narita Boy. Sei que não devia, mas fiquei admirado quando vi que ia entrar day one no Game Pass. Este serviço está cada vez melhor, e para quem gosta de descobrir novos jogos é realmente um mimo. Este é mais um que devem experimentar.

Narita Boy é mais um da praga dos metroidvania que nos últimos tempos têm invadido o mundo Indie, no entanto este parte imediatamente com algo especial: o enquadramento. Admito que fiquei muito decepcionado quando o comecei a jogar. Wall text atrás de wall text, que é possivelmente a maneira que menos gosto que me contem uma história, pior que isso os beats são um misto do The Matrix dos pobres com Tron… também dos pobres. Com o tempo vamos vendo toda a atenção dada ao detalhe durante toda a história, não só no seu enquadramento como também em tudo o que a envolvia como o pixel art em 8 bits, carregado de néones e filtros de imagem para parecer que estamos a jogar numa televisão CRT, música dos anos 1980, incluindo momentos disco, throwbacks a mecânicas antigas como carregar múltiplas vezes num botão para executar uma acção, algo que na prática era perfeitamente escusado fora desse enquadramento.

NARITA BOY, SAVE THE WORLD

Neste jogo jogamos como um miúdo que gosta muito deste videojogo e é sugado para o seu interior para combater um programa maléfico chamado HIM e recuperar as memórias do criador do jogo.

Como já referi o início é bastante lento e acaba por cortar muito o ritmo ao jogo. Não ajuda o primeiro embate com a parte prática dos gráficos não ser a melhor, pois para criarem todo este ambiente dos anos 1980, algumas coisas foram sacrificadas, logo por azar, a componente operacional, num claro momento de quando a forma se tornou muito mais importante que a função.

Facilmente confundimos se estamos perante uma plataforma ou o próprio cenário, e de tempos a tempos perdemo-nos, ora por não termos a capacidade de memorizar os múltiplos nomes de salas advindos de jargão informático, ou porque a própria disposição das salas, associada à confusão gráfica nos enganam. Por exemplo, numa sala onde chegamos ficamos perante um botão que nada faz de forma isolada, a mensagem é que uma entidade nos daria uma ajuda. Pela lógica a entidade está ali à nossa frente, mas não faz nada. O jogo é um metroidvania, será que temos de voltar para trás? A lógica diz que sim, mas aqui estamos no início de um nível, o que torna pouco provável essa acção. Então desta vez havia no cenário algo que depois percebi que eram escadas, mas estavam tão mal amanhadas que acabei por apenas as descobrir de forma fortuita, já que ia a saltar e acabei por cair nelas numa das vezes. Isto acontece vezes demais. Por vezes também acabei mesmo por morrer ao pensar que estava a saltar para uma plataforma que afinal não o era, e já que estamos a pedir, um mapa também dava jeito.

REST IN POWER, LIVE IN LIGHT

Também o combate tem um início lento, mas gradualmente percebi que, aqui sim, o ritmo é o certo para este tipo de jogos. As habilidades são-nos dadas de forma lenta para que quando consigamos interiorizar a forma como as usar, perceber os inimigos em que as usamos e para mecanizarmos o bailado que inclui a nossa luta e os movimentos telegrafados dos inimigos. A luta não é muito difícil, nem mesmo os bosses o são, parece que todos os inimigos são colocados para mostrar a diversidade dos movimentos e para nos obrigar a lutar de forma correcta e não apenas carregar nos botões de forma aleatória e esperar que alguma das vezes corra bem.

Aliás, em Narita Boy, embora muitas das vezes o ataque principal seja o suficiente para passarmos algumas das secções, deu-me as ferramentas certas e o tempo certo para as aprender, o que fez com que muitas vezes desse por mim a usar o ataque certo no momento certo, algo que não é bem o meu estilo, já que habitualmente não tenho grande jeito para coisas mais complexas. O facto dos check points serem generosos e a morte em si não ter nenhuma consequência negativa deu-me, por um lado, a confiança de tentar coisas novas e me divertir com elas, por outro a possibilidade de facilmente decorar os movimentos dum boss (por exemplo) já que desde a morte até ao recomeço da luta era um instantinho.

Também há alguns puzzles durante o jogo, alguns deles também parece que estão lá só por estar, todos têm uma resolução clara, e com o tempo fui usando o caderno de notas para ir anotando logo os símbolos que me permitiam resolvê-los, algo que simplificou todos esses momentos. A certa altura há um puzzle aleatório, completamente dependente de tentativa e erro, esse achei claramente dispensável. Andei ali uns 10 minutos a testar e falhar sem propósito nenhum.

Para além de ataques o jogo também nos vai atirando novas formas de atravessar o mundo, umas com mais sentido que outras. Se por um lado o propósito da nossa forma animal seria completamente dispensável, usarmos uma disquete como prancha de surf ou um mech mega poderoso numa secção foi interessante quer pela diversidade, quer pela sensação de poder que nos transmitiu nessa altura.

Também senti a falta duma barra de vida nos combates com bosses. Nunca percebi bem o grafismo usado no jogo a simular a vida.

TRICHROMA BEAMS – THE DIGITAL KINGDOM

Que mudança a minha perspectiva ao logo do jogo. Estive mesmo para desistir. A certo ponto pensei mesmo que o jogo não seria para mim até começar a desbloquear as memórias do criador. Momentos ternos que contavam a sua vida, os traumas, as alegrias. Durante muito tempo estes momentos completamente alheados ao jogo foram a razão pela qual me mantive, mas esse engodo foi o suficiente para ganhar tempo para que todas as mecânicas encaixassem, que não existisse tanta necessidade de nos atirarem com um bloco gigantesco de texto a cada cinco minutos, no fundo deu tempo para que o jogo aparecesse.

Narita Boy começa lento e aborrecido, mas gradualmente torna-se num dos jogos do género que merece destaque. Narita Boy não é só um retro metroidvania em pixel art. Este jogo foi bem pensado, feito com carinho, e conta uma história complexa duma forma interessante. Vale a pena olharem para ele.