A Anneke van Giersbergen, com a sua capacidade única de tornar qualquer música e qualquer tema em ouro com a sua bela voz, lançou, no seu primeiro álbum a solo, uma música chamada “Witnesses”, em que descreve uma interacção com Testemunhas de Jeová. A forma apaixonada como fala da audácia de lhe tocarem à porta num domingo para lhe falar do Reino de Deus com uma letra simples que nos faz sentir de forma acutilante a sua raiva por um acontecimento tão mundano.

Não sei se foi isso que aconteceu na história de Chorus, da Deep Silver, se algures no passado da protagonista, a piloto Nara, entre um pequeno diálogo com cultistas e a leitura de uma revista tipo o Sentinela a tenha levado a cair num buraco espacial que a conduziu ao Circle, um culto religioso cuja intenção é unificar (se necessário pelo extermínio) todos os povos do Universo no que apelidam de Chorus.

É assim que conhecemos a protagonista do novo jogo da Deep Silver: uma parte integrante desse culto cósmico a utilizar os seus poderes para causar o genocídio de um planeta que se opôs à palavra do Profeta. Um pequeno grande fast forward depois e temo-la do outro lado da barricada, a servir de tarefeira da Resistência e a combater a ocupação cultista um pouco por toda a galáxia.

Há algo de verdadeiramente cativante na mistura curiosa que Chorus faz de open world, aliás, space, e todas as componentes arcade do controlo da nave Forsaken. A nossa deambulação é a habitual de mundos abertos, onde pesquisamos o espaço por pontos de interesse e interações com NPCs dentro de estações espaciais, estações mineiras e outras instalações espalhadas pelo cinto de asteróides.

As missões, sejam elas principais ou secundárias (e opcionais) levam-nos quase sempre a confrontos com alguma das facções inimigas e/ou a procurar carga perdida no vácuo do espaço sideral. Em relação aos combates, estes são sem sombra de dúvida o ponto alto de Chorus. Todo o dogfighting é tão sólido e apaixonante que só queremos que cada sequência de batalha tenha de imediato outra batalha a seguir. Que cada suado momento de sobrevivência contra uma frota do Circle seja pautada por uma nova dança bélica no espaço, com os nossos lasers a romperem com os escudos dos caças inimigos.

O facto da Deep Silver ter implementado uma abertura completamente arcade a Chorus faz dele algo quase único no mercado actual. Completamente de lado está qualquer pretensão de simulação, com a Forsaken a embater nas paredes de estruturas alienígenas ou a colidir com asteróides e apenas a penalizar momentaneamente o escudo energético.

O movimento ao estilo de shooter de arcadas sente-se ainda nos habituais rolls, mas sobretudo na introdução de sistemas de drift, poucas horas adentro de Chorus. Uma mecânica que, admito, me obrigou a largar o rato e o teclado e a pegar num comando, já que a minha dificuldade em controlar o sistema de drifting foi grande.

Aproveitando o foreshadowing que o vídeo de abertura nos dá, cedo percebemos que as habilidades de Nara são mais vastas do que as que possuímos quando se inicia o jogo. Os rites que Nara possui vão sendo desbloqueados à medida que avançamos, e o que começa como o habitual sonar de objetivos que quase todos os open world sandboxes têm, rapidamente evolui para habilidades especiais que mudam por completo a corrente de batalha.

Se o combate de Chorus eleva este jogo para um patamar elevado de satisfação, as boss fights são momentos únicos retirados das maiores obras cinematográficas com temática espacial. Os bosses são habitualmente ou estruturas massivas ou grandes naves que temos de conseguir ir debilitando até conseguirmos, qual David contra Golias, derrotá-las.

Cada boss fight tem estratégias diferentes, seja contra as massivas estruturas ou contra naves especiais de inimigos importantes da história. Mas todas elas colocam à prova o nosso domínio da Forsaken.

Com a capacidade para customizarmos a nossa nave, existem três tipos distintos de armas que podemos alternar no meio do combate para conseguirmos derrotar os diferentes tipos de naves adversárias que encontramos. Sejam os projéteis normais para destruir a fuselagem dos inimigos, os lasers para destruir os seus escudos energéticos ou os mísseis para desbastar os inimigos encouraçados, a alternância de armamento e a necessidade de estar sempre em movimento transforma o dogfighting de Chorus em algo verdadeiramente cativante.

Este desafio sente-se também nas missões contra o Circle, e a sua capacidade de utilizarem totens psíquicos para corromperem as estruturas ao qual se agarram e que nos obrigam a fazer a limpeza da sua corrupção e libertar edificações de aliados nossos.

No meio de um jogo mecanicamente divertido e brilhante com a sua abordagem arcade, Chorus acaba por sofrer com dois pontos fracos. O primeiro é a sua orientação pelo mapa, e a nossa incapacidade de estabelecermos waypoints que nos indiquem as direcções no meio do espaço. Aliás, se há algo verdadeiramente confuso em Chorus é o sistema de orientação e navegação, e por diversas vezes tive que estar a abrir e a fechar o mapa para perceber a zona do espaço onde queria ir. Algo que poderia ser simplesmente resolvido com marcadores customizáveis pelo jogador.

O outro ponto menos brilhante é a história. Não que esta seja má, mas é ao mesmo tempo um tremendo lugar comum, e uma interrupção nos constantes momentos altos do jogo: as  sequências de batalha. Não sendo uma história desinteressante, mas a forma como vamos descortinando a história de Nara, o seu passado com o Circle e a ligação que tem com a sua nave, Forsaken, com o qual dialoga ao longo do jogo, são apenas um ligeiro flavour que demasiadas vezes funciona como interrupção da diversão que estamos a ter com as dogfights.

Mas se há algo que nos captura na vastidão do espaço são as orquestrações e composições de Pedro Camacho para a banda-sonora de Chorus, comprovando porque é que o compositor madeirense figura nos dias de hoje como um nome maior da música para videojogos.

Chegando de forma surpreendente e subtil ao mercado de videojogos, Chorus é uma das pérolas escondidas de um ano tépido. Um grande jogo onde a acção e as batalhas espaciais de abordagem arcade nos mantêm investidos do primeiro ao último segundo, onde a história, apesar de não ter o mesmo patamar de qualidade, nos permite uma envolvência nesta space opera original e inesperada.