Dobrada, whiskey, vinho, cerveja, picantes são gostos adquiridos, fazem parte daquele grupo de coisas que ao contrário de chocolate, por exemplo, ninguém gosta à primeira. Dêem chocolate a alguém que nunca comeu e vejam-na deliciar-se, depois dêem-lhe dobrada. Não acredito que alguém à face deste planeta redondo (ou plano para alguns) tenha gostado do sabor de algumas coisas quando as provaram, foram coisas que aprenderam a apreciar. No mundo dos jogos há dezenas de estilos que também são gostos adquiridos os JRPGs tal como Shin Megami Tensei V (SMTV), um dos mais recentes grandes lançamentos exclusivos da Atlus na Nintendo Switch.
O meu conhecimento de JRPGs no geral é bastante extenso, contudo raramente me cruzei com grande parte da série Shin Megami Tensei incluindo os jogos Persona. O único SMT que me lembro ter jogado desde que o primeiro foi lançado no Japão em 1987 foi Devil Survivor para a Nintendo DS mas um JRPG é um JRPG, tirando o setting específico de cada série são semelhantes em quase todas as mecânicas. SMTV tem umas interessantes que não são comuns aos outros que estou mais habituado mas não é por isso que tornam o jogo impraticável para novatos como eu na franquia.
Mas o que é Shin Megami Tensei V e o que o torna um dos lançamentos de destaque comercial da Nintendo este ano?
Neste enorme JRPG controlamos um personagem numa Tóquio pós apocalíptica controlada por demónios. É necessário ver que a definição de demónio japonesa é algo diferente da que estamos habituados na cultura predominantemente judaico-cristã da Europa por isso podemos ver de tudo. A história envolve deuses, demónios e outras entidades sobrenaturais de várias religiões e pode ser um pouco rebuscada em algumas coisas mas no geral está bem construída com personagens interessantes apesar de carregar um pouco nos clichés ocasionalmente.
A maior força de Shin Megami Tensei V são mesmo os nossos inimigos, esses demónios que serão a parte principal da nossa equipa. Pensemos um pouco em Pokémon onde caçamos e utilizamos em batalhas mas os demónios de SMTV têm uma maneira particular de ser “caçados”, aqui é preciso falar com eles a meio do combate e, se eles estiverem dispostos a diálogo temos que convencê-los a juntarem-se a nós. Às vezes é com diálogo, outras é com subornos e nem sempre somos bem sucedidos em nenhum dos dois. Além de poder recrutar podemos combinar dois diferentes para criar uma espécie alternativa mais forte em teoria. Como se fossemos uma mistura de casamenteiro sobrenatural e Dr. Moreau. Giro mas muito limitado.
Tirando esta particularidade de alquimia paranormal, uma história interessante q.b. e um histórico de décadas de aprimoramentos em dezenas de jogos o que oferece Shin Megami Tensei V a um não fã que não possa ser encontrado noutros JRPGs a metade do preço ou até menos? Sinceramente, pouca coisa. JRPGs são jogos muito particulares. Gostar de RPG clássicos como Pillars of Eternity ou Action RPG como Diablo não faz com que um jogador goste de JRPGs da mesma maneira que gostar de frango de churrasco ou galinha com cerveja não quer dizer que se goste de caril de galinha. Há ingredientes comuns mas não são a mesma coisa. E porque gostamos de caril de galinha não quer dizer que gostamos de comer isso em todos os restaurantes. Uns fazem-no mais ao nosso gosto enquanto que outros são intragáveis.
Alguns JRPGs são ricos em sabor e textura, enchem-nos os olhos e a barriga. Outros, são insossos e aguados. Esta analogia que me está a abrir o apetite serve para fechar o meu gancho qual Oroboros gastronómico dizendo: Shin Megami Tensei V é muito bom, para quem gosta. Fãs da marca irão de certeza achar que este lançamento está pelo menos ao nível do que estão habituados. Quem nunca jogou mas conhece e aprecia role players nipónicos não irá estranhar nada, mas pode pensar que não vale a pena o preço de um AAA Nintendo.
PS. Por falar em demónios este artigo tem 666 palavras.