A Ubisoft encontrou um modelo de jogos open world que tem servido de base a vários títulos, da série Assassin’s Creed, Ghost Recon, the Division, Watch Dogs e claro Far Cry. E isso possibilita às equipas produzirem diferentes títulos anualmente, sendo a base os mundos abertos, com uma estrutura não linear narrativa, com ramificações de quests, salpicado com atividades nem sempre interessantes, e claro inúmeros colecionáveis para encontrar. E mais recentemente, introduziu as missões aleatórias e não registadas, que aumentam artificialmente a longevidade dos jogos.
É uma fórmula que já teve os seus dias e Far Cry 6 demonstra que a Ubisoft tem de voltar ao estirador para criar novas experiências, pois esta nova aventura da série nada apresenta como novidade. No caso desta série em concreto existe outro denominador comum: o jogo gira normalmente em torno do vilão que pauta todo o ritmo narrativo, algo que a Ubisoft acertou em cheio em Far Cry 3, quando nos presenteou Vaas, considerado um dos maiores antagonistas dos videojogos.
Todos os jogos seguintes foram introduzindo vilões carismáticos, no sentido de serem horríveis à primeira vista, mas com as suas convicções, quase enganando o jogador em embarcar na sua jornada. Exemplo disso foi Joseph Seed, um autoproclamado profeta, líder de uma seita religiosa. Até porque a Ubisoft tem vindo a fazer batota, retirando qualquer essência aos protagonistas, tornando-os mudos e sem qualquer peso na história. E essa é uma das principais críticas dos últimos jogos.
Far Cry 6 mantém a tradição de destacar o antagonista e a Ubisoft decidiu colocar aí “toda a carne no assador”. Em primeiro lugar por devolver voz e presença ao protagonista Dani Rojas, que os jogadores podem escolher o sexo da personagem, mas que canonicamente foi promovido como protagonista feminina. E diga-se já de passagem que a personagem é muito boa, divertida e carismática, ao ponto de a podermos ver não só em todas as cut-scenes como em momentos na terceira-pessoa quando estamos nas bases aliadas.
Mas claro que todas as atenções estão viradas, desde o primeiro momento, para o vilão Antón Castillo, protagonizado pelo poderoso Giancarlo Esposito, conhecido pelo papel de Gus Fring de Breaking Bad e Better Call Saul, um dos mais temíveis antagonistas de uma série televisiva. E todo o marketing tem girado em torno deste novo ditador da ilha de Yara, inspirada em Cuba.
Como calculam, a história é o velho cliché: um ditador que tem de ser derrubado pelos rebeldes guerrilheiros espalhados pela ilha. Cabe a Dani reunir todos os seus líderes para fazer frente a este temível vilão. Para tal, inúmeros missões a serem completadas para cada um, de forma a ganhar a sua confiança para se juntarem à causa, ao mesmo tempo que se diminui a influência do ditador, conquistando bases, pontos de controlo. Assim como a derrota dos seus capitães igualmente espalhados pela ilha.
E é aqui que o jogo se torna inevitavelmente repetitivo e pouco imaginativo. Tirando as missões principais, com algumas sequências hilariantes, não necessariamente as mais originais, todo o resto do jogo é a habitual lista de rotinas, entre a recolha de segredos, armas únicas ou equipamento essencial, completar corridas, destruição de antiaéreas, conquista de bases e checkpoints, etc.
Mas se calhar a principal pergunta é se Giancarlo Esposito cumpre. A resposta é um inevitável sim. As sequências onde aparece são pautadas pelo seu carisma de vilão, procurando surpreender pelas decisões enquanto tenta educar o seu filho de 13 anos a ser firme como ele nas suas convicções. Ensinando-o sobretudo a ser o leão, o ditador, no meio do rebanho de ovelhas que é toda a população de Yara. Mas o seu filho é desde o primeiro minuto assombrado pelo respeito e medo do seu próprio pai, pela compaixão pelas pessoas, pelas atrocidades cometidas ao povo. E esta relação é sempre interessante de seguir.
