Nunca escondi que prefiro jogar jogos Indie, mas claro que também gosto muito de picar o ponto nos AAA de vez em quando, nem que só para desenjoar. Days Gone foi a oportunidade de finalmente experimentar os famosos exclusivos da Sony, mas na prática é apenas mais uma representação da maioria das razões pelas quais eu me divirto muito mais com jogos mais simples.
Um jogo Indie raramente nos empata. Chega, conta a história, apresenta o gancho de gameplay, divertimo-nos (ou não) durante o seu período de vida, acabamos. Estes jogos não têm necessidade de inventar conteúdo para justificar o preço e raramente procuram reter o jogador mais que o tempo necessário. Arrisco dizer que para um jogo destes se evidenciar até é necessário que se comporte da maneira inversa. Para ganhar tracção e exposição um jogo Indie necessita de ser explosivo. Muitas vezes encontra uma mecânica boa e pode trabalhar sobre ela todo o jogo. Há algumas excepções a esta regra, por exemplo The Messenger apresenta duas mecânicas chave, o cloudstep e a capacidade de alternar entre o presente e o futuro para resolver alguns puzzles. As duas técnicas dão a possibilidade do jogo se estender por cerca de 15 a 20h, longevidade comparável a muitos AAA. Spiritfarer estende a suas sub-histórias por cerca de 40h, num jogo em que muitas mecânicas simples e muitas histórias mais ou menos marcantes nos vão mantendo entretidos e investidos no jogo. Days Gone tem muito conteúdo para encher chouriços. A sério que entendo isto, acreditem. Não é fácil para quem publica justificar um preço elevado, e o jogador “comum” que compra o jogo gosta de todas as actividades repetidas porque sente que tem um maior retorno no seu investimento por ter jogado 50 horas de forma lenta, ao invés de estar completamente embrenhado em 20 horas de história sempre entusiasmante. Eu não comprei Days Gone, eu recebi Days Gone, isso faz muita diferença, mas eu já pensava assim quando comprava os jogos que analisava.
A minha curiosidade com jogos da Sony era grande, e considerando o burburinho que existiu há pouco tempo quando negaram à Bend Sudios o pitch para uma sequela, apontavam para que o jogo tivesse sido sub-valorizado, além disso eu sou fã de jogos de zombies (ou freaks como aqui lhes chamam), State of Decay 2 continua a ser um dos meus jogos favoritos, senão o meu favorito, da Xbox por isso tudo apontava para que fosse adorar jogar Days Gone.
As primeiras impressões foram óptimas. Mal actualizei os drivers da Nvidia o jogo ficou lindíssimo. O beat principal da história pareceu pouco inspirado, mas perfeitamente aceitável mal percebi que era apenas a base que sustentaria toda a história. Porém consoante fui jogando fui-me afastando cada vez mais do jogo. Talvez as minhas expectativas fossem muito altas, mas na primeira meia hora levar logo com um crash para o ambiente de trabalho deixou-me irritado e isso acaba logo por nos estragar a experiência do jogo durante 5 ou 6 horas pois vivemos sob o espectro desse evento se repetir. Nunca repetiu, mas enquanto me lembrei andei a salvar múltiplas vezes com medo de perder progresso (os saves automáticos são muito generosos, mas mesmo assim…).
Num jogo que quer que nos embrenhemos a fundo em tudo o que se passa à nossa volta há algumas coisas que falham e nos retiram do transe. Por exemplo, durante uma missão há alturas em que, geograficamente, acabamos no meio dum ninho de freaks. Mal a missão acaba eles fazem spawn automático à nossa frente, o que transforma imediatamente um ambiente controlado numa zona em que estamos sozinhos contra 8 ou 9 zombies. Uma das vezes acabei por levar com um spawn pertíssimo duma horda com dezenas e dezenas de zombies, que felizmente não me detectaram e tive espaço e tempo para fugir. Outra coisa, quer sejam zombies ou humanos, caso um boneco esteja perto da parede é normal que faça clip ou nos detecte de posições em que não seria possível e, embora pouco comum, a mecânica de ragdoll nem sempre funciona bem. Há mais detalhes técnicos que por vezes quebram a imersão e, admito, um punhado de vezes soltei um “mas que raio?!?!” (não usei exactamente esta expressão).
