O auto-controlo é uma capacidade difícil de treinar e manter. Eu que o diga com pacotes de aperitivos da Matutano. Se eu fosse um herói da mitologia clássica nem precisavam de me apontar para o calcanhar para me derrotar, bastava abrirem um pacote de Cheetos e era ver-me a pousar as armas e a correr para encher o proverbial bandulho de snacks. Não fosse a minha hipocondria e o meu medo de uma aterosclerose e de outros problemas vasculares e decerto que todos os dias estava a enfardar aperitivos. E juro que vos digo isto sem ser sequer patrocinado pela Matutano. Ainda.
Ter auto-controlo a jogar idle games (ou clickers) é outra fruta. Há algo de fundamentalmente apelativo em vermos números a crescerem, uma manifestação hipnótica que é capaz de nos sorver horas de seguida sem que o percebamos.
Cookie Clicker é desde 2013 um desses fenómenos. Lançado como um jogo gratuito em browser pelo seu criador, Orteil, juntando uma verdadeiro legião de fãs e que foi recém-lançado no Steam por 3,99€, tornando-se – espantem-se – num dos jogos mais jogados neste início do mês.
Mecanicamente há muito pouco que distinga este Cookie Clicker de outros milhares de jogos, e talvez se não fosse a sua temática doceira e muitos jogadores não teriam tropeçado nele, optando por idle games com ambientes de acção.
Mas é impossível não reconhecer o carinho e o investimento que Julien ‘Orteil’ Thiennot, o seu criador, imprimiu ao jogo. Não conheço jogos do género que se possam orgulhar de ter mais de 600 upgrades e mais de 500 achievements para alcançar. Alguns, como alguns media têm mostrado, onde o autor até aproveitou para tentar saber se existe limite de caracteres para o título de achievements no Steam. Aparentemente… não.
A grande curiosidade deste Cookie Clicker é que o próprio Orteil admite que tudo começou como uma piada que evoluiu para algo mais, e que cedo a comunidade começou a dedicar o seu tempo a jogá-lo.
O carinho que existe em torno do jogo é mais do que perceptível. Lembremo-nos que o jogo é jogável de forma gratuita na mesma plataforma online onde está alojado desde a sua génese, mas que milhares e milhares de pessoas correram a comprá-lo no Steam tornando-o um dos maiores sucessos comerciais da rentrée. E porquê? Porque são oito anos de trabalho que Orteil investiu neste jogo apelando a milhares (ou milhões?) de jogadores que decidiram com a sua aquisição uma forma de agradecer os anos de desenvolvimento e diversão.
Cookie Clicker não se leva a sério, e ainda bem. Tantos os updates, como os achievements e até alguns pedaços de texto que nos vai aparecendo é simultaneamente uma paródia ao próprio género, e um happening humorístico.
Toda a construção visual de Cookie Clicker aborda esse quase surrealismo de todo o jogo e depois de ter passado os últimos anos a experimentar idle games finitos e infinitos, consigo finalmente perceber porque é que este título surgia quase sempre nas listas de melhores clickers do mercado.
Cookie Clicker não vos vai fazer gostar de idle games se nunca lhes sentiram o apelo. Não vão sentir a dopamina do aumento numérico progressivo do género com este jogo se até então isto nada vos disse. Mas Cookie Clicker, na sua versão gratuita ou paga com cloud save e sistema de achievements do Steam é um dos mais sólidos, humorísticos e complexos idle games que já joguei, e daqueles em que tenho de me refrear para não perder uma noite inteira hipnotizado pelos números.
No meu caso pessoal o auto-controlo só terminaria se Cookie Clicker tivesse Cheetos pelo meio. Felizmente não tem. Valha-me o meu túnel cárpico.