(Seguem-se leves spoilers – se é isso existe em Super Mario, o mesmo gordo de sempre que desta vez nem casa com a princesa – para Super Mario Odyssey. Tenho a certeza que vão gostar o mesmo do jogo apesar disso.)
Costumo ouvir que as gerações mais jovens esperam demasiado estímulo positivo de tudo o que fazem. Num videojogo isto nem me parece má ideia. Em Super Mario Odyssey, é tanto constante como relevante como estimulante.
Derrotaste o boss? Toma uma lua.
Nesta minha empreitada que desde há um ano me dispus a fazer – alcançar 100% em certos jogos e escrever sobre a experiência – Mario Odyssey foi o ponto mais alto, que tão cedo não será superado. Centenas de jogos já me deram tremendo gozo acabar. Mas o que é que me leva a platinar um punhado deles? Depois de pura determinação, pura obsessão e puro azeite sem chumbo, Mario Odyssey só não deixou de me encorajar. Dos 0 aos 100%.
Derrotaste outro boss? Toma três.
De certeza que já foram ver algum concerto de uma banda que gostam mesmo muito. Se for daquelas com carreiras longas, também é provável que tenham sempre deixado canções fora do alinhamento que vos deixaram a salivar por mais, já que não podem agradar a todos. Os tipos lá voltam para o bis, só muito poucos voltam uma segunda vez e para além disto dificilmente alguém volta.
Reparaste que o chão estava a vibrar e deste-lhe uma cuzada? Toma uma lua.
Em Mario Odyssey, salvamos a princesa do Bowser. Fixe! Sem grande surpresa, ganhamos mais uma série de luas para colecionar em todos os níveis. Altamente! Se já tivermos 250 luas, ganhamos mais um mundo. Uau! Com 500, outro. Não merecemos! Com (achamos nós nesta altura que são) todas as luas, a nossa nave leva um bling e descobrimos um não tão secreto boss. OBRIGADO! E com – agora sim – todas as luas possíveis de colecionar, desbloqueamos mais uma sequência acompanhada pelo som de final de nível de Super Mario Bros.. Que podemos re-ativar. Em loop. Ah…
Ganhaste a ultra maratona contra os Koopas? Toma uma lua.
Garanto-vos, nunca parece forçado ou artificial, mesmo depois de descrever este quintúplo encore que se estende até ao infinito. Se tiver de extrair uma moral de Mario Odyssey não será “explorar o mundo”, “colecionar todas as luas” e sobretudo não será “salvar a princesa”. Eu prefiro “deixa este jogo fazer-te feliz”.
Ganhaste outra vez a ultra maratona? Toma uma lua.
Super Mario Odyssey não tem nível de dificuldade. Após as minhas 70 horas de jogo, posso confirmar que isto é um facto. Não, não precisei desse tempo para perceber que não tinha a opção – é só que está muito para além disso. Como a Nintendo nos tem habituado, tão facilmente uma criança de 4 anos pega neste jogo como uma de 40. É muito intuitivo andar com Mario de um lado para o outro e saltar mundos fora. Mas é difícil chegar a 999 luas? É. Custa muito a aprender? Claro que não – e aqui o jogo é extremamente encorajador. Não porque nos reduza uma dificuldade perante um obstáculo que demoramos a transpor, mas porque com um mínimo de paciência aprendemos onde errámos até superar esse obstáculo e só muito raramente esbarrei na minha frustração.
Saltas bem à corda? Toma uma lua.
Não encontrarão muitos AAA que, sem dar escolha de dificuldade, é tão adaptável à experiência de quem o joga, sem que se dê por isso e recompensando todos por igual. Tentem saltar 100 vezes à corda em New Donk City. Ou fazer 10 saltos longos consecutivos com um Banzai Bill atrás de nós no Darker Side of the Moon. Ou fazer saltos infinitos impossíveis entre paredes e o chapéu. Mario Odyssey pode ser bem difícil.
