Nota prévia: o Rubber era para ter recebido uma conta completa de FFXIV além do código de Shadowbringers, a última expansão disponível na PS4/PS5. Como só recebemos o código de Shadowbringers, não serve de grande coisa sem a conta – felizmente, FFXIV tem uma demo gratuita onde está todo o conteúdo verdadeiramente importante do jogo base e da primeira expansão.Tentámos contactar a distribuidora para resolver mas não obtivemos resposta. Se essa resposta chegar, lá para 2025 – já vão perceber – escrevo outra versão deste texto. Mas se querem tanto saber, dizem as boas línguas que Shadowbringers é do c******.

Lembram-se dos Judges em FFXII?
Enquanto Pokémon me namorava no Game Boy dos outros e Fire Emblem ainda nem tinha entrado na minha vida, Final Fantasy VIII foi amor à primeira vista.
Na PlayStation de uma amiga da escola que a recebera no aniversário, onde outro amigo nosso foi, a meio da festa, com o pai dela ao supermercado comprar “o Final Fantasy IV“. Tinham dado uma consola à miúda, mas esqueceram-se de lhe comprar um jogo. Devíamos ter uns nove anos, ninguém sabia inglês mas às cabeçadas se chegava à Fire Cavern para dar cabo de Ifrit enquanto outras duas Guardian Forces (mas é mais fixe charmar-lhes só Summons) em Quezacoatl e Shiva enchem o olho de miúdos impressionáveis. Que coisa incrível, chamar aquelas bestas do demónio e rebentar com os maus.

“Mestre, podemos parar de filosofar?” “Tem calma Titan, é para o Instagram”
Serve mais este pedaço terapêutico do meu passado que não interessa a ninguém para vos explicar como alguém que acha MMORPGs o demónio se meteu em Final Fantasy XIV. Com um primeiro arco narrativo em torno da ameaça dos Primals (mas é mais fixe chamar-lhes só Summons), quis toda a minha experiência em torno de um Summoner job (um dos vários que se podem escolher depois de alguns níveis numa classe mais básica), porque é mesmo fixe jogar Final Fantasy à base de Summons. “Final Fantasy XIV começa verdadeiramente quando se chega ao endgame“, li eu várias vezes por essa Internet enquanto me preparava para atacar o meu primeiro MMORPG desde as 2h em 2005 em que joguei Runescape pela pressão social e descobrir que não o suportava.
Não faço ideia se gostam de Seinfeld, mas dada a demografia e bom gosto dos leitores do Rubber vou partir do princípio que sim. O protagonista regularmente saía com mulheres lindísimas, mas era superficial ao ponto de as descartar por pormenores como “usa sempre o mesmo vestido” ou “tem creme anti-fungos na casa de banho” ou a minha favorita “tem mãos de homem“. Eu é mais ou menos isso: Final Fantasy XIV é lindíssimo, muito bem feito e refinado, mas não respeita o meu tempo. E senti esse obstáculo como impossível de transpor.
Uma rápida investigação no How Long to Beat aponta-vos para mais de mil horas de conteúdo se quiserem aproveitar tudo entre jogo base e suas patches mais as três expansões, às quais se vai juntar uma quarta, Endwalker, no final de 2021. O jogo até que faz um ótimo trabalho em introduzir novos jogadores como eu a todo o conteúdo e mecânicas gradualmente, em torno do enredo base.
Só que nunca gostei do multiplayer que não aos encontrões num sofá.

Spoiler: o Boss final da primeira campanha combate-se no meio de fogo.
O single player, esse, é o meu deleite nos videojogos desde sempre e a vida adulta e sua falta de tempo (e vontade) para combinar com amigos (ou – imagine-se – sujeitar-me ao que estes estiverem a jogar só por causa do convívio) umas partidas só veio legitimar a minha postura. “Mas Final Fantasy XIV é o MMORPG para quem vem do single player e não gosta disso“, li também por essa Internet. Largas dezenas de horas depois, juro pela minha vida que isso é mentira e continuo a odiar MMORPGs. Mas também juro que é um grande jogo. E que – neste caso – não sou hipócrita.
Porque devo aturar um jogo que me obriga a jogar umas 30h de lentidão, fetch quests, combate repetitivo, resmas de texto e cutscenes antes de chegar aquilo onde ele tanto brilha?
Se o problema do Ricardo com Heavensward foi já ter gasto o seu crédito de vida em MMORPG com Guild Wars 2, já eu, que não me dispus a chegar tão longe, dou cada vez mais valor ao meu tempo de vida adulta para me fechar tanto num só jogo, ainda ele muito se esforce por isso.

