A polaca People Can Fly tem um sólido registo de jogos de ação, sobressaindo-se Painkillers, Bulletstorm e Gears of War: Judgement. O mais recente título Outriders, para o catálogo da Square Enix, é o mais ambicioso projeto do estúdio, um shooter looter que bebe inspirações em diversos títulos como Destiny 2, Borderlands e até Diablo 3, com a solidez da ação na terceira pessoa de Gears of War, e o seu sistema de cobertura.
A atmosfera também faz lembrar a série Gears, nomeadamente o ambiente inóspito do planeta onde se passa a ação, mas também há vibes de Mass Effect. Indicações que já tinham ficado bem patentes na excelente demo lançada antes do jogo.
O interessante desta proposta é ser a antítese daquilo que este género tem vindo a oferecer: em vez de uma oferta de um jogo “as a service”, repleto de microtransações, conteúdos constantes e season passes, toda a oferta é contida no pacote. O estúdio é contra essas políticas, mas ironicamente construiu um jogo bem mais sólido e interessante do que os oferecidos como serviços, e basta olhar para o catálogo da Square Enix para encontrar o Marvel´s Avengers, pronto a sugar o máximo de dinheiro em microtransações ao jogador, sem se preocupar com a qualidade do jogo.
Isto quer dizer que o estúdio já prometeu mais conteúdos futuros para o jogo, mas não se esperam atualizações frequentes. Mas Outriders tem bastante conteúdo, felizmente, uma longa campanha, missões secundárias, e depois diversas atividades repletas de ação, como caçadas de monstros, alvos de bounty hunting e recolha de objetos históricos. E no final da campanha ainda há o endgame com o modo Expeditions, mas já lá vamos.
Antes de explicar o jogo vamos já tirar da frente o aspeto que estraga a experiência desta proposta: os servidores online. Entusiasmados com o fim-de-semana grande da Páscoa que coincidiu com o lançamento do jogo, a maioria dos jogadores deparou-se com servidores cheios, sem conexão e outros problemas. A oferta do jogo para a Xbox via Game Pass só complicou o peso nos servidores, que claramente não estavam preparados para a adesão massiva.
E ainda que se desculpe os primeiros dias, que levou mesmo o estúdio a bloquear o cross-play durante algum tempo, não se desculpa que duas semanas depois ainda sejam notados problemas de ligação. Já se consegue jogar com amigos e em cross-play, mas nem sempre o match making aleatório funciona. Aliás, nenhuma partida em que me juntei a estranhos funcionou bem, com o sinal vermelho constante, com um grande lag. Acredito que tudo isso possa ser remendado com o tempo, mas as primeiras impressões são estupidamente fracas no que diz respeito às ligações multijogador.
E é uma pena, porque este é o tipo de jogo que vão querer jogar com amigos. Não só porque eleva o desafio, tornando os inimigos mais resistentes e fortes, como partilhar as partidas é sempre mais divertido e tático quando jogado acompanhado. Veja-se Gears of War ou Diablo 3. E houve mesmo queixas de jogadores que perderam o seu progresso, o seu espólio, deitando por terra muitas horas de investimento. Fica a nota.
Jogado a solo, caso consigam ligar-se ao servidor, algo que nesta altura não é problema, vão ter uma experiência muito agradável com este jogo de ação, completamente focado em gear. Armas, peças de armadura, com raridades diferenciadas, desde as verdes, azuis, roxas e amarelas, que são as lendárias. E ainda há um complexo sistema de modificadores das armas, que são obtidos através do desmantelamento do próprio equipamento. Ou seja, cada arma tem entre um a dois mods, assinalados quando não os têm na coleção. Basta destruir a arma que não querem e adicionar o mod à coleção para ser utilizado mais tarde.
E os mods potenciam as habilidades únicas dos jogadores, mediante as builds que desejam explorar em cada uma das quatro classes de personagens. Sim, é um sistema bem mais profundo do que muitos RPGs, oferecendo um level cap máximo de nível 30. E é impossível desbloquear todos os pontos da árvore de talentos da classe, por isso devem escolher bem o que mais se adequa à build.
Nas quatro classes de personagens, escolhi a Pyromancer para o teste, um manipulador de fogo que suga energia aos inimigos que estão a arder. Esta build é atualmente uma das mais fortes, havendo queixas gerais que as classes estão um pouco desbalanceadas no end game. Algo que certamente poderá ser alterado em breve. Há ainda a classe Devastator para quem gosta de jogar como tank, com ataques de proximidade, o Technomancer, uma classe de suporte para sniper e uso de gadgets. E o Trickster, uma espécie de rogue, dos que atacam e fogem.
