Vamos atalhar desde o início. Judgment agarrou-me desde o primeiro minuto que o comecei a jogar e não vejo a hora de poder continuar a seguir a história. Pena não estar tudo ao mesmo nível, mas nem quero saber.

Entre Super Monkey Ball e a franquia Yakuza é garantido que os jogos do Rya Ga Gotuku Studio são sempre um poço de diversão. Judgment é um spin-off deste último, acontecendo nas ruas movimentadas de Kamurocho. Jogamos como Takayuki Yagami, um ex-advogado esmagado pelo sentimento de culpa que agora tem uma agência de detectives.

No papel este é um jogo de detectives, mas na prática não sei se o consigo classificar como tal, já que pouco fazemos de investigação, e nesse sentido fiquei desiludido já que o que mais remete para essas investigações são missões aborrecidérrimas de seguir alguém, ou imagens em que temos que apontar o nosso olhar para um local e focar o ponto em que o comando vibra. Sim, tem toda essa complexidade. Acrescento que também há momentos de inquérito onde pensei que seria obrigado a deduzir, mas rapidamente percebi que se não fosse comichoso com os pontos que ganhava, tanto fazia a maneira como conduzia o inquérito dado que se consegue sempre obter todas as respostas, apenas não se conseguem obter todos os pontos para gastar em habilidades ao seguir a ordem incorrecta das perguntas. Mesmo assim havia ordens cuja lógica me passou um bocado ao lado, mas dado que o interrogatório prosseguia sempre, nunca tive a oportunidade e vontade de reflectir sobre estas. Também rapidamente deixei de olhar para as provas que recolhia, na verdade os casos sempre se foram resolvendo sem que na prática eu precisasse delas, de certa forma estas eram apenas um produto secundário duma acção que fazia a história avançar, podiam meter louça das Caldas em vez dum picador de gelo que o resultado era o mesmo.

Creio que só tive algum fail state em missões de perseguição onde ainda reinam os Quick Time Events (doravante QTE). A primeira vez que me apareceu um botão no ecrã para carregar, este estava tão deslocalizado do jogo que até fiquei a olhar e a pensar o que seria para fazer. A sério que não estava nada à espera dos QTE ainda terem um papel tão relevante num jogo, até muitas das acções em combate estão assentes neles. Provavelmente para os fãs da franquia Yakuza isto será normal, mas este foi o meu primeiro jogo neste universo. Volta Tomb Raider, estás perdoado!

O combate sim parece ser o maior enfoque do jogo. Embora não seja propriamente um brawler arrisco-me a dizer que não estamos 10 minutos seguidos sem andar à bulha, nem que por apenas um bocadinho de tempo. A luta é bastante fluída e dinâmica, como que um bailado. Yagami é fluído em dois estilos de luta, uma mais adequada para o combate contra apenas um adversário, outro mais adequado para crowd control. São distintos o suficiente para usarmos o mais adequado a cada uma das situações, mas não são completamente inúteis se nos esquecermos de mudar. A mudança pode ser feita a qualquer altura com o simples toque num botão. A qualquer momento no jogo somos interrompidos para uma lutazinha, mas a certo ponto isso já começa a aborrecer um bocadinho, bem como as voicelines repetitivas no final de cada escaramuça. Com o aumento de dificuldade vamos levando mais vezes na fuça e é então que reparamos que o nosso boneco funciona com uma física de boneca de trapos (ragdoll) que é fraquinha, para não dizer que é muito fraquinha.

Mas vamos lá à história. É sublime! É fantástica! É arte! Para ser sincero a história transforma um jogo com boas mecânicas num jogo bem acima da média. Provavelmente não teria ficado tão embeiçado por ele e não fosse ela. Estão a imaginar uma novela mexicana dos anos 1990? Epá, este jogo torna essas novelas tão interessantes como ler as páginas amarelas. A história é introduzida a uma velocidade rápida, sem nunca nos dar tempo para nos aborrecermos, e mesmo quando entra em ramos acessórios, para poder incluir ou caracterizar um novo personagem, nunca o faz de maneira tão exaustiva que nos dê tempo sequer de fazer outra coisa qualquer.