Um dia, Chocobo, todo aquele sangue será teu.
O que é que isto tem a ver com FFXIV? Um pouco, pois se é um jogo onde o universo de Eorzea tem poucos shenanigans steampunk ou futuristas mesclado com a medievaliedade de guerreiros e magia (o que para mim é Final Fantasy resumido) – o que faz dele essencialmente inspirado em Ivalice (FFXII e muitos spin-offs), com esteróides MMO -, está lá um pouco de FFVIII. E de VI. E X. E XIII. Já perceberam que não joguei todos, mas facilmente faz sentido que esteja lá um bocadinho de cada: há um Biggs e um Wedge, um Cid, cristais, Magitek e uma soberba banda sonora de Nobuo Uematsu como deve de ser. Para quem acha estranho FFXIV (como eu sempre achei) estar numerado em sequência com a série principal, não estranhe, pois está mais que merecido.
Muito inspirado em World of Warcraft, mas com toda uma roupagem de Final Fantasy, este MMO no consensual top 5 de popularidade e regularmente a discutir a coroa de mais jogadores ativos do género sabe, soa, cheira, sente-se e parece-se com Final Fantasy. Se essa familiaridade ajuda jogadores como eu a entrar num género que lhes é estranho, não foi suficiente para me apaixonar. Entendo a necessidade de um dos únicos MMORPGs que ainda exige uma subscrição mensal alongar a sua história artificialmente, para manter os jogadores envolvidos entre expansões e justificar a sua longevidade há já oito anos. Mas isto faz com que longas partes obrigatórias para a história se assemelhem a side quests: estava a preparar uma party de bravos guerreiros para caçar um Primal (mas é mesmo mais fixe chamar-lhe só Summon), demorei 15 minutos com o Primal, 2h a fazer fetch quests de ingredientes para, imagine-se, um banquete entre os ébrios guerreiros antes da caçada.

“Ultrapassei o nível de Híper Guerreiro, nunca ninguém foi tão longe”
Outro dos meus problemas – não do jogo – é odiar Dungeons. Todo o conceito de esperar 5-20 minutos à entrada de um sítio para continuar a jogar só porque preciso de mais jogadores é incompatível comigo. Uma vez lá dentro, não tenho direito ao meu próprio ritmo pois toda a gente só anda atrás uns dos outros até chegar ao boss final. Mas para quem quer levar amigos e conversar à medida que se ultrapassa o desafio? Deve ser muito bom – e muito necessário se estiverem a atacar estrategicamente as mais difíceis Dugeons de FFXIV, que não se fazem nada a correr. Numa consola, a necessidade de ter um teclado faz com que seja muito pouco prático e lento teclar com os outros jogadores, que sempre me disseram olá, bom jogo e por vezes até deram dicas do que fazer. A minha forma de não ser mal educado foi gesticular estranhamente com o meu personagem em concordância ou agradecimento.
Já vos disse que FFXIV é lindíssimo? Para um jogo cuja exigente base gráfica da sua primeira versão criou problemas de estabilidade ao ponto de não ser jogável, a estética de Eorzea teve de atravessar três gerações de consolas e muitas mais nuances de PC. O traço está ali em linha com outros MMORPGs da era PS3, cujos mapas massivos não comportam demasiado detalhe, mas na versão PS5 já com respeitáveis texturas que não o deixam ficar mal em 2021. Várias vezes fiquei boquiaberto em certas regiões, em particular aquelas onde cristais imponentes se erguiam por entre a vegetação e rochedos, nesse expoente máximo do casamento entre magia, medievalidade e tecnologia que Final Fantasy faz melhor que qualquer outra franquia.
Quem sou eu para dar conselhos sobre se este jogo vale ou não a pena? Tenho uma ou duas horas por dia (bom) para jogar e há tantos jogos que quero experienciar. Final Fantasy XIV, por exigir subscrição mensal além dos custos com cada expansão cujos lançamentos são full price, compete como foco único de alguém como eu num videojogo e não sou o seu público alvo. Se anseiam por dedicar esse tempo a um MMORPG – sinto que é daqueles em que ou damos tudo, ou não vale a pena darmos nada – dificilmente encontram uma experiência mais polida, universal e com mais conteúdo, que justifica o preço que se paga. Em qualquer dos casos, experimentem – o jogo base, primeira expansão e um respeitável level cap estão todos disponíveis gratuitamente, sem subscrição, com perda mínima de features pelo menos até passarem a agonia de ter um personagem em nível máximo e, aí sim, ser indispensável pagar o jogo completo.
Os criadores têm um historial de imensos patches de conteúdo gratuitos ao longo destes últimos anos, criaram vários mecanismos para acelerar a progressão a quem, como eu, tentou entrar de novo neste absurdamente grande universo. Com Endwalker a sair no final de 2021, Final Fantasy XIV, tal como em todos 13 títulos antes de si, não dá sinais de estar para acabar.

FFXIV tem-se aguentado visualmente que nem boa pinga.