Days Gone é um jogo lento. Days Gone é um jogo propositada e declaradamente lento. Gostei muito dessa sua faceta. A velocidade que temos para absorver tudo o que acontece à nossa volta é a certa. É importante não passarmos duns Zés Ninguém para Super-Homens em meia dúzia de missões. Arrisco-me a dizer que a progressão é das melhores que vi num jogo deste género. Há poucas coisas que realmente nos façam sentir sobre-humanos e gosto disso, dentro da verosimilidade dum mundo pós-apocalíptico pejado de zombies, dá um ponto mais humano e credível à história.
A história, pois… a história. Não gosto nada que me tentem forçar as emoções. Neste ponto estou muito mais investido em duas linhas secundárias que na linha principal da história. Mesmo um dos pontos mais interessantes da narrativa é-nos dado de forma muuuuito forçada. Os zombies terem arrasado o mundo mas meia dúzia de campos protegidos por redes com arame farpado serem seguros fez-me um bocado de espécie. Raios, um mundo arrasado em que grupos lutam para não morrerem à fome, mas aparentemente qualquer um sobrevive sozinho durante dois anos, e desconhece completamente a existência dos campos com sobreviventes que estão ali a 200 metros de distância.
Há uma clara tentativa de dar uma personalidade complexa ao protagonista e herói Deacon St. John, mas em nenhum momento ele deixa de ser o típico bonzinho a tentar disfarçar. Deacon St. John é sempre retratado da mesma forma, não há nenhuma evolução ou regressão na sua personagem. Há alguns momentos nos diálogos durante as viagens de mota em que se abre uma porta a qualquer outra faceta, mas sem que esta se desenvolva.
Somos motards e todas as deslocações são feitas de mota. Este é talvez o momento (tirando os menus em roda) em que noto que o jogo foi pensado para jogar em consola. Conduzir com teclado e rato não é a melhor coisa do mundo, mas em tudo o resto acredito que a experiência seja melhor em PC. Deslocamo-nos de mota para todo o lado, mas tirando as missões de perseguição em que o seu uso era imperioso, usei o fast travel sempre que podia. Após queimar todos os ninhos não tive qualquer vontade em explorar o mundo fora das estradas, e depois de arrumar com dois ou três acampamentos de mauzões já rezava para não ter mais missões dessas.
Toda a gente dispara contra nós. Days Gone é um jogo que incentiva muito sermos furtivos para não despertar a atenção, mas qualquer grupo de duas ou três pessoas nos faz uma emboscada e disparam sem preocupação alguma, sendo que alguns vivem à beira da estrada numa tenda. Parece seguro, não parece?
Days Gone segue um qualquer template dum Far Cry mas com zombies. Passamos muito tempo com missões repetidas. Limpa um acampamento, incendeia uns ninhos, vai buscar isto, vai buscar aquilo, faz umas missões para ganhar créditos nos campos de sobreviventes e subir a reputação, enfim, vocês sabem como é. Isto não faz de Days Gone um mau jogo. Days Gone é um jogo que até é divertido. Considerando tudo, até se nota o esforço para incluir todos estes momentos repetidos na história, há uma clara preocupação em enquadrar estas missões de forma inteligente. A primeira vez que derrotamos uma horda sentimo-nos os melhores do mundo, é o momento em que sentimos que chegámos ao endgame. É provavelmente o melhor do jogo.
Se calhar a malta que defendeu Days Gone com unhas e dentes é uma minoria vocal que protestava mais contra a SONY que propriamente a favor da Bend. Agora que joguei o jogo sei que o rótulo de não estar ao nível de outros exclusivos Playstation parece adequado. Tudo me leva a crer que isso é o que realmente acontece, contudo não tenho o menor problema em recomendar o jogo. Embora com uma história forçada, com um ou outro problema técnico e muitos problemas de enquadramento que quebram a imersão, este jogo é divertido. Este jogo é feito para quem quer levar o seu tempo a jogar. Embora nos enfie a história pela goela abaixo, Days Gone dá-nos tempo para desfrutar dela. Para este ponto é indiferente eu ter gostado ou não da história, para mim tem o ritmo certo. Por vezes esperamos demais. A Sony colocou os padrões a níveis muito altos e isso está a ser como uma facada no bucho para este jogo. É um AAA default. Está ao nível de muitos outros, o que duvido é que esteja ao nível dos da Sony, mesmo sem ter jogado outro. Eu sei, acabei de forma mais estranha que o habitual…