Desde que entrei na Hyped até que saí as coisas mudaram bastante. Antes de começar a escrever tinha um canal de Youtube no qual fazia análises em inglês macarrónico e de tempos a tempos alguns programadores indie já me mandavam os seus jogos para analisar. Para além desses comecei na Hyped a analisar jogos que comprava em bundles na Humblebundle ou que estavam no Game Pass que chegou a Portugal pouco tempo depois de começar a escrever. Na altura ainda ninguém sabia bem como contactar agências de imprensa por lá, mas ia contactando os estúdios a pedir os jogos. Nunca me esqueço do primeiro que me mandaram, Where the Water Tastes Like Wine, que joguei a maioria do tempo com a minha filha recém nascida no colo.
Para pedir esse jogo criei um textinho eloquente sobre a maneira apaixonada como víamos os jogos e sobre o facto de escrevermos em português. Na altura o panorama era diferente e era raro encontrar análises a jogos indie escritas na nossa língua, especialmente se fosse um jogo meio obscuro. Quando pedi The Messenger ao Sabotage Studio nem me passou pela cabeça ir confirmar se o template do texto se adequava ao jogo. Ainda me lembro do nome da pessoa do estúdio que me respondeu. Enviou-me uma lista com uma data de análises escritas em português ao mesmo tempo que me mandou a chave. A partir daí fiz sempre uma pesquisa antes de enviar esse template. Esta não é a única história que tenho com o jogo.
Recentemente estava a gozar com o facto do Rubber Chicken não ter escrito uma análise ao The Messenger mas o Parreira não se ficou: “Faz Tu!”. Nem sempre me respondem bem, mas esta foi uma excelente resposta, no entanto foi também o mote para fazer algo que adoro e raramente posso fazer, voltar a jogar um jogo do qual tenho imensa saudade. Antes de escrever este texto reli a análise que escrevi há 3 anos e continuo a pensar exactamente a mesma coisa. The Messenger é para mim um jogo genial que, embora tenha sido muito falado e até tenha ganho nos Game Awards o prémio para melhor jogo de estreia dum estúdio, talvez tivesse merecido mais atenção, mas há que perceber que saiu no mesmo ano de Celeste e Dead Cells. Isso, a concorrência era feroz.
Há muitos termos que agora uso corriqueiramente que só aprendi recentemente, e mesmo assim há muitas conversas nas quais nem me meto porque algum do jargão dos jogadores e escritores ainda me passa ao lado. Na altura que joguei pela primeira vez não sabia de onde vinha o termo metroidvania, muito menos sabia ao certo o que isso implicava. Acrescento que até esse tipo de jogos recentemente voltar a ser moda joguei pouquíssimos deles.
The Messenger começa como um jogo de plataformas normal. Talvez até meio do jogo não dá um único sinal que terá qualquer componente de andar para trás e para a frente. Até digo constantemente que para mim o pior do jogo é quando nos explicam esse componente e temos de fazer o primeiro backtrack por níveis por onde já passámos, mas sem que nada o justificasse que não um tutorial em andamento dessas novas mecânicas. Mal saímos dessa parte que considero um tutorial o jogo volta a avançar em força, mas dá-nos opções como qualquer outro metroidvania, e não somos forçados a ir numa determinada direcção. Eu acabei por ir dar a uma mina, a um nível que ficava completamente às escuras. Relembro-vos que não era para mim claro (desta vez não foi piada propositada) o conceito de metroidvania, e não me passou pela cabeça que o objectivo do estúdio era que ao chegar a esse ponto o jogador deveria voltar para trás e tentar outro caminho. Pensei que o nível era para jogar às escuras. Dei-me ao trabalho de decorar todos os passos, tentar todas as abordagens. Cada vez que morria aprendia algo.
The Messenger já não é um jogo fácil. Não é injusto e é um dos jogos mais precisos que alguma vez joguei, talvez mesmo o mais preciso. Jogando normalmente já morro bastantes vezes dada a minha conhecida inabilidade, então imaginem às escuras. Cheguei a escrever a sequência de passos para não me esquecer. Enquanto isso, ia morrendo. Morri mais de 200 vezes nesse bocadinho de nível, praticamente metade da totalidade das vezes que isso aconteceu. Custou-me pela vida, mas consegui. Pouco depois percebo que se tenho voltado atrás teria apanhado um powerup que me permitia ter uma luz que iluminaria a escuridão, transformando essas 200 mortes numa secção de nível que se passava em 10 minutos (considerando algumas eventuais e previsíveis mortes). O meu orgulho ficou, nesse momento, completamente esfrangalhado.
Engraçado como, mesmo sem saber, retive tanto do jogo mesmo não o jogando em 3 anos. Lembro-me bem que quando explicavam o cloudstep, mecânica chave do jogo em que temos direito a saltos extra cada vez que atacamos um inimigo ou item, eu estive uma data de tempo até perceber o timing das acções. O simples acto de fazer isso 3 vezes seguidas levou-me algum tempo, lembro-me bem disso, e mesmo para a frente morri diversas vezes até esse movimento ficar enraizado, agora peguei no jogo e foi zás-trás! É certo que queria pegar no meu save antigo e já não me entendi com mapas e zonas recomecei novo jogo, mas ainda bem. Desta vez parece que estou a fazer uma speedrun, parece que tudo encaixa. Parece que estou a conduzir o meu carro e as acções me saem de forma fluida e automática, nem penso no que estou a fazer, a coisa simplesmente sai.
Por vezes há aquele jogo manhoso que nós gostamos e não sabemos bem a razão, o nosso guilty pleasure. The Messenger não é esse para mim, deixo isso para o State of Decay 2. Sei bem porque gosto de The Messenger. Gosto dele por múltiplas razões que simplesmente funcionam numa simbiose quase perfeita. A maneira precisa como funcionam os saltos, a forma como eu acabo invariavelmente por parar exactamente no local onde quero, que o meu salto começa e acaba de forma exemplar, a banda sonora magnífica que ainda passa múltiplas vezes no meu Spotify, a maneira como a quarta parede é constantemente quebrada no decorrer da história, a forma humorística como estão escritos os diálogos ser também uma razão que nos faz avançar só para podermos ler mais diálogo, a forma como o jogo não perdoa, mas também não é aquele pai austero e severo que nunca está contente com aquilo que fazemos, pontuando o seu desenho com momentos em que parece dizer “Certo que tens sido um urso, mas agora conseguiste. Estou orgulhoso de ti, meu filho!”, a maneira como nos dá tempo para aprender cada mecânica, a maneira visualmente simples como nos são apresentadas as soluções para os puzzles, que a maioria das vezes requerem mais paciência que propriamente destreza. Os próprios bosses são muito generosos nos tells, e percebemos sempre onde errámos cada vez que morremos. Obviamente que eu, sendo mega distraído, morria sempre uma data de vezes, mas eram mortes mais que justas. Certo que parece que o momento ideal para o final da história é para mim um ponto imaginário a cerca de ¾ do jogo, tudo se encaminha e dirige para esse ponto, e parece que a partir daí a história não evolui, tal como aqueles livros que acrescentam alguns pontos no epílogo, mas que a história vivia bem sem eles.
The Messenger não envelhece. Continua a ser dos meus jogos favoritos. Tê-lo jogado novamente só me fez relembrar e reforçar essa minha opinião. Então correi e ide jogá-lo, não é grátes como os da outra rubrica, mas é excelente!