Honestamente, temos pena de quem gere o departamento de turismo de Silent Hill. Após os eventos do 1.º jogo, parece que pouco ou nada foram capazes de fazer para tornar este local indutor dos mais grotescos pesadelos num espaço idílico e convidativo. Surpreende-nos que alguém no seu perfeito juízo seja capaz de escolher esta cidade como destino de férias, pois com um nevoeiro cerrado que esconde almas-penadas e horrendas aberrações que saltam das sombras e das esquinas, a única razão para visitar este pesadelo novamente seria para curar uma obstipação.
Mas James, o nosso protagonista, tem uma razão ulterior para se encontrar às portas da malfadada cidade. A sua esposa, muito morta, escreveu-lhe uma carta. James, sem dúvida há demasiado tempo sozinho, não pensa duas vezes e arranca para o sítio especial deles. Não sabemos o que ele espera fazer com uma mulher há três anos enterrada, mas não nos cabe a nós julgar. A nós, cabe-nos assumir o seu controle e enfrentar novamente o pesadelo.
O enredo, ao contrário do primeiro título da série, foca-se mais no desenvolvimento pessoal de cada personagem, jogável ou não, explorando a sua psique deturpada e em constante deterioração, que é fruto de um trauma do seu passado. Consequentemente, a cidade de Silent Hill transforma-se de forma a melhor acomodar os terrores pessoais de cada um, não se limitando estes ao protagonista. Isto permite-nos uma experiência mais imersiva e interessante, que desperta a curiosidade e nos deixa despertos de noite.
O gênero Survival Horror é algo que está intimamente associado com aquela tão doce reação do Jumpscare, ou no calão da língua de Camões, o “cagaço”. Embora Silent Hill 2 se povoe com alguns desses episódios, o seu ambiente é melhor descrito como um constante desgaste da sanidade, parecendo que toda a atmosfera do jogo danifica incrementalmente a psique do jogador, tornando-o mais responsivo a pequenos barulhos, fazendo-o antecipar os horrores ao virar da esquina. É um jogo desenvolvido para salas escuras e altas horas da noite, transmutando o nosso sofá na cidade de Silent Hill, no nosso pesadelo pessoal. Por vezes, até parecia que o nevoeiro tinha inundado a sala, mas apenas tínhamos deixado as cuecas em cima do radiador.
Foi, portanto, necessário aprender a jogar o jogo. Para um título com alguma complexidade, estão ausentes os tutoriais. Não são necessários, pois gradualmente o jogo vai apresentando situações que instruem o jogador, mesmo que para tal contribuem para que o mesmo não durma de noite. Este método não-expositivo é bastante mais imersivo do que ler um manual ou ver um vídeo e permitiu-nos conhecer o funcionamento da rádio, a forma como navegar a cidade e até o sistema de combate. O rádio, por exemplo e tal como acontecia no primeiro título, emite um ruído enervante quando na presença de bicharada feia. Para nossa surpresa, num corredor (e claro, sem qualquer outra saída), aquilo que apenas pode ser descrito como dois pares de pernas de manequins colados com UHU encontra-se imóvel. O rádio nada aponta. Os nossos instintos dizem-nos para prosseguir e assim fazemos. Como seria de esperar (não para nós na altura, pois o rádio estava calado), o Frankenpernas começa a correr na nossa direção, acompanhado do guincho da rádio e de lancinantes gritos de terror (provenientes do nosso sofá).
Todas estas aberrações podiam ser menos aterradoras se o grafismo não fosse tão bem conseguido, algo surpreendente para a altura do seu lançamento. De volta está o icónico nevoeiro, que ao invés de necessário (no primeiro jogo auxiliava o carregamento dos cenários) se tornou uma arma no arsenal de terrores de Silent Hill, servindo agora para esconder as horrendas criaturas que nem uma mãe consegue amar, ou para nos deixar na dúvida se aquele beco é mesmo o sítio para onde queremos ir. De volta, mas com esteroides, está também o realismo na arquitetura e na representação da cidade, que foi inundada por detalhes que contribuem para a sua atmosfera decrépita, assemelhando-se a uma cidade tipicamente americana, mas abandonada. Os únicos seres que deambulam pela rua não são os pequenos monstros e criancinhas-sombra pixelizados do primeiro jogo, mas sim as pernas de manequins coladas que mais parecem uma entremeada que ficou esquecida no banco de trás.
Todo o grafismo, por muito apelativo que seja, parece ter sido desenhado para reduzir a visibilidade do jogador, forçando-nos a recorrer à lanterna (que é uma faca de dois gumes, pois parece um íman de monstros). Essa pequena fonte de luz mostra ainda outro detalhe deste jogo, pois permite-nos apreciar as sombras dinâmicas que produz, especialmente quando nos viramos e a luz aponta sobre algo que há dois segundos atrás não estava ali. Hoje em dia fala-se imenso de realidade aumentada, mas só Silent Hill 2 fez com que ganhássemos medo de interruptores.
