Se Atlas foi amaldiçoado a carregar o firmamento às costas após o término da Titanomaquia, seria consensual dizer que a Nintendo tem os seus próprios pesos titânicos para carregar às costas. Um deles, e um dos mais óbvios, é que parece que é dela a responsabilidade de produzir jogos de plataformas com um aspecto familiar, criativo e ao mesmo tempo desafiante.

O mercado indie (e algumas – esporádicas – incursões de outras companhias AAA em jogos de plataformas, especialmente tridimensionais) tem tentado aliviar aos poucos esse peso dos ombros da Nintendo, com boas propostas de platformers que tentem responder aos 3 aspectos principais que os jogos da Grande N respondem, na sua maioria sem sucesso. Ayo the Clown, apesar de ter muitos aspectos positivos na sua execução, cai nesse largo espectro de jogos que iremos esquecer pouco tempo depois de o jogarmos.

Se Nuno Markl se notabilizou com a sua rubrica “O homem que mordeu o cão”, o estúdio Cloud M1 tenta encontrar um lugar ao sol com “O palhaço que perdeu o cão”. Uma pequena grande diferença que é na realidade tão vasta quanto o espaço que vai entre uma Coca-Cola e uma Pepsi. O mesmo se passa com Ayo the Clown: entre jogar brilhantes jogos de plataformas infantis como um Yoshi’s Wooly World ou ter de passar tempo com um palhaço que nos deixa a nós com um sorriso amarelo.

Sinto que posso estar a ser injusto para com Ayo the Clown, e que este longo preâmbulo acabe por pintar um quadro bem pior do que ele é na realidade. A direcção de artística dos momentos jogáveis de Ayo the Clown estão extremamente bem conseguidos, com o efeito de profundidade de campo a torná-lo tangível como uma pista feita de brinquedos. 

Já as ilustrações que servem de interlúdio colidem com o visual do resto do jogo, e, dada a qualidade dos seus modelos 3D, questiono-me se não seria melhor – e mais coeso – simplesmente fazer essas sequências com os objectos tridimensionais ao invés das ilustrações utilizadas.

Sendo um jogo de plataformas tradicional, com níveis, inimigos, obstáculos e perigos que já vimos incontáveis vezes noutros jogos, com muitos coleccionáveis escondidos em camadas secretas ao longo de cada nível, diria que existe um elemento diferenciador neste Ayo the Clown, é que ele é capaz de ser um dos mais progressivos platformers que já joguei.

Sem querer criar ou registar a nomenclatura de um subgénero de videojogos, ou de vos ter de explicar que a minha descrição deste elemento diferenciador de Ayo the Clown não se deve à minha óbvia preferência por música progressiva, mas sim, que este simples e infantil jogo de plataformas vai-se abrindo à medida que avançamos no jogo. Algo que começa com uma extrema ironia no género: nos primeiros instantes nem sequer temos a habilidade de saltar.

É a resolver pequenas “quests” de personagens que vamos conhecendo ao longo dos níveis que o nosso protagonista vai desbloqueando troféus que por sua vez lhe vão permitindo ter acesso a novas habilidades (onde o salto é apenas uma delas).

Provavelmente estão a pensar “mas estás a descrever um metroidvania”, e eu tenho de refutar essa ideia. Um metroidvania pressupõe um mundo aberto onde as nossas limitações (de acesso a equipamentos, habilidades, e poderes) nos impedem fisicamente de aceder a todas as zonas. O que Ayo the Clown faz é diferente: vão desbloqueando mecânicas à medida que os seus game designers viram a necessidade de adicionar novos obstáculos e/ou aumentar a dificuldade.

Apesar de ser um jogo visualmente bonito e obviamente destinado a um público mais infantil, consigo pensar numa série de outros jogos de plataformas que conseguem, especialmente em level design, tornar a experiência de jogo mais diversificada e criativa, mesmo num género onde muitos afirmam existir já pouco para inovar.

Ayo the Clown é um jogo não aconselhado a coulrofóbicos, que há algo de aterrador na simpatia extrema deste palhaço com umas longas pestanas. Para todos os outros basta piscar os olhos e a memória deste jogo já se esfumou, como uma piada ineficaz de um palhaço triste de outros tempos.