No entanto, sentimos que são poucos os momentos em que o ditador é mostrado na aventura. Jogam-se muitas horas seguidas sem sequer sentirmos a sua presença, ao contrário de Far Cry 4 em que Pagan Min não parava de provocar o jogador via rádio. Tirando os momentos importantes de um ciclo de missões principais, sinto que a personagem foi pouco explorada e deveria ter estado mais presente na narrativa, embora apareça mais tempo na reta final da aventura. O foco do jogador, claro, é ganhar influência na ilha, diminuir a presença do exército e encontrá-lo para o confronto final, mas vão passar-se bastantes horas até isso se concretizar.
O jogo introduz, ainda assim, alguns novos elementos interessantes. Começando pelas lutas de galos, numa homenagem a Mortal Kombat, que leva a colecionar os animais espalhados pela ilha. Mas também os companheiros que acompanham o jogador. Ao contrário do título anterior em que tínhamos sobretudo humanos, cada um com as suas habilidades, agora são exclusivamente animais. O crocodilo Guapo, que foi domesticado como um cão, é sempre útil para causar pânico nos inimigos. E o divertido Chorizo, um cãozinho que apesar de depender de rodas para substituir as suas patas traseiras, não deixa de ser badass.
Outras atividades passam pelas habituais corridas ou encontro de tesouros e zonas secretas. Conquistar bases, destruir antiaéreas e controlar os checkpoints são mais algumas atividades a completar. E além das missões da história principal, marcadas como operações, também existem as secundárias, as Yara Stories associadas às personagens que encontram.
As armas também estão em grande destaque no jogo. Estas funcionam como itens colecionáveis únicas, com qualidades normais e raras, cada uma com estatísticas. E estas podem ser melhoradas com componentes e até penduricos e itens cosméticos.
O mais interessante é que todas as armas estão sempre disponíveis num inventário próprio, que depois podem ser selecionadas no menu rápido de seleção. Por exemplo, se estão com uma metralhadora e precisam de uma sniper para atingir um inimigo à distância, só têm de a selecionar. O mesmo para o caso de precisarem de uma bazuca para um helicóptero. Isso quer dizer que têm sempre dezenas de armas disponíveis, à medida que as vão desbloqueando e encontrando durante a aventura.
Há ainda uma arma especial, carregada com um cool down, usada numa mochila às costas. Uma rajada de mísseis, libertação de gás, por exemplo, podem mudar o rumo de um combate. E também há armas exóticas, como rajadas de fogo de artifício e outras que podem ser compradas com urânio encontrado nas bases com antiaéreas.
Também os fatos ou peças de equipamento de Dani podem ser mudadas, funcionando como sets de armaduras. Podem encontrar individualmente as calças ou casaco e botas, completando um set completo, que amplia algumas estatísticas, tais como proteção a explosões ou mover-se mais rápido pelo cenário.
Far Cry 6 tem a pior inteligência artificial criada para um videojogo. Existem muitos outros títulos absurdos, mas estamos em 2021 e a Ubisoft deveria dar prioridade ao comportamento tanto dos inimigos como companheiros. Entrar a matar no acampamento, é possível eliminar vários inimigos ao lado uns dos outros até que se apercebam da morte dos companheiros. O seu sentido de orientação é rídiculo, procurando o rastro do jogador do lado contrário onde foi feito barulho. E o contrário é igualmente válido, sermos atingidos por olhos infinitos, atrás de barreiras, sendo difícil de escapar à sua chuva de balas, mesmo quando não estamos no seu campo de visão.
Todas as abordagens são artificiais, os alarmes disparados de forma aleatória, as rotinas dos NPCs em geral erráticas, espetando-se do nada sem motivo aparente. E já para não falar de bugs gerais que o jogo tem. Mas choca mesmo ver a inteligência artificial neste estado, sobretudo quando os primeiros jogos eram exímios neste campo.
Por outro lado, o jogo está lindíssimo, as paisagens são de suster a respiração, sobretudo quando o sol se põe. As faces das personagens não são muito boas, mas funcionais e algumas delas são bastante carismáticas, sobretudo a protagonista Dani.
Far Cry 6 não é um mau jogo. É mais um Far Cry com ideias esgotadas no que diz respeito a formato de história, exploração e atividades, a série precisa de uma reformulação ao nível do Assassin’s Creed para não se tornar banal. Tem seus momentos divertidos, missões intensas e um vasto arsenal para explorar, mas não acrescenta muito ao que foi feito anteriormente. E Giancarlo Esposito poderia ter tido um papel mais ativo.