Sou um grande apreciador de vinho, e essa é uma das muitas razões pelas quais até acho que sou um afortunado pela probabilidade geográfica de me ter feito nascer na ponta mais oeste do continente europeu. Que isto não soe a patriotismo de balcão de tasca, longe disso. É que de Norte a Sul encontramos excelentes vinhos com um excelente rácio de preço e qualidade, e é tão fácil encontrarmos um bom vinho se dermos um pontapé numa pedra que é difícil um apreciador de vinhos não sentir que está no sítio certo em Portugal.
Migremos para os jogos de tabuleiro. De preferência sem copos na mão, já que é conhecida a minha fúria e os meus entraves a ter comida ou bebida perto da área de jogo, e dos nossos mui-vulneráveis tabuleiros e componentes.
O nosso último fim-de-semana foi passado à volta da vindima, mas não de forma literal. Na excelente tradução mecânica que foi criada por Jamey Stegmaier e por Alan Stone, podemos ver como é que o processo de criação do vinho é transposto para um jogo de tabuleiro.
Sendo um jogo da Stonemaier Games, o que poderíamos esperar seria um jogo com excelentes componentes, e com mecânicas complexas mas que são mais acessíveis do que nos parecem à primeira vista.
Viticulture é então um worker placement game, um jogo onde temos um número limitado de acções por turno (determinadas pelo número de trabalhadores que possuímos) e um concorrido rol de espaços para agir.
Talvez o aspecto que mais salte à vista é a divisão do jogo por estações do ano, cada uma com acções específicas e que se enquadram com o funcionamento da viticultura no mundo real.
A Primavera é a estação mais curta, e é aquela onde é determinada a ordem de cada turno, com cada jogador a escolher de uma tabela qual a sua “vez” e a recolher o bónus associado.
De seguida, no Verão, cada jogador vai poder comprar e plantar castas, receber visitantes estivais (cartas que ao serem jogadas têm um efeito especial imediato), para além de construir estruturas na sua quinta. A construção de estruturas assume um papel importante neste Viticulture, especialmente porque há exigências mecânicas associadas a elas. Algumas castas requerem infraestruturas existentes na nossa quinta, como a rega, para que possam ser plantadas. Já a nossa adega tem um limite de espaço e de qualidade de vinha que requer que as adegas mais “desenvolvidas” sejam construídas para poder albergar essas garrafas.
O Outono é uma estação curta onde cada jogador apenas vai buscar uma carta de visitante de Inverno. Já o Inverno, a par do Verão, é a estação onde mais acções disponíveis temos. A gestão dos nossos trabalhadores tem de ser equilibrada entre o Verão e o Inverno, visto que cada um só pode ser utilizado uma única vez em cada ano. Podemos guardar trabalhadores que não utilizámos no Verão para o podermos usar mais tarde. “Gastar” todos os nossos trabalhadores no Verão impedir-nos-á de ter qualquer acção no Inverno.
É no Inverno que duas das principais acções são feitas: a vindima e a produção de vinho. A lógica por trás destes dois momentos é um dos elementos mecânicos mais criativos deste Viticulture.
O valor numérico e qualitativo de cada uva que colhemos depende das castas que temos plantadas no campo que vamos colher. Por exemplo, se tivermos 3 cartas de castas cujo somatório de uvas vermelhas der 3 e o de branca de 1, quer dizer que vamos ter uvas de qualidade 3 e 1 (vermelhas e brancas respectivamente). Se produzirmos mais uma casta vermelha de qualidade 3, e visto que essa slot está ocupada, temos de fazer downgrade e marcar o token de qualidade 2.
A produção de vinho é dessa forma directa: podemos transformar uma casta de rate 2 num vinho de qualidade 2. À medida que avançamos na nossa adega vamos poder combinar vermelhas e brancas para produzir espumantes e rosés, vinhos mais valiosos em termos de pontos de vitória. E visto que o jogo termina quando alguém atingir a marca dos 20 PVs, esta pode ser uma aposta interessante a longo prazo.
Findo o Inverno, e no momento da passagem para a Primavera, tanto as castas como os vinhos envelhecem e progridem um valor na escala de qualidade.
Viticulture, na Essential Edition que jogámos, é um jogo interessante que consegue equilibrar mecânicas inteligentes de worker placement (onde gerimos entre estações diferentes o conjunto de trabalhadores disponíveis) como se assume como uma representação inteligente do mundo da viticultura, da colheita à produção e venda. É um jogo com muitos detalhes mecânicos acessíveis que o tornam mais um daqueles jogos assustadores ao primeiro impacto mas que é surpreendentemente acessível assim que mergulhamos nas primeiras estações do ano. Para quem gosta de vinhos, para quem gosta de worker placements, e para todos aqueles que se intersectam nos dois grupos, Viticulture é verdadeiramente obrigatório. Brindemos. Com vinho, obviamente.