Nunca fui um miúdo mimado, muito pelo contrário. Dadas as circunstâncias sócio-económicas da minha família e do meu meio envolvente, habituei-me desde cedo a valorizar e a contentar-me com o que tinha e nunca perder tempo a velar o que não tinha. Mas prometerem-me algo e falharem redondamente já entra num campo diferente. Naquele de me fazer cruzar os braços de irritação. Mais ou menos o que Monster Harvest me fez nas últimas 24 horas.

Prometerem-me uma nova abordagem a Pokémon (e já nem dá para contar pelos dedos o número de cópias de Pokémon que têm surgido no mercado), mas desta vez misturado com a pacatez agrícola de um Harvest Moon. Nem precisava de ver mais nada: estava instantaneamente conquistado. 

Foi com alguma ansiedade que tentei perceber como é que o estúdio Maple Powered Games descalçaria esta bota de promessas. Como é que mesclaria na perfeição o tom de um Harvest Moon (este mais para Stardew Valley, dada a paleta de cores e a pixel art) e ao dungeon crawling e monster collecting de Pokémon.

Em teoria, a coisa foi alcançada. No mundo de Monster Harvest as criaturas chamam-se Planimals (sim, o trocadilho fala por si, e não consigo tirar o narrador de Manimal da cabeça), e ao invés de as apanharmos, temos de as cultivar.

Uma dia interessante, e nem sequer é inovadora: lembremo-nos que essa é precisamente a ideia por trás de Ooblets. Foi aliás por culpa desse mesmo indie em Early Access que senti uma curiosidade descontrolada para com este Monster Harvest.

Começamos com um dos enredos mais batidos de sempre: herdámos a quinta do nosso tio, temos de começar a cultivar e a fazer dinheiro. Nada de novo por terras de São Miyakoshi. A superficialidade da escrita de Monster Harvest está no mesmo patamar das suas mecânicas. Um jogo que tenta ser um Harvest Moon e um Pokémon ao mesmo tempo e o seu somatório fica a milhas de distância do somatório das partes.

Sem grande direcionamento de avanço no jogo, cedo percebemos que a limitada energia é uma verdadeira maldição que nos obriga a estar constantemente a ir dormir e a começar um novo dia. Assim que obtemos o nosso primeiro planimal desbloqueamos as dungeons, e é aí que as boas ideias do jogo demonstram que se movem num fio muito frágil.

Há um sistema de risco ao fazermos lutas com o nosso planimal nas dungeons. Se por um lado a faceta de dungeon crawling nos vai dar acesso a minerais mais raros para minarmos, por outro, a dificuldade em curar os nossos planimals e a inexistência de objectos de ressurreição tornam esta faceta algo muito, muito arriscado.

Se um planimal nosso morrer durante o combate, essa morte é permanente. Todo e qualquer investimento que lhe fizemos termina, em especial o nível em que ele se encontra, já que a evolução é algo que demora (a inexistência de XP Share é mais um daqueles elementos de Monster Harvest que me irritam muito). O retorno que recebemos é um elemento semi-roguelike: o jogo dá-nos corações pela morte do nosso planimal quando acordamos no hospital, já fora da dungeon, e podemos aplicar esses corações para subir o nível do solo da nossa quinta. Dessa forma os planimals nascem já com um nível superior.

A forma de cultivar planimals é algo complicada em excesso. As sementes que encontramos não chegam – delas saem apenas vegetais ou frutas. Para que delas floresçam planimals necessitamos de adicionar slimes vermelhas que obtemos ao derrotar com a nossa espada as slimes correspondentes. Porque é que slimes são derrotadas com espada mas planimals apenas com planimals, em que uma espadeirada faz aenas que tenhamos o primeiro ataque no combate por turnos? Não sei. Nem quero saber.

O interface de Monster Harvest e as parcas explicações de navegação nos seus menus e inventário são tão, tão más, que me faz confusão um jogo que tem sido amplamente publicitado para Switch tenha o seu interface semi-optimizado para rato, deixando a navegação com comandos como um verdadeiro pesadelo. O simples acto de tentar deitar fora um item do verdadeiro pesadelo que é a gestão de inventário é impossível de atingir com comandos.

O loop mecânico de Monster Harvest é uma fastidiosa festa de grind. A pouca energia que temos serve não só para a agricultura mas também para obter recursos dentro das dungeons. Um dia normal envolve tratar das nossas plantações, ir descansar para acordar ao pôr-do-Sol (por alguma razão só aí as dungeons estão abertas) e ir fazer dungeon crawling, sair quando acabar a energia para obter recursos ou a vida dos nossos planimals estiver nas últimas, regressar a casa, dormir, e voltar a repetir tudo.

Visualmente o jogo também é sofrível. Entre a aplicação interessante de texturas em pixel art sobre um jogo tridimensional com câmara fixa, num ambiente 2.5D que a Square Enix tem utilizado de forma exímia mas onde os itens colectáveis se misturam de forma injusta com o cenário.

Há décadas que o fenómeno fakemon nas comunidades artísticas tem servido de combustível para muitos fan made games baseados em Pokémon. Mas a falta de originalidade nos planimals que coleccionamos é tão grande, que só nos apetece bater com a mão na testa por esta ser a gota de água do potencial desperdiçado deste Monster Harvest.

Poupem os 14,99€ e vão comprar Ooblets, que apesar de estar em Early Access é infinitamente melhor do que este jogo. Acreditem. Eu sou um fã empedernido das duas linhas que se misturam neste novo sub-género, e tudo o que Monster Harvest faz, fá-lo de forma esquecível.

O estúdio Maple Powered Games quis misturar elementos de Harvest Moon e Pokémon da forma exímia que Ooblets já o fez, mas o resultado é tão, tão insípido, que dá dó. Com um ritmo mecânico terrível que faz dele um jogo artificialmente longo onde tudo é justificado com um grind desmiolado sem um retorno palpável que o justifique.