Não foi há muito tempo que joguei o primeiro Psychonauts. Na altura gostei bastante da estrutura das missões e da história, mas pareceu-me de imediato um jogo de consola cujo gameplay não tinha sido optimizado para PC. Psychonauts 2 é para mim um refinamento de todas essas características, pois é inquestionável que a base do jogo é essencialmente a mesma. Quem gostou do primeiro irá gostar do segundo, e há bom potencial para finalmente tirar a franquia do frasco dos jogos de nicho.
Tecnicamente tenho muito pouco a apontar a Psychonauts 2. Sempre gostei do estilo gráfico esbatido como se fosse uma representação duma pintura em tela. O aspecto colorido, por vezes psicadélico como se estivesse a viver uma trip de LSD é lindíssimo, levando-me a espaços a parar para olhar para os detalhes, ou reparar nos easter eggs que apanhamos pelo caminho. Mais impressionante que isso o facto que no meio de tamanha mistura de paletes de cores os detalhes serem perfeitamente perceptíveis e raramente confusos como em múltiplos outros jogos em que acabamos por não perceber bem o que é cenário e o que é objecto para interagir ou caminho para percorrer. Esse é um problema que acontece em muitos outros jogos e o cuidado empregue aqui é, sem sombra de dúvida, impressionante.
A nível sonoro também houve um upgrade significativo em praticamente todos os campos. Acaba por ser impossível não mencionar Jack Black, mesmo considerando a participação marginal que tem no jogo, mas há sempre algo de diferente quando intervém. Claro que para o aproveitarem esticaram um bocado o nível em que entrava, e foi possivelmente aquele que senti que passou um bocadinho do prazo. Há também um efeito sonoro que me confundia consistentemente, já que era muito similar àquele que sinalizava a presença dum item para encontrar quando na realidade era apenas uma peça de vida.
Quando o jogo carregou percebi a importância de nos contarem a história do primeiro jogo ao início. Eu pensava que tinha terminado o anterior, mas das duas, três, ou não concluí ou não me lembro mesmo de partes da história e estas, embora não fundamentais para o desenrolar dos eventos, são significativas para que se percebam todos os relacionamentos e muitas das menções que são feitas ao logo de todo o jogo.
Mal começo a jogar percebo que os controlos estão muito mais refinados e o acto de saltar para uma plataforma não me parece agora dependente da fé, parece mesmo algo dependente da minha perícia. Certo que me continua a parecer um jogo pensado para consola, mas temos que admitir que a prioridade é mesmo que corra sem falhas nas consolas de nova geração e há muito pouco a apontar à versão para PC. Nem tudo são rosas, a espaços perdemos a noção da distância, ou falhamos saltos que deveríamos não falhar, tudo isso compensado pela simplicidade com que mudamos a perspectiva da câmara ao usar o rato, tão útil em tantas ocasiões, especialmente quando há colocações criativas de itens que só se vêm dessa forma. É sem dúvida um jogo de plataformas muito competente, mas não é Mario Odyssey.
Jogamos de forma linear. Há um hub que funciona, de certa forma, como mundo aberto, mas o jogo não passa dum conjunto de secções lineares onde podemos andar à descoberta de forma praticamente livre. É nesses momentos de descoberta que, para mim, o jogo mais brilha, por contraste com as diferentes secções de luta. Raz, novamente o protagonista da trama, vai adquirindo poderes que pode usar ao longo do jogo. No total conseguimos obter 8 poderes, mas só podemos equipar 4 deles de cada vez. A mecânica é algo similar a Link’s Awakening e resulta, porém, como seria de esperar, começa a cansar andar sempre a mudar os poderes, especialmente na fase mais avançada do jogo onde passar um nível requer uma combinação mais diversa deles.
Há alguns inimigos novos neste jogo. A maioria deles é mais sensível a um dos nossos poderes mas a maneira como os níveis estão construídos faz com que o confronto com um dos inimigos nem sempre nos ofereça a forma óptima de os derrotar. Isto dito de forma isolada não significa nada, mas o jogo parece planeado para essa optimização, por exemplo, nunca apanhei mais que 4 tipos diferentes de inimigos ao mesmo tempo, isto é, nunca precisei de mais slots de habilidades que aquelas que tinha disponíveis, daí ser estranho uma construção tão detalhada dos níveis em praticamente todos os aspectos nem sempre considerar este. O combate também se pode tornar caótico. Há um mecanismo de lock-on, mas não é muito prático para usar no PC mas nem sempre o jogo é pródigo em reconhecer o inimigo que estou a tentar atacar sem ele, levando a alguns actos falhados no meio do combate. Nada de relevante.
Parece uma tendência recente falar de doença mental nos videojogos. Tim Schafer amiúde refere que já o fazia em 2005 e isso é verdade, contudo nessa altura abordou a temática de forma algo inconsequente e, embora este jogo siga o croqui do jogo anterior, emprega nos diálogos algumas consequências e implicações da doença mental e da forma como o uso dos nossos poderes poder ser benéfico ou prejudicial à mesma. Pode não parecer notório, ou mesmo passar despercebido durante os níveis, mas isso existe e dá mais uma camada de importância ao jogo.
Não gosto muito de entrar nas histórias, mas esperava maior exploração do relacionamento de Raz com a família. Se o primeiro jogo se foca no percurso de Raz, o segundo foca-se na equipa de Psychonauts e abre um espaço gigantesco para o encerrar duma eventual trilogia, fechando o círculo com a família de Raz.
Eu não me desviei muito do caminho da história e propositadamente ignorei as missões acessórias. Quando acabei ainda tinha muito para fazer e o próprio jogo imediatamente nos atira de volta para o mundo para que retomemos a exploração no ponto em que parámos. A maneira como vamos adquirindo novos poderes também é bastante sacana, pois passamos os níveis a ver partes inacessíveis e mal adquirimos a capacidade de lhes aceder nunca mais aparecem nos níveis seguintes, são mesmo um chamariz para repetirmos níveis após acabarmos o jogo, criando assim replay value. Não vou dizer que gosto desta metodologia, mas obviamente que é eficaz.
Psychonauts 2 bate em todos os aspectos o seu antecessor e tem tudo para mostrar a toda a gente o que perderam ao não jogarem o primeiro. Está bem feito, praticamente sem qualquer bug, tecnicamente exemplar, com um gameplay muitíssimo competente. Tem detalhes que podiam ser limados, e há áreas onde parece que cortaram conteúdo que depois tentaram remendar, mesmo assim é um excelente jogo, melhor, é um jogo fantástico, divertido, cheio de humor, cheio de novas mecânicas que não nos deixam ficar aborrecidos e, contando tudo, ficou a ser o meu jogo preferido do ano. Impossível não recomendar vivamente. Joguem isto!