Caçada Semanal #272
Uau, a minha primeira caçada. Dois anos de Rubber e eis que finalmente tenho a exigência de encontrar um elo em comum entre dois ou mais jogos indie. Vieram-nos propostos pelo nosso Steam Curator? São de criadores brasileiros? São os primeiros jogos destes criadores no Steam? Meh, deixa-me é escrever mais um parágrafo narcisista que não interessa a ninguém!
Os dois jogos desta caçada lembram-me quanto me tive e tenho de esforçar pela minha vida humana e nem sempre tudo corre bem, em oposição ao meu gato – o Apolo – cuja básica existência consiste em comer (a sua raison d’être), dormir (aquilo que passa mais tempo a fazer), realizar esporadicamente actividades com os seus humanos (uma ínfima parte em que é desafiado e se exercita, a outra em que suga mimos desses seres humanos) e defecar (onde devolve o desafio aos humanos) – e por algum motivo a sua existência é bastante bem sucedida.
CAT DUNGEON ESCAPE [PC]
O primeiro indie que analisei para o Rubber sofria apenas de um problema: estava acorrentado ao PC, não existia em plataformas portáteis (entretanto já está). Cat Dungeon Escape parece ter sido feito a pensar num qualquer smartphone dotado de giroscópio, mas por algum motivo ainda só está no Steam.
Um simples puzzle game com uma simples pixel art e que simplesmente me divertiu. Controlamos um gato preso numa masmorra vista de cima em 2D e temos de usar a gravidade para, primeiro, agarrar uma chave e, segundo, posicionarmo-nos na porta de saída. Dispomos apenas de três controlos: rodar a masmorra para a esquerda, direita ou inverter a gravidade. Desta inversão podemos novamente rodar a masmorra, até achar a solução do puzzle.
Não sei exatamente o que me faz lembrar – são puzzles estilo Sokoban – mas parece feito para iOS e Android e ir parar à palma das nossas mãos (espero que vá). Um nível enquanto esperamos para entrar no consultório, outro enquanto o micro-ondas não aquece o jantar…até a dificuldade o transformar num jogo hardcore onde já não passamos um minuto por masmorra.
A Criando Games achou uma premissa, mecânicas e objectivo bastante simples, juntou diferentes elementos a cada puzzle e a dificuldade vai subindo. Caixotes, armadilhas, armas que atacam o nosso gatinho, enfim, tudo com uma solução à vista, num jogo muito focado em manter-nos focados. Tudo isto por €1,49, sob a etiqueta “Jogos que custam menos que aquele café que nunca mais fui beber à Brasileira“.
Cat Dungeon Escape não precisa de se esforçar muito para ter uma existência de lorde, tal como o meu gato. O mesmo não se pode dizer de mim e do jogo que se segue.
BORN RACE [PC]
A proposta de Born Race é muito mais ambiciosa que a do jogo anterior. Um pouco como eu face ao meu gato – tenho de tentar muito mais, realizar tarefas mais complexas e tenho uns dias melhores que outros. Ação e aventura em vista de cima 2D, tem uns laivos de Zelda e uns combates à Bomberman e o objectivo é guiar quatro espermatozóides pelas várias fases do processo reprodutivo até à fecundação do óvulo.
Born Race leva-se pouco a sério na narrativa que conta – a personalidade de cada espermatozóide e os desafios de crescimento (mental, que o físico vai sendo implícito) que cada um atravessa – e ainda bem. Não é grosseiro na abordagem aos temas do sistema reprodutor mas também não é o Era uma Vez o Corpo Humano. O criador, Fabiano Naspolini, quis muito dar aos jogadores uma sensação de estranheza e bizarrice perante a proposta. Conseguiu – tanto, que nunca deixei de a sentir e a temática nunca colou às paredes do meu útero.
Naspolini já tem experiência de game design vai para 15 anos (se tiverem curiosidade de conferir a sua dedicação ao conhecimento sobre desenvolvimento de videojogos, passem aqui) e a sua primeira tentativa num circuito comercial revela muita competência, especialmente por ser um one man show.
Se há obviamente uma limitação de recursos que leva à reciclagem de alguns elementos gráficos, devo louvar a quantidade de conteúdo e polimento que existe neste jogo de €2,39. A narrativa é consistente, pede-nos para levar estes embriões até ao “sol do nascimento” e até nos dá um vislumbre da personalidade de cada um dos “irmãos” chegados à vida adulta. Fácil e intuitivamente se progride pelos níveis e bosses de Born Run, mas alguns elementos complexificam a vida do jogador, com desafio que baste perto do final de cada campanha.
Mas claro: ou estão em sintonia com a direcção artística, o tema e a vontade de explorar epidídimo, uretra, preservativo, útero e trompas de falópio ou dificilmente isto vai ressoar com vocês. Que tem muita ambição, competência e sentido de humor, ninguém pode negar.