Caçada Semanal #266

Sem sequer ser fã do género, é inegável que a aparente “inovação” implementada pela FromSoftware veio criar um sistema tão importante no mercado da última década que ainda hoje toda a gente tenta repetir a fórmula. No mercado indie isso tem sido demais evidente, e até podem ouvir a conversa que tivemos sobre o tema a última vez que fui convidado pelo podcast da Alexa e do Sérgio.

Os 3 indies desta caçada mostram essa mesma influência e a vontade dos seus autores de colocarem o desafio enquanto argumento de venda e de marketing.

Pascal’s Wager Definitive Edition [PC]

Um dos pontos positivos de tentar mergulhar como completa tabula rasa é não saber o que esperar quando abro um novo jogo. Pascal’s Wager Definitive Edition foi um desses casos, em que por trás do ambiente interessante, com óbvias inspirações na Europa do Séc. XVII, mal sabia eu que se encontrava um soulslike pronto para me fazer morrer muitas vezes.

Trazido para o PC a partir do original lançado em iOS – e nem era preciso esta informação para percebermos que apesar da boa direcção artística, o jogo está tecnicamente abaixo do que esperaríamos – este jogo chinês consegue trazer novas ideias para a fórmula.

É claro que todos os clichés da energia que se esgota quando atacamos ou defendemos está aqui, para além da fogueira onde podemos usar os elementos recolhidos para fazer upgrades, mas a introdução de um novo medidor vem fazer toda a diferença.

A introdução de uma barra de sanidade que se vai exaurindo à medida que os personagens vão combatendo os inimigos sobrenaturais é interessante, e serve como uma espécie de barra de vida adicional à semelhança do que o RPG de Call of Cthulhu introduziu há anos.

Os bosses exaurem a nossa sanidade ainda mais rapidamente, e se ela ficar a zeros durante a enfrentá-lo, vemos uma nova forma mais poderosa do nosso inimigo a surgir, aumentando ainda mais a dificuldade.

Com cinco personagens jogáveis que podem (e devem) ser mudados ao longo do  combate, e onde o velho cavaleiro Terrence é a peça central, Pascal’s Wager Definitive Edition conseguiu deixar-me vontade de finalmente abraçar o género. O que já diz muito sobre si.

Demon Skin [PC]

A influência da FromSoftware não se viu apenas na mudança de tom de jogos de acção tridimensionais que abandonaram o tom frenético hack ‘n slash para fazer com que todos os nossos movimentos tivessem um grande impacto, positivo ou negativo, no sucesso da nossa jogabilidade.

Essa influência viu-se também em jogos bidimensionais como Dead Cells e Blasphemous, entre inúmeros outros jogos que melhor ou pior souberam aplicar esta tónica. Dead Cells é possivelmente o melhor de todos estes, misturando elementos roguelike à poção e tornando-se um dos grandes jogos de acção indie da última década.

Demon Skin tem boas ideias, e à falta de melhor forma de o descrever fá-lo-com um simples “é uma espécie de Prince of Persia misturado com Dark Souls”. Mas o Prince of Persia original, entenda-se.

As componentes de platforming estão na mesma plataforma (desculpem o trocadilho) dos controlos de combate: pouco ajustados, e que penalizam o resultado final e as boas ideias que Demon Skin traz.

Com um sistema de combate assente em ideias de stances, em que utilizamos ataques normais e fortes mas direcionados, seja à cabeça, tronco ou pernas, com possibilidades de desferirmos combinações que deixem os adversários stunned. Já o bloqueio está ao nível da falta de ajuste da maioria dos controlos: críptico, a obrigar-nos a apontar com o rato ou analógico na direcção que vamos ser atacados para defender do ataque. Felizmente que o dodge roll ao estilo de Dead Cells aqui está para salvar a honra do demoníaco convento.

Existem obstáculos, armadilhas e interruptores escondidos do qual não podemos escapar e que nos levam à morte súbita, e que soam mais a crueldade mecânica do que uma ideia orgânica. A frustração é decorrente deste sentido de injustiça do que do desafio, que é, por si mesmo, elevado.

O problema de apostar em Demon Skin é olhar para Dead Cells e vê-lo ainda hoje como uma muito melhor escolha, artística e mecanicamente.

Godstrike [PC, Switch]

Godstrike não é o único boss fight centered game que joguei, e tenho achado como existe uma quase tendência de criar jogos tão depurados e tão focados no desafio que cada nível é apenas habitado por um bosso que nos espera para nos derrotar, ou ser derrotado.

É curioso colocar um twin stick shooter bullet hell numa caçada dedicada a jogos soulslike, quando tudo o que têm em comum com o género criado pelo famoso estúdio nipónico é mesmo a dificuldade. Ora não fosse o micro-nicho dos bullet hells um dos poucos redutor ao longo de mais de uma década que manteve o nível elevado de dificuldade old school ao estilo arcade.

Quanto a Godstrike, desenvolvido pelo estúdio OverPowered Teams, há um toque diferente para tantos outros bullhet hells: é que o tempo é simultaneamente um contra-relógio, mas é também a nossa barra de vida.

Cada combate é um time attack contra o boss, e sempre que levamos dano é o nosso relógio que perde segundos, aproximando-se do fatídico zero. O tempo, em Godstrike, é literalmente vida.

O curioso da dificuldade extrema de Godstrike é que até o tutorial é duro de roer, e vai certamente afastar muita gente que não esteja habituada a este género. O boss do tutorial tem 3 formas distintas, progressivamente mais difíceis (à semelhança dos restantes). Se perdemos muitas vezes podemos baixar a dificuldade, mas até a dificuldade mais baixa é… difícil.

Com uma excelente direcção artística e um foco naquilo que sabe e que quer fazer, Godstrike é uma maravilha indie twin stick shooter, daqueles de arrancar os cabelos de frustração, sem nunca sentirmos que fomos enganados de forma injusta.