Caçada Semanal #258
É de uma tremenda felicidade para mim ver que já evoluímos o suficiente desde o momento do final dos anos 1990 em que as heroínas dos videojogos (e não só) eram mero fan service. Muito se aprendeu com a humanização de Lara Croft, mas também com Nicole Collard e mesmo Kate Walker, para que as protagonistas sejam personagens sólidas, multidimensionais, para além do básico eye candy.
Os 3 indies de hoje trazem protagonistas fortes e distintas entre si.
TASOMACHI: Behind the Twilight [PC]
A grande promessa de TASOMACHI: Behind the Twilight enquanto jogo que foi divulgado com toda a força com o argumento de ser uma criação do artista de Breath of the Wild foi suficiente para captar a nossa atenção.
Um 3D platformer, compassado, onde controlamos Yukumo, cuja aeronave se despenhou. Cabe-nos a missão de procurar em pequenas aldeias cobertas de névoa por partes para reparar a aeronave.
O que descobrimos nos primeiros minutos de TASOMACHI: Behind the Twilight é que ele é tão compassado que rapidamente percebemos que sofre de um grande problema de forma sobre substância. O jogo é visualmente bonito (e menos não seria de esperar) mas mecanicamente é tão superficial e desinteressante que o nosso entusiasmo se esfuma com a névoa que se dissipa quando percorremos cada uma das aldeias.
Exploramos níveis repetitivos, a colectar 90 lanternas. Apenas isto. A exploração é promovida como “relaxada”, visto que não temos death state nem existe combate ou formas de perdemos o jogo. Mas na realidade é relaxada demais.
O desafio de TASOMACHI: Behind the Twilight é perto de zero. A vontade de continuar a jogá-lo para além do impacto inicial e do maravilhamento da sua direcção, idem.
Lost Words: Beyond the Page [PS4, Xbox One, Switch, PC]
Há premissas interessantes, e Lost Words: Beyond the Page é um dos jogos mais originais que jogámos nos últimos tempos. Há uns anos jogámos a algo semelhante numa pequena vertical slice finalista do Indie X, um jogo chamado Letters em que íamos jogando com as palavras escritas nas páginas de um caderno.
Lost Words: Beyond the Page leva esta ideia mais à frente. A nossa protagonista é uma jovem que encontra uma forma muito diferente de lidar com os seus problemas de auto-estima e auto-confiança: criando um mundo ficcional chamado Estoria. Este é é um espaço mágico que criou para tentar explicar os acontecimentos que ela não compreende no mundo real.
O mundo vai-se desenhado a partir do que ela escreve no diário, e vamos usando as palavras como plataformas para a sua movimentação pelo cenário.
Neste platforming 2D dentro de um diário, todos os aspectos são visualmente brilhantes, entre as aguarelas das páginas do diário e os níveis tridimensionais.
Lost Words: Beyond the Page é uma história tocante e mais complexa do que parece à superfície, abordando de forma inteligente os problemas subjacentes às mudanças que passamos na adolescência, e a nossa incapacidade, muitas vezes, para nos adaptarmos a essas mesmas mudanças.
Escrito e narrado pela escritora Rihanna Pratchett, Lost Words: Beyond the Page é uma joia desconhecida do mercado indie: criativo, original e profundo.
Scarlet Hood and the Wicked Wood [PC, Mac, Linux]
O estúdio Devespresso (não confundir com Nespresso, ainda que isto me tenha dado a vontade de beber café) já têm algum portfólio no bolso: lançaram The Coma 2: Vicious Sisters e Vambrace: Cold Soul, dois jogos com sucesso médio mas que marcou sempre a tónica criativa: um grande foco na narrativa.
Scarlet Hood and the Wicked Wood é uma mistura interessante de Capuchinho Vermelho com Wizard of Oz. A protagonista é uma jovem vocalista de uma banda de garagem sulista que, após receber a oportunidade de deixar os restantes membros da banda para trás, acaba por morrer e levada para uma dimensão paralela.
Com elementos de visual novel na longa e interessante história (e muitas vezes hilária) de Scarlet Hood and the Wicked Wood, vamos percorrendo os muitos cenários numa mistura curiosa de side-scrolling onde os puzzles são quase mini-jogos encerrados dentro do jogo.
Com bons personagens a preencher este mundo estranho, Scarlet Hood, a jovem sulista que se vê num sítio que de certeza já não é o Kansas, vai-se cruzando com alguns inimigos que vai derrotando com evitando, mediante a disponibilidade de magia no seu estranho bastão com uma mão na ponta.
Há uma comparação curiosa que me faz lembrar um dos melhores deck builders em videojogo que eu já vi, não só pela movimentação mas também pela forma como os combates vão surgindo (com as diferenças entre sistemas): Steamworld Quest. Uma história igualmente bem-contada, mas no caso de Scarlet Hood and the Wicked Wood um exemplo onde os puzzles são paragem obrigatória para fazer o enredo avançar.
Com uma direcção artística interessante e distintiva, Scarlet Hood and the Wicked Wood é uma mudança abrupta de tudo o que o estúdio Devespresso tem feito. Com uma mistura interessante de referências de histórias conhecidas e uma arte tradicional curiosa, Scarlet Hood and the Wicked Wood é mais uma joia escondida do mercado indie.