Em Outriders a People Can Fly demonstra toda a sua capacidade para nos oferecer ação sólida, com sequências verdadeiramente desafiantes, sobretudo se não tiverem equipamento e uma build à altura. Desde o sistema de cobertura, muito semelhante a Gears of War, às habilidades que utilizam durante os combates. O estúdio parece ter acertado em mais uma fórmula eficaz de shooter looter com elementos de RPG que realmente funcionam bem.
Mesmo o formato de progresso é curioso. Para além do level cap de nível 30, há uma segunda barra que representa o nível de dificuldade do mundo, até nível 15. Quanto mais elevado, mais percentagens de drops de itens de melhor qualidade. No entanto, para evoluírem esta barra precisam completar missões, eliminar inimigos, e sempre que possível não morrer, caso contrário essa experiência diminui.
O jogo tem algumas mecânicas que tornam o boost a outros jogadores mais difícil. A começar pelo scaling da dificuldade do mundo mediante o número de jogadores na partida. Isso quer dizer que não funciona muito bem irem para uma partida com um nível de mundo muito superior às vossas capacidades, porque a natureza do jogo é manter um ritmo de dano que é convertido em energia para a personagem. Se não ajudarem a abater os inimigos, rapidamente vão ficar no chão. E os drops estão trancados ao vosso nível máximo com que podem evoluir o equipamento.
Graficamente o jogo é no geral bastante agradável, e orgânico, mas não conseguimos tirar a cabeça do planeta Sera de Gears of War. O ambiente selvagem, repleto de ruínas de tribos ancestrais do planeta nos seus diferentes biomas, desde florestas densas a áreas do deserto extremo. O design dos inimigos repete-se um pouco, dividindo-se entre criaturas e humanos, assim como guerreiros de tribos locais.
A campanha dura umas 20 horas e a história vai ficando mais interessante para o final. Neste caso somos um dos poucos sobreviventes de uma arca de humanos que chega a um planeta inóspito, depois da destruição da Terra. No caso do jogador, este hiberna durante muitos anos, e acorda para ver que muitos dos seus conhecidos estão envelhecidos e lutam pela sobrevivência, não só contra as criaturas do planeta, mas outras fações de humanos. o planeta é afetado por uma anomalia que transforma alguns humanos e criaturas em seres especiais, o que é o caso do jogador, que ganha as suas habilidades sobre-humanas.
Depois de acabarem o modo história, é desbloqueado o modo Expeditions, para o endgame. Semelhante às rifts de Diablo 3, este modo incentiva os jogadores a completarem os cenários o mais rapidamente possível. Basicamente percorrer o nível, eliminando tudo o que mexe, e no final, defender uma área durante alguns minutos para ativar um pilar. É repetitivo, mas a forma de ir melhorando o arsenal, pois mais uma vez, cada nível deste modo aumenta a possibilidade de drops de armas lendárias. Quanto mais rápido, mais e melhores drops, apenas no final do nível. E se morrerem perdem tudo e têm de voltar ao início.
Acredito que estas expeditions venham a desafiar os melhores jogadores a completar nos níveis mais elevados, mediante a própria melhoria da build. No entanto, esperava outros tipos de conteúdo de endgame, e não ficava nada mal umas dungeons, com bosses, semelhante a um RPG. O jogo pede mesmo um serviço, pois a ação é viciante, as builds repletas de estratégia. Ainda assim, certamente que existem builds e habilidades que vão levar nerf, pois há algum desequilíbrio entre classes. Mas o estúdio já referiu que vai continuar a trabalhar em melhorias e conteúdos. resta saber com que frequência.
Contas feitas, Outriders é um dos melhores jogos de ação cooperativos do mercado nos últimos tempos. Não inventa nada, mas compila com eficácia diversas inspirações, tornando-o um viciante shooter looter. A instabilidade dos servidores, obrigatórios para se jogar, mancham este título, mas é de louvar que o estúdio tenha optado por evitar o sistema de game as a service e colocado todo o conteúdo disponível no pacote. Mas será necessário mais conteúdo, e de preferência variado no endgame, para manter o interesse dos jogadores.
Por isso, a partir do momento que os servidores ficarem estáveis, os fãs da ação têm aqui um jogo muito válido. E a People Can Fly demonstra mais uma vez o seu talento, ainda que lhe falte um pouquinho para dar aquele derradeiro salto.