Para ajudar a instalação desse estado de pânico, os vários ângulos de câmara parecem tirados de filmes Hollywood, seguindo a personagem de forma a mostrar o que é mais relevante em cada momento, dando um efeito quase cinemático ao jogo, mas a inovação aqui é o fato de podermos controlá-la à nossa mercê. É uma bela adição, mas não é tão fluida quanto deveria, sendo lenta e por vezes criando mais problemas do que tentou resolver. Para os mais nostálgicos, entrar numa sala e não ver o que nos rodeia continua a fazer parte da experiência… o que é… bom?
Como nos acima mencionados filmes, os atores são extremamente importantes, pois assumem um papel preponderante na imersão do jogador. Similarmente, no Silent Hill 2, é através do diálogo das personagens e do voice acting que somos imersos na história. E, ao contrário do primeiro título da série, desta vez tanto o diálogo como a sua execução parecem transmitir alguma emoção. Ainda não é perfeito, mas é uma melhoria significativa. De igual forma, as capacidades de processamento do novo sistema (Playstation 2) permitem que a animação acompanhe a expressividade da voz. Com tudo isto, a experiência devia ser o mais real possível, o que não explica como é que o protagonista não grita que nem uma menina a cada cinco passos que dá, tal como nós faríamos no seu lugar…
Já que abordamos o controlo, é necessário assinalar que James se mexe da mesma forma que Harry, o que não é um elogio. Desta vez, contudo, o jogo acrescentou a opção de poder fazê-lo em maneiras diferentes, controlos tanque 3D como no primeiro jogo ou então de maneira prática 2D carregando para direção pretendida, ele vai para a direção pretendida…seria interessante ter a opção de 1D, embora fosse uma forma estranha de jogar e o 4D faria com que o jogo se tornasse menos realista, como se manequins possuídos fossem o epítome do realismo. Existem algumas melhorias no sistema de controlo, o que seria de esperar com a nova geração de consolas, mas este continua a ser um dos elementos mais aterradores do jogo. Vezes sem conta entramos numa sala e não conseguimos mexer suficientemente rápido, e o resultado é que um par de pernas se agarra ao nosso pescoço… e por uma vez na vida, isso não é algo bom.
Quanto às nossas pernas, quando estas descongelam, é necessário fazer uso do nosso arsenal bélico, que infelizmente fica longe daquele que os restantes heróis costumam utilizar. Se esperam encontrar lança-roquetes, lança-chamas ou lança-granadas, desiludir-se-ão, porque a única coisa que podem lançar são gritos de horror. Em compensação, têm armas de curto e longo alcance, embora ninguém no seu perfeito juízo deva escolher aquelas que os obrigam a tão grande intimidade. Adicionalmente e em contraste com o título anterior, o nosso protagonista reconhece que é um humano e não apenas um robô, pelo que é capaz de se mover lateralmente (strafe), o que ajuda no combate e a manter-se inteiro. Mas uma das maiores inovações de Silent Hill 2 é a fantástica capacidade que James adquiriu. Esta personagem, ao contrário do protagonista do pesadelo inicial, consegue, com sucesso, fazer balançar um cano de metal e acertar com o mesmo na estrutura muscular dos esquisitóides que habitam a cidade. Sem dúvida, uma grande inovação, a capacidade de conseguir matar as coisas que nos atacam.
À medida que fomos avançando no jogo e que a ação se tornava mais empolgante, também os puzzles se tornavam mais intrigantes. Parecia que nunca conseguíamos apanhar todas as pistas, como se as mensagens se evaporassem no ar, etéreas… o mistério adensava-se. Isto não era fruto da frágil psique de James, mas sim de uma falha na programação do jogo. Quando James ativa algo e uma mensagem aparece no ecrã, qualquer mínimo movimento, até um sopro no analógico que comanda a personagem, faz com que esta desapareça. Isto resulta numa frustração enorme, pois metade do jogo consiste de verificar todos os cantos à procura de itens ou de pistas.
Para aqueles que riem na cara do medo (o que, francamente, não é muito educado) e que precisam de um maior desafio, este jogo oferece não só diferentes níveis de dificuldade no combate, como também na resolução dos puzzles. Isto faz variar a forma como recebemos as pistas e a quantidade de dano que recebemos, permitindo a cada jogador enfrentar Silent Hill com o estilo de jogo que mais se lhe adequa. Se forem uma fusão da Bulma e do Son Goku como nós, Hard em tudo é o caminho! Há que acrescentar, contudo, que a cidade é demasiado generosa no que diz respeito às munições e packs médicos, o que, em certos momentos, arruína todo aquele suspense, ou tenta…
“Ah… o que foi aquilo?” – Foi talvez a frase que mais ribombou na nossa cabeça, pois os efeitos de som, quando combinados com uma aterradora banda sonora, cravaram-nos os dedos dos pés ao soalho que até a Dona Maria do andar de baixo achou que tínhamos adotado um labrador. É clara a intenção no design sonoro, pois tudo parece contribuir para a construção de uma atmosfera claustrofóbica e indutora do pânico.
Silent Hill 2 pegou em tudo o que Silent Hill fez de bom e duplicou o esforço, injetando melhores gráficos, melhores controlos, uma história e atmosfera mais imersiva (graças a um voice acting decente) e dupla dose de terror psicológico (sempre que vemos coisas rastejantes saltamos como o Super Mario). Em jeito de remate e conclusão, apenas uma coisa temos a dizer:
“Rais’ parta os manequins!”