Caçada Semanal #287
Não é a proximidade do meu gosto ali mais próximo do metal e do gótico, onde 80% do meu guarda roupa é preto, branco ou cinzento, nem o facto de ter crescido com TVs monocromáticas, mas a realidade é que volta e meia ainda vão saindo óptimos jogos que utilizam a (aparente) limitação do preto e branco como direcção artística.
Os dois indies de hoje são quase monocromáticos, mas sabem utilizar todo o espectro de saturação para seu proveito.
Death’s Door [PC, Xbox Series, Xbox One]
Desenvolvido pela Acid Nerve – os mesmos criadores de Titan Souls – para a Devolver Digital, que voltam a aplicar em Death’s Door os elementos de Dark Souls que lhe serviram de base no seu primeiro jogo. E desta feita aplicado noutro contexto.
A melhor forma de descrever a deambulação e as mecânicas de Death’s Door é imaginá-lo como uma valente inspiração noutra série: Zelda, se algum dia Link decidisse que tinha de prestar culto ao Sol.
Somos um Corvo que tem de ceifar três almas poderosas para abrir uma porta fechada no seu escritório/local de trabalho. Pelo meio de toda a burocracia inerente ao cargo, aos diálogos semi-crípticos como o género obriga, há um desafio menos enervante que nos jogos da From Software.
Os combates – desafiantes, mas menos hardcore que a maioria dos soulsbourne – pedem emprestados os controlos de movimento de Link, e é aí também que o level design é criado, com intersecções de zonas que carecem de resolução de ligeiros puzzles.
Death’s Door inova na forma como aborda a capacidade de cura. Sem poções de vida, temos de ir plantando sementes de vida e colhê-las quando derem fruto, tornando a capacidade de nos curarmos algo potencialmente finito.
Com bosses interessantes – o primeiro é uma catedral consciente – e um mundo negro, gótico, com laivos de uma animação mais obscura apontada para o público infantil, Death’s Door é um brilhante indie que tem na sua direcção artística, mas também no seu combate, duas das razões para ser verdadeiramente obrigatório neste último trimestre de 2021.
GRIME [Stadia, PC, Mac]
Falando em soulsbourne, GRIME também é um jogo que vai buscar aos soulsbourne a sua génese, mais especificamente ao magnânimo Dead Cells. Desenvolvido pelo estúdio Clover Bites, GRIME conquista-nos de imediato com o seu visual grotesco, amplamente orgânico, onde apesar de tudo o que o constitui parece ter sido moldado em argila. Esta foi a solução estética dos seus criadores para encontrarem a melhor representação possível de um mundo inteiramente feito por pedra: do protagonista aos inimigos, dos cenários às armas.
Apesar da sua direcção de arte o tornar completamente original e incomparável com qualquer outro jogo, é nas mecânicas, e no desafio deste jogo duro como pedra – perdoem-me a piada barata – que reside muito do seu interesse.
Existem aqui elementos fora dos elementos clássicos de soulsbourne, e um deles é com o elemento colectável. Sempre que derrotamos inimigos eles perdem massa, que absorvemos e que podemos utilizar no equivalente às fogueiras de Dark Souls para fazer upgrades definitivos. A diferença para com os jogos da FromSoftware é que GRIME não nos faz perder massa quando morremos, apenas nos obriga a fazer respawn na “fogueira” mais próxima.
Promovido como um 2D metroidvania, cedo percebemos que esse é apenas uma camada, e mais subtil, de GRIME. Quando derrotamos os gigantescos bosses obtemos deles habilidades que encaixam na fórmula de progressão e exploração de um metroidvania.
Verdadeiramente difícil e inesquecível, GRIME é outro daqueles casos taciturnos em que um indie é tão distinto de outros jogos que o tornam obrigatório para todos os fãs de Dead Cells e demais soulsbourne bidimensionais.