É engraçado que esta é uma das poucas histórias em que as marteladas que foram claramente introduzidas ao bloco principal não parecem desenquadradas, há um propósito, e mais que isso muitas dessas vezes incluem uma traição ou a traição duma traição, ou mesmo a traição duma traição que traiu a traição que inicialmente era a traição traída. Um melodrama apenas batido por aquele que o meu filho mais velho faz quando não o deixamos voltar ao Fortnite depois do jantar.

Há dois estilos distintos de luta

Com o tempo a história também vai abrindo e tornando-se mais dinâmica. A informação é dada maioritariamente em momentos de cinemática. Engraçado que inicialmente não gostei deles, mas com o tempo esta opção foi-se entranhando e, acreditem, a cinemática pulula neste jogo. Dás um pontapé numa pedra e tens mais um filme. Isto costuma irritar-me tanto que tenho análises que são autênticos rants acerca disso (desculpa lá Tomb Raider) o que torna ainda mais inexplicável eu ter gostado de as ter aqui.

A mecânica de jogo é um bocadinho à base de fetch quests, mas nem notamos que é isso que estamos a fazer, embora claramente o seja. Quer nas missões principais quer nas acessórias limitamo-nos maioritariamente a ir algures fazer algo e depois voltar. Kamurocho é uma cidade relativamente pequena, dá para andar sempre a pé. Inicialmente as reações das pessoas são interessantes e gostei do detalhe de quando estamos perto delas sermos capazes de perceber no que estão a pensar, no entanto rapidamente deixei de olhar para isso e passou a ser só mais um detalhe visual que aparecia no ecrã.

Cada missão que fazemos dá-nos pontos que servem para irmos desbloqueando várias habilidades na nossa skill tree, mas na realidade muitas das vezes até me esquecia de ir lá gastar os pontos. Embora algumas habilidades sejam extremamente úteis, muitas vezes não eram importantes o suficiente para eu necessitar mesmo delas. O lado bom disto é que o jogo não requer qualquer grind, os pontos que precisamos ganhamos na história principal, e mesmo o dinheiro que por vezes é necessário é-nos dado em missões anteriores não temos que parar para fazer outras coisas. A qualquer altura podemos gravar o jogo, raramente perdemos um minuto de progresso, isso associado a uma estrutura de missões curtas torna este jogo muitíssimo casual, embora eu tenha jogado sempre por períodos de horas e quase me ter obrigado a parar para ir dormir sempre que jogava à noite. Neste aspecto é um jogo muito similar ao Returnal. Cof, cof!

Foi raro o jogo me fazer sentir um detective

Joguei no Stadia e tenho que dizer que o meu grau de satisfação com a qualidade do serviço é superior ao do xCloud. Qualidade de imagem excelente, quer em internet fixa quer com dados móveis manhosos no meu telemóvel. Raramente o ecrã desfazia. Se somarem a isto o facto de eu ser um defensor acérrimo do xCloud ficam com a ideia de quão alta é agora a minha opinião do Stadia. Provavelmente metade do meu tempo de jogo é no meu telemóvel com rede de qualidade duvidosa e sem queixas relevantes.

Por fim menciono algo que não será surpresa para nenhum fã de Yakuza, mas sê-lo-á para um não fã, este jogo está carregado de mini-jogos e de coisas para te manterem entretido se quiseres descansar um bocado da história. Eu estou tão embrenhado que tive de me arrastar para experimentar alguns, mas admito que me diverti nas corridas de drones e a jogar póquer.

Assim tenho para mim que a história de Judgment faz com que ele suba de nível, transformando um jogo com mecânicas já algo gastas num dos jogos que mais me divertiu este ano. Missões rápidas e interessantes, história rocambolesca, luta muito divertida e fluída e claro, toneladas de horas em conteúdo faz com que provavelmente este jogo tenha algo de interessante para qualquer pessoa. Sabem como é, Kamurocho dá um pouco de si a cada um de nós.