Três vidas apenas. Com apenas três vidas o desafio que Contra me deu com 5 anos fez-me adorar run ‘n guns para sempre. Anos antes de descobrir o Konami code, ou de existir internet massificada o suficiente para aceder a informações ou explicações que me permitissem passar os 8 níveis deste clássico japonês, a tentativa-erro eram a única hipótese para ultrapassar um dos jogos mais desafiantes da minha infância. Numa época em que, sinceramente, quase todos os jogos eram estupidamente difíceis. 

Esse pódio ocupado por Contra viria anos mais tarde a ser dividido com Metal Slug, o famoso jogo da SNK com o qual um dia me cruzei numa máquina de arcadas num café da Encarnação. Acabá-lo na própria máquina era alimentar a sua voracidade por moedas de 50 escudos, e viria a terminá-los apenas uns anos mais tarde em antologias da série em consola.

O mercado mudou muito desde o tempo em que um run ‘n gun eram um dos maiores sucessos comerciais da época e um nome maior de uma indústria em crescimento. Mas a influência, essa, seria duradoura. Que o diga Mighty Goose, recém-lançado indie na PS4, Switch, Xbox One e PC pela mão da japonesa PLAYISM, e que é uma homenagem à loucura e jogabilidade de Metal Slug, um sucessor espiritual e aviário de uma das séries mais emblemáticas das arcadas.

Se há algo que admiro na perseverança do mercado indie é a possibilidade de bons jogos não se levarem demasiado a sério. Mighty Goose é obviamente decalcado na sua quase totalidade de Metal Slug, mas isso não significa que não tenha a sua própria identidade. Que apesar de serem mais os elementos que os unem, que há tanto mais que o distingue e lhe permite ficar bem identificado se figurasse lado a lado com o jogo da SNK.

Comecemos pelo protagonista, o titular e não nomeado ganso que possui próteses e exoesqueleto humanoide. Com armas exageradas e com máximo prejuízo em termos de dano mas com munição limitada, os diferentes tipos de equipamento que vamos encontrando tornam a acção tão over the top que evoca os melhores momentos de Metal Slug.

Os veículos – entre tanques e outros mechas – não podiam faltar, acompanhados de lançar rockets, lasers, espingardas e outras armas que nos servem para limpar o ecrã do estado caótico a que ele chega na maioria das situações. Com inimigos a caírem de pára-quedas, a surgirem de todos os lados do ecrã com linhas de projéteis à sua frente, obrigando o nosso frágil ganso armado até aos dentes bico a utilizar os reflexos possíveis para se manter vivo.

Entre níveis temos um sistema de add-ons que vamos desbloqueando e que servem como pseudo-builds ajustáveis à nossa jogabilidade. Cada add-on funciona como um chip que requer determinada carga, e temos um total de “energia” que podemos despender para trazer esses poderes adicionais. 

Os momentos de câmara lenta quando atingimos multiplicadores de combo talvez sejam um pouco sobre-utilizados, já que inúmeras vezes acabam por cortar os segmentos de acção que estamos a ter. Por outro lado, a adição de uma barra de rage para activar uma forma “Super Guerreiro” do nosso ganso é um momento interessante para mostrar a letalidade do nosso anatídeo numa explosão de tiros por todo o ecrã.

Visualmente Mighty Goose é brilhante, a fazer jus à influência dos jogos de arcada da SNK, com excelentes animações, efeitos de partículas e sprites, tudo no melhor e mais dinâmico pixel art que podemos encontrar.

Apesar de relativamente curto e com um preço acima da média dos habituais indies de 19,99€, Mighty Goose é um dos melhores filhos adotivos de Metal Slug que podemos jogar nos dias de hoje: um run ‘n gun que não se leva a sério mas que nos traz diversão à séria, descomprometida, o que é muito mais do que muitos jogos tentam fazer… e falham.