“Estamos todos f****** mas sorrimos na cara das inimigas”

Seguramente que muitos, nas suas infâncias, deram a brincadeiras simples um toque de imaginação que as tornava épicas. Fosse construir um forte de tralha na sala, andar pela rua a imaginar aventuras a cada canto ou só idealizar epopeias na nossa cabeça, coisas que vistas de fora parecem absurdas adquirem contornos mágicos para quem as experiencia.

Thrash Sailors não se assemelha a nada que eu alguma vez imaginasse nessas brincadeiras. Um mundo distópico (do qual não estamos assim tão longe) em que os rios e mares estão repletos de lixo e monstros, depois de um tsunami de lixo ter varrido o planeta? Um americano, um francês, um alemão, uma australiana e um robô que ganham a vida (não sei se isto é muito preciso, pois parecem ser os únicos sobreviventes entre as belíssimas cutscenes mudas que nos dão este contexto) a processar esse lixo e a fazer tão perigosas travessias? Arrrg! Parece-me que temos aventura, grumetes