Sim, deixámos de ter vidas e game overs, mas o jogo não ficou fácil por isso. Se uma fluidez de movimentos e controlos irrepreensível o torna mais acessível que Super Mario 64, então só quero jogos acessíveis. Tudo se joga com muita naturalidade, o que mantém a frustração bem longe.
Encontraste o Capitão Toad? Toma uma lua.
Para reforçar o meu argumento existe uma considerável comunidade de speedrunners de Mario Odyssey, cujos vídeos conseguirão encontrar facilmente no Youtube (mas como eu sou um querido, confiram no final do parágrafo). Desde completar a história base a colecionar todas as luas, há malta que se dedica a fazer campanhas impecáveis, salto a salto, por todos os mundos da obra de Kenta Motokura (Director do jogo). Não me aventuro nessas lides, mas perto do final, quando tentava superar o derradeiro nível – uma gincana dos melhores puzzles de Mario Odyssey – com um nível limitado de vidas e muitos sítios onde podia perder, senti que com cada derrota dominava mais um pequeno pormenor que acabara de me escapar, e gradualmente progredi até ao final. Andei três horas de roda de um só nível, mas isto não foi frustrante. Imagino que um speedrunner só tenha sentido o que tenho escrito até aqui a um expoente muito maior.
Não gostas de mousse de chocolate, é?
Quando em 2018 adquiri a minha Switch, pensei seriamente se o primeiro jogo a acompanhá-la seria Breath of the Wild ou Mario Odyssey. Optei pelo primeiro e não me arrependo, tão boquiaberto me deixou e tão influente que foi. Mas já não tive dúvidas quando foi para comprar o segundo – e agora posso dizer que pese gostar mais de BOTW, deu-me mais gozo platinar Mario Odyssey do que o Link-ao-relento. O par ainda representa os dois porta-estandartes desta geração da Nintendo.
Saltaste de forma suicida de um arranha-céus? Toma uma lua.
A ideia de Mario fazer uma grande viagem através de um planeta muito semelhante à Terra – reparem que há uma lua (que tem mais lados que os Pink Floyd) – é a desculpa perfeita para celebrar a celebridade do desenvolto canalizador. Os habitantes de cada “mundo” só parecem reconhecer o próprio depois de este passar pela sua aldeia e resolver a crise local, mas os elementos espalhados pelo jogo mostram pedaços da história de Mario um pouco por todo o lado.
“Jump Up, Superstar“, o single da banda sonora do jogo, incorpora bem esta inspiração. Tal como as dezenas de fatos e chapéus que nos levam não só até à cultura de cada mundo de jogo, mas a outros personagens e personas de Mario ao longo da sua história. Há não só um ênfase em secções 2D em quase todos os níveis, mas também na relação de Odyssey com Super Mario 64. O que, confesso, tocou-me especialmente, pois fora o único Mario 3D que havia jogado até então.
Estás frustrado por não arranjares mais luas? Compra esta lua.
Só que Mario Odyssey não é tão transcendente como Super Mario 64 ou Super Mario Galaxy, dizem alguns: mas não se diz muito de um jogo quando a nossa expectativa mínima é que revolucione a indústria ou o mercado? Não nos chega que os pequenos do Ricardo e do João tenham, muito provavelmente, sido igualmente marcados por Mario Odyssey como os seus progenitores foram por anteriores iterações do nosso amigo gorducho? É assim tão decepcionante comer mousse de chocolate de vez em quando, especialmente se for a melhor mousse de chocolate alguma vez confeccionada?
Pobre canalizador. É por isso que o Mario continua gordo em Odyssey – não param de lhe dar desta Myamousse de Shigerulate. E também é por isso que continuamos a voltar a Super Mario, três décadas e tal volvidas – somos regularmente recompensados por Mario, o que nestas coisas tem tendência para nos trazer a todos de volta, ávidos de colheradas. Não sei se no tempo dos meus netos ainda vão existir jogos de Mario, mas eles vão seguramente saber quem ele é.
Consegues feitos atléticos invejáveis com o teu canalizador gorducho de 35 anos (mas a Nintendo já lhe deu uns 26, canonicamente falando) após um grind às 4 da manhã? Toma duas luas.