Uncharted: Golden Abyss é um exclusivo de uma consola mergulhada em potencial não reconhecido e muito menos valorizado: a PlayStation Vita. Uma consola inovadora que, quanto muito, peca apenas por ser demasiado vanguardista para o momento que se via a entrar no mercado. Mas isso é uma conversa para outra altura! Estamos aqui para falar de Uncharted, afinal de contas!

Uncharted: Golden Abyss é uma prequela na história da vida do caçador de tesouros com um coração de ouro que dá pelo nome de Nathan Drake. Apesar de não ser uma história propriamente marcante (nem que seja pelo facto de a única familiaridade se resumir à presença do fumador de charutos profissional Victor “Sully” Sullivan), tem os seus momentos, e podemos contar com a performance brilhante de Nola North (como tão bem já nos habituou) a dar vida ao protagonista.

Quanto à premissa narrativa, e sem querer revelar demasiado, resume-se a investigar um tesouro numa localização há muito dada como perdida/esquecida, e que o vilão também procura para satisfazer os seus interesses pessoais. Por outras palavras, é relativamente genérico, face ao que os outros títulos já nos apresentaram. Contudo, ganha pontos por não haver nenhum elemento sobrenatural naquela que é a jornada mais longa de toda a franquia (com 34 capítulos que não eram de todo necessários). Não há um tesouro amaldiçoado, não há nenhuma seiva que concede habilidades sobre-humanas a quem a consome… apenas artefactos que simplesmente valem um bom montante para o comprador certo. É sempre bom ter algo assim mais plausível de vez em quando.

A nível de jogabilidade, nada muda. Continuamos a ter ao nosso dispor os vários dotes de artes marciais e de arsenal bélico que o nosso modesto arqueólogo tem na sua pessoa, e que metem um qualquer Rambo a chorar de orgulho. Podemos sempre procurar ser furtivos e reduzir drasticamente o número de hostes inimigas, mesmo que seja uma questão de tempo até que vá tudo pelo cano abaixo e seja necessário puxar das sempre fiéis armas de fogo.

Com isto fora do caminho, chega então a altura de falar dos destaques deste título. Desde bem cedo fica claro que o jogo foi feito para enaltecer o potencial tecnológico da Vita. Logo no menu inicial temos que usar o ecrã táctil frontal para navegar pelo mesmo e seleccionar as respectivas opções. Continuando a lista de exemplos, ao navegar pelas secções de plataformas tão típicas de Uncharted (e aqui abundantes), podemos usar o ecrã frontal para desenhar o trajeto que queremos fazer, e também seleccionar para que plataforma queremos saltar (o que dá muito jeito para cobrir a distância em saltos que nos parecem impossíveis e que nem sempre dá para precisar com o botão tradicional de salto). Podemos também usar o painel táctil traseiro para ajudar o Nate a trepar e a descer por cordas. O próprio combate “beneficia” disto, com os avisos a aparecerem no ecrã para socar oponentes como alternativa ao bom velho quadrado. Assim que iniciamos uma torrente de golpes corpo-a-corpo, os vários inputs vão aparecendo no ecrã, ganhando também a forma de setas que devemos acompanhar para terminar a combo com sucesso. Por último, também podemos usar o painel táctil frontal para escolher onde pretendemos arremessar granadas.

A inclusão destas mecânicas tem consequências bastante engraçadas, até porque em combate o Nate desfere golpes no sentido das setas que vamos replicando, e quando cortamos conjuntos de bambu ou trapos que bloqueiam o nosso caminho (mas que essencialmente escondem segredos e coleccionáveis… já lá vamos), ele brande a machete também na mesma direcção. Outros dois exemplos gritantes são as de usar grafite e papel para replicar desenhos de várias gravuras que vamos encontrando (e conseguimos isso passando o dedo no ecrã até enchermos a folha), e também usando a câmara da Vita para decifrar uma mensagem escrita num papel, sendo necessário apontá-la para uma fonte de luz. Contudo, sabe mais a uma “modernice” que nos é impingida à força toda, até porque as boss battles ganham a forma de QTEs através desta interacção com o ecrã.

Ele balança, e de vez em quando cai.

Começando então a entrar nos pormenores menos bons, existe uma quantidade absurda de coleccionáveis neste jogo, e todos, de uma maneira ou de outra, requerem utilizar uma destas novas mecânicas. Desde usar o já referido papel e grafite, usar o ecrã frontal para limpar artefactos e montar peças de puzzle, a usar os inputs de setas para cortar bambu, a tirar fotografias… e isto sem falar nos coleccionáveis que estão literalmente dependentes do factor sorte!

E é precisamente aqui que tudo começa a complicar para a boa classificação deste título. Há momentos em que o jogo se torna bastante longo e que se torna enfadonho fazer chover chumbo sobre dezenas e dezenas de mercenários que claramente não têm amor à vida e cujos empregadores têm literalmente exércitos à sua disposição.

Para aqueles que como eu gostam de platinar jogos, esta acaba por ser uma platina completamente entediante. Temos de tudo: grind em ter que matar X inimigos da maneira/arma Y, recolher todos os referidos coleccionáveis, e concluir o jogo no temido nível “Esmagador”/”Crushing”. É neste nível de dificuldade que tudo se agrava. Já todos sabemos quais as implicações standard num aumento de dificuldade: nós infligimos menos dano, e os inimigos infligem mais. Daqui espera-se pôr à prova a nossa perícia e domínio das mecânicas de jogo, e é isso que vemos, até que chegamos às boss battles.

Como já foi dito, as boss battles resumem-se a QTEs em que temos que acompanhar o padrão das várias setas que vão passando pelo ecrã. Como estamos a falar de um ecrã táctil, nem sempre o input é correcto e, mais vezes que não, damos por nós a replicar o gesto correcto, mas o mesmo ser registado como incorrecto. O que não seria nada de desagradável, se não fosse o facto de haver um X número de vezes que se pode errar. No que ao modo mais difícil diz respeito, há uma única tentativa, bem como novos inputs que não constavam nos modos anteriores. Como resultado, temos uma receita com uma frequência de falhanço por erro humano (ou não), que nos envia directamente para o início do confronto com cutscenes que são impossíveis de ignorar (recomendo não só usar os guias em que constam os padrões a inserir, mas também ter a consola numa superfície plana e estável… ah, e silenciar o áudio). Por estas e por outras, em vez de se tratar de uma platina que testa a nossa perícia, é uma que testa a nossa persistência/teimosia, bem como as nossas tendências masoquistas.

Uncharted: Golden Abyss é um título engraçado da franquia que peca por não lhe acrescentar muito e por usar e abusar dos elementos que fazem da Vita uma consola relativamente singular. Um tesouro em estado bruto que deve ser desenterrado com moderação.