Olha, pai, sou uma esfera. E não, este não foi um momento de auto-fat-shaming, porque apesar de ter ganho 2 kgs com a pandemia, eles equilibram com o quilo que perdi logo no primeiro mês de confinamento. Falo, na realidade, de Glyph, um jogo recém-lançado para PC e Switch pela mão do estúdio Bolverk Games.

Controlar esferas em plataformas tridimensionais é uma ideia que foi repetidamente utilizada no passado. Seja a transição 3D da Morph Ball de Samus Aran em Prime ou alguns dos níveis da verdadeira maravilha que é o Astro Bot da PS5. Não sendo um conceito novo, a qualidade dos controlos, da inércia e da Física são invariavelmente os argumentos que definem ou boa ou má aplicação destas mecânicas.

A maioria dos jogos indie que tenho jogado e que têm tentado aplicar os controlos de uma esfera têm falhado por completo. Na sua grande maioria porque o cálculo e programação da inércia se encontra desajustado ao jogo, onde o equilíbrio (ou a falta dele) é mais elemento de prejuízo para o título do que para seu benefício.

Como dizia, esse não é de todo o caso de Glyph. Um puzzle platformer 3D na sua essência mas que quer ir mais longe: tem uma camada narrativa subtilmente presente que serve de fundação os seus mais de 80 níveis. Somos um escaravelho dourado nas Cidade Templo de Aaru, acompanhados por uma entidade de Anobi, que nos serve de consciência e que nos vai enquadrando com os elementos que vamos encontrando pelos níveis.

As reminiscências visuais, iconográficas e ambientais do Egipto Antigo são a tónica principal deste Glyph, onde a exploração do que resta de uma civilização perdida acaba por preencher as nossas deambulações (ou rolamentos?) pelos níveis.

É impossível não traçar uma linha de comparação entre a direcção de arte e o ambiente de Journey e este Glyph. Com muitos coleccionáveis espalhados pelas plataformas, Glyph obriga-nos a pensar e a masterizar o controlo do nosso escaravelho como forma de os conseguirmos apanhar a todos. A referência a Pokémon, é um mero acaso.

Os criadores pensaram em diversos níveis de entrega ao seu Glyph, e considero extremamente inteligente a sua decisão de desenvolver abordagens e desafios distintos para que tipo de jogador cada um é. 

O modo de exploração – que até ele permite duas abordagens diferentes – é mais relaxado, permitindo que cada jogador siga o seu próprio ritmo para o terminar. Pode jogar de uma forma casual e procurar apenas a chave que abre a porta para o novo nível, ou explorar todos os recantos e plataformas para colecionar todos os itens espalhados pelos labirintos tridimensionais. Sendo que muitos deles nos obrigam a ter um controlo quase perfeito das técnicas e controlos do nosso escaravelho.

O time trial, por outro lado, está pensado para o desafio dos speedrunners, que querem demonstrar a sua mestria neste puzzle platformer 3D.

Apesar de partir de um conceito e uma mecânica simples – que em muitos platformers 3D costuma ficar resignado ao patamar de mini-jogo – Glyph vai progressivamente aumentando a sua complexidade e dificuldade, e com isso adicionando novas habilidades ao nosso escaravelho. Poderes como a capacidade para planar ou de dar duplo salto, que permitiram aos level designers fazer experiências com distâncias e com a verticalidade.

Glyph é uma boa e subtil surpresa. Um jogo com uma tremenda direcção de arte, onde o ambiente é perfeitamente encapsulado pelos elementos visuais e sonoros “herdados” dessa obra máxima dos videojogos que é Journey. Some-se a isso algumas dezenas de níveis distintos e a programação de controlos quase perfeitos da inércia da esfera que é o nosso protagonista, e temos os elementos que fazem deste Glyph um dos mais coesos puzzle platformers tridimensionais de 2021.