Aquando da sua estreia em 1998 na Nintendo 64, Mario Party posicionou-se como uma franquia anual, como qualquer FIFA ou NBA2K. Abrandou depois de Mario Party 7 (2005) e agora vemo-la a cada três anos. Tenho para mim que qualquer franquia com tantos títulos traz consigo expectativas irrealistas, pelo que uma de duas coisas acontece: ou a malta fica indiferente à fartura, ou indigna-se por tudo e por nada.
Se calhar ao lerem isto pensam que Mario Party Superstars é um caso crónico de indiferença. Ou então não e foi só a mim que há 23 anos que me tem passado completamente ao lado. Mas este ano a crítica está lá – só que a comunidade fica-lhe um bocado indiferente. Algumas frases que podiam bem ter sido tiradas de reviews deste jogo:
“Só se foca em minijogos até ao GameCube”
“Tem menos personagens”
“Não há motion controls”
Ah! Vamos pegar neste último à luz da review de Super Mario Party do nosso Ricardo Correia em 2018:
“Uma das críticas que têm surgido em torno de Super Mario Party é a dependência de jogarmos com os comandos destacados da consola, impedindo-nos de o jogar em modo portátil. (…) A utilização total das características únicas dos comandos é feita sob sacrifício do jogo não poder ser verdadeiramente portátil. O que neste caso, e perante a qualidade e inteligência dos muitos mini-jogos aqui presentes, é um pequeno preço a pagar.”

Se é festa, há bolo.
O meu argumento para não encher o Bowser com chouriços: goste-se ou não da direcção que a Nintendo toma com cada título da série, esta é tão grande que vai seguramente desapontar uma considerável fatia dos fãs enquanto tenta agradar a outra. O que vale é que Mario Party tem tipo uma comunidade essencialmente familiar, pelo que o ambiente em torno das suas críticas é um bocado como os adeptos da Seleção Nacional versus os adeptos dos clubes de futebol: em vez de andarem o ano todo a criticar direcção, equipa técnica e jogadores, mandam uns bitaites ao Fernando Santos quando empatamos com a Irlanda e nunca mais pensam nisso.
Prometo que isto é mesmo uma review de Mario Party Superstars, que procura ser essencialmente uma celebração dos títulos da Nintendo 64 e GameCube na era moderna. O primeiro jogo de tabuleiro que joguei foi o Jogo da Glória, esse simples tabuleiro que naturalmente reunia a família à mesa para jogar. Convém saber isto antes de abordar Superstars, caso contrário a expectativa será somente cumulativa em relação a títulos anteriores. É uma celebração de outros tempos e não o jogo que fará esquecer todos os outros Mario Party. Sim, só tabuleiros da era N64. Sim, praticamente só há minijogos dessa era (55) e da GameCube (36) entre os 100 totais. Sim, dos 20 personagens jogáveis de Super Mario Party, restam-nos apenas 12.
E sim, não há mais motion controls. Bolas.
Já vos disse que odeio quando as consolas abandonam as suas mecânicas e gimmicks? Não sei se isto é a Nintendo a abandonar de vez o barco dos Joy Cons, eu que esta semana adquiri o meu terceiro par porque o meu par principal e de backup decidiram ganhar drift ao mesmo tempo para irem passear à garantia. Superstars joga-se com qualquer comando compatível e apenas usa os seus botões – quer em modo portátil, quer destacados da Switch. Sou pela corrente de que haver mecânicas com os motion controls ou não haver é como ir ao buffet continental de pequeno-almoço ou ter apenas pãozinho com manteiga e galão? Sou pois.
Será que a Nintendo achou que ficava caro uma família ter muitos Joy-Cons? Que restringia a jogabilidade? Não sei a resposta, mas a verdade é que ao estandardizar o input, a Big N democratizou o acesso nas Switch Lite, que pela altura de Super Mario Party ainda não existiam. E se em 2018 só se podia jogar os maravilhosos tabuleiros da franquia com outras pessoas de forma presencial (só nos inícios deste ano saiu uma patch para todos os modos terem versão online), em 2021 o modo online não está meramente restrito aos minijogos, está acessível às partidas de tabuleiro.
E sabem que mais? Eu odeio que se abandonem os motion controls, mas ainda bem que a Nintendo o fez. Acredito que nem toda a gente recuperou do isolamento presencial da pandemia e ter um jogo 100% acessível a qualquer pessoa, desde qualquer lugar, faz todo o sentido. E porque toda a gente sabe que a OMS tem avisado para a transmissão do vírus através do abanar dos Joy-Cons pela sala, a distribuir o suor das mãos pelos amigos…
Também acredito que grande parte do público que consome Mario Party não o faz durante 10 horas por dia, portanto a falta de personagens ou outro conteúdo será um risco calculado. Pessoalmente, joguei algumas partidas online (não andamos a ser grandes anfitriões cá em casa estes dias e não consegui convencer a patroa a experimentar) e apesar de isso funcionar bem, o potencial deste jogo continua a estar no convívio físico. A dada altura, apercebi-me que pela inércia em alguns mini-jogos, os outros jogadores já tinham desistido, mesmo nas partidas mais curtas de 30 minutos. E sejamos francos, não tem nada a ver andarem picados com o ser humano ao vosso lado ou com alguém, algures, representado pelo Donkey Kong.
Se vão jogar Mario Party Superstars sozinhos, temo que se fartem depressa. O CPU vai até ao novo modo Mestre, o que representa um grande desafio, mas ninguém joga isto para o platinar. Superstars bate muito na nostalgia de quem vibrou com isto na era N64, algo do qual não tenho vivência para testemunhar.
De resto, o que o povo gosta é de ganhar mais estrelas e moedas que o vizinho do lado. Não conheço uma melhor representação de um jogo de tabuleiro em videojogo que Mario Party – faz isso sobejamente bem e vai além, criando eventos e surpresas que um jogo de tabuleiro não conseguiria. Podem acabar as partidas com mais estrelas e moedas que os outros, mas vão receber estrelas surpresa por tudo e um par de botas, pelo que nada está garantido antes do fim.
E se até eu, um curioso de Mario Party, fui aos poucos ficando com mais vontade de acabar tabuleiros pese a minha desconfiança inicial, estou convencido de que estamos perante mais um trabalho cheio de brio dos estúdios da Nintendo. Dependendo do que estejam à procura ser mais próximo de Superstars (um party game mais portátil e remoto) ou de Super Mario Party (um couch party game puro), será aí que vão colocar mais peso em certas críticas ao invés de outras. Quando a Nintendo se foca tanto em reposicionar um jogo, é impossível livrar-se desse escrutínio.