Ao olhar para os primeiros screenshots de Book of Travels, era capaz de enquadrá-lo em um punhado de géneros diferentes, inferindo pelo que via o que estaria mecanicamente por trás, mas certamente que MMORPG não seria uma dessas sugestões.
Recém-lançado em Early Access pelo estúdio Might & Delight, a companhia indie sueca que já nos trouxe brilhantes peças de videojogos com um tremendo pendor artístico, como Pid, Shelter e Meadow, e que desbrava aqui terreno para aquele que é indubitavelmente o seu jogo mais ambicioso e mais complexo.
Aliás, ando a apelidá-lo de MMORPG e de alguma a contrariar a ideia que os autores têm para ele. Definem-no como um TMORPG (Tiny-Multiplayer Online RPG), o que se ajusta na perfeição tendo em conta que do mapa planeado, nesta versão em Early Access contamos apenas com um quarto, a região denominada Braided Shore.
O risco tomado pelo estúdio Might & Delight, como dizia, é gigantesco. Book of Travels pega em todas as fórmulas de um MMORPG e atira-as janela fora, e decide fazer algo diferente e incomparável.
Todo o ambiente decorre num cenário de 2.5D, em que os efeitos de paralaxe das diferentes camadas tornam cada novo ecrã um quadro por si só. Aliás, admitamos: basta a qualquer um ver uma imagem de Book of Travels para ficar embevecido com a sua direcção de arte.
Book of Travels é mais do que um jogo, é a possibilidade de vivermos em quadros japoneses do Séc. XIX. No seu ambiente bucólico, nas suas paisagens pouco saturadas, onde um ambiente de calmaria é o mais evidente.
A ideia de fazer um TMORPG onde o ambiente é calmo e relaxante é também ele uma quebra com toda a experiência típica dos jogos online que nos empurram para acção frenética. Book of Travels é a antítese de tudo isso. É uma experiência imersiva e relaxante, onde, por ironia, conseguimos obter uma sensação orgânica vinda deste mundo virtual como poucos o conseguiram fazer.
Book of Travels é diferente até na forma como nos pede para construirmos o nosso personagem. Longe de todos os clichés e fórmulas repetidas à exaustão, as opções que aqui nos são apresentadas reflectem a linguagem própria do jogo. Algumas opções são até bastante crípticas e pouco explicadas, mas entram na lógica intrínseca deste jogo.
Este TMORPG (acho que nunca me vou habituar a escrever a sigla) é sobretudo de descoberta e exploração. Um jogo em que controlamos tudo com o clique do rato, do movimento à interacção com objectos e pessoas.
Os NPCs parecem vivos dentro destes quadros orgânicos que representam cada ecrã de Book of Travels. Movimentam-se, obedecem ao ciclo de dia e noite, e têm vontades e opiniões uns dos outros. As trocas comerciais demonstram isso mesmo: um objecto pode ter um valor para um personagem e outro querer pagar-nos mais.
A par da exploração e da descoberta dos elementos que vamos encontrando por cada ecrã explorado – e acreditem que muito ganhamos em fazê-lo de forma mais compassada e não apressada – muita da experiência e usufruto deste jogo passa pela interacção com os NPCs. E não apenas porque são eles que nos dão quests e nos vão permitindo “avançar” o nosso personagem, mas porque se vai vendo os pequenos momentos de riqueza que a Might & Delight criou.
Como qualquer MMO (ou TMO, neste caso) temos a possibilidade de fazer parties com outros jogadores – com o qual interagimos apenas com ícones – e explorar o mundo e resolver problemas em conjunto. É claro que nesta fase a abundância de jogadores ainda é curta, como seria de esperar.
Do ponto de vista mecânico, a forma como a progressão das nossas skills é feita, é interessante. Muito do que fazemos dá experiência, inclusivamente interagir com os NPCs, mas por outro lado podemos ir perdendo “proficiência” à medida que negligenciamos a utilização de algumas habilidades.
Visualmente deslumbrante, com combate opcional e com uma das experiências multijogador mais únicas que já tive a oportunidade de experimentar, existe grande potencial para o futuro desenvolvimento e crescimento deste Book of Travels. Um jogo com uma linguagem própria que não é simples de mergulhar, mas que nos vai envolvendo em cada minuto passado na região de Braided Shore.