Quando joguei Tetris pela primeira vez num clone dum clone do Game Boy, estava longe de imaginar o fenómeno que já nessa altura o jogo era. Consoante fui crescendo nunca parei completamente de jogar o jogo. Por norma as versões não eram assim tão diferentes entre si, e eu nunca gostei muito das adaptações estrambólicas que por vezes apareciam. Tetris era para mim um jogo em fase final de maturação, sem hipótese de melhorar. Reinou sem pretendente ao trono por imenso tempo, foi caindo na obscuridade, estagnado na sua liderança, mas eis que surge Lumines, e o jogo muda completamente.

A primeira vez que joguei Lumines foi já a versão Remastered que saiu para a Switch, logo fui um dos que deixou passar quase até à última hora, mas aí fiquei apaixonado. Durante um mês a minha consola não rodou mais nada. Estava tão enganado com a ideia bacoca que alguns jogos atingem um grau de evolução perfeito do qual não conseguem de forma alguma ser optimizados.

Há sempre alguém que tira uma ideia das badanas do mataco, e neste caso foi Tetsuya Mizuguchi que pensou “Então e se eu deitar o ecrã e o jogo passar a ser jogado na horizontal e não na vertical? Espera, e se as combinações só forem feitas quando o jogo quiser e não quando o jogador quiser? Ui, ui, já sei outra, e se as peças não tiverem aquelas formas esquisitas e forem todas um arranjo de duas cores em quatro quadrantes dum quadrado? Assim nasceu Lumines.

Tal como não me foi fácil perceber o que era Lumines ao ouvir a explicação nos diversos podcasts sem ver ninguém a jogar, também me é muito difícil explicar como raio se joga este jogo. Fazemos combinações de quatro ou mais peças em múltiplos de dois, numa mistura de duas cores. Há uma linha que varre constantemente o ecrã em loop e quando chega à nossa combinação “limpa” essas peças do ecrã. Demoramos um bocado a habituar-nos à diferença até experimentarmos os outros modos de jogo, especialmente o modo de desafio, que nos ensina um catrapázio de truques que elevam consideravelmente o nosso nível de jogo. Após isso, com repetição e reconhecimento de padrões, é sempre a melhorar.

Olhando só desta forma, não parece uma mudança assim tão drástica, embora efectivamente o seja, mas o que realmente me fez ficar completamente vidrado no jogo foi o uso da música electrónica, a maneira como em alguns níveis cada vez que eu carregava num botão um som era produzido, e somente esse sonzinho de forma isolada mudava radicalmente a maneira como jogava, já que depois de aprender algumas manhas e me sentir mais confortável no jogo, o que eu adorava fazer era jogar ao ritmo da batida e tentar conciliar o pressionar dos botões com a música para produzir algo melodioso.

Devia estar vacinado, mas voltei a pensar que isto era o pináculo dos “spin-offs” de Tetris. Errado! Quem melhor para bater Tetris que o próprio Tetris? Quem melhor para bater o rasgo de génio de Mizuguchi que o próprio Mizuguchi? Isso mesmo. Mizuguchi.

Tetris Effect saiu em 2018, mas nessa altura passou-me ao lado. Foi muito falado pela componente VR e até cheguei a ver alguns vídeos a tentar perceber onde estava a grande novidade. Continuo sem experimentar o jogo em VR, mas é algo que é virtualmente impossível de perceber num vídeo de Youtube. O que sei é que Tetris Effect: Connected apareceu no Game Pass já há algum tempo. Instalei mal apareceu mas nunca joguei. Mais uma vez, sempre me senti na obrigação de fazer a cobertura a alguns jogos, o que raramente me dava espaço para jogar coisas que queria. Mal vi Lumines: Remastered no Game Pass eu soube que teria de jogar ambos, o que não esperava era ficar tão impressionado com Tetris e, comparando ambos, sentir que Lumines está tão atrás do primeiro…

De forma geral há aspectos que um faz melhor que outro. Se graficamente Tetris é marcadamente superior, na combinação com a música Lumines é bem melhor. Se em termos de originalidade Lumines é o meu favorito, em termos de mudanças bruscas de ritmo de jogo, e de alteração súbita de estratégia Tetris ganha. Para não falar que, caso queiramos ter um ataque epilético, Tetris é de longe a nossa melhor opção.

Porém isto não contabiliza um pequenino detalhe gigante, a componente online. Tetris Effect: Connected tem um componente multijogador. Como disse? Isso mesmo, multijogador, e não um simples multijogador tipo Baku-Baku Animal, ou somente um modo em que se lute directamente contra outro como no original Tetris 99, Tetris Effect: Connected tem vários modos para todos os gostos. PvP, PvE, uma espécie de raids em eventos em que toda a gente contribui para um bolo cujo objectivo, se atingido, retribui bónus a todos os que participaram no evento.

Algo que me surpreendeu foi o uso da habilidade escondida para emparelhar os jogadores em PvP, ou seja, um jogador fraco só por ser nível 100, não irá jogar contra um bom jogador que seja nível 10. Porreiro, pá!

Os modos para 4 jogadores são muito divertidos. Envolvem 3 jogadores a cooperar para derrotarem um quarto jogador. É um estilo de jogo assimétrico, o jogador que está a jogar contra 3 não é um desgraçadinho. Para falar a verdade achei a coordenação muito difícil para os 3 jogadores que não se conhecem de lado nenhum, nem sequer se estão a ver, mas a forma stressante como o jogo muda a cada minuto simplesmente dinamita quem tiver fraca capacidade de adaptação rápida.

Também podemos jogar este modo contra o computador. É igualmente divertido.

Ainda eu não sonhava que alguma vez colaboraria com portais de videojogos e dei um 10 a um jogo. Esse jogo foi Portal 2. Até hoje não voltei a sentir uma química tão intensa com um jogo. Nem sequer joguei o modo VR, mas mesmo assim, caso o Rubber Chicken desse notas, eu consideraria seriamente que nota dar a Tetris Effect: Connected. Considerava mesmo. Mas será que depois de pensar por tantas vezes que esta fórmula não dava para melhorar, apenas para me enganar redondamente, não me faria partir o nariz mais tarde? Vamos aguardar pelo próximo coelho que Mizuguchi tire da cartola. Mal posso esperar, mas até lá Tetris mantém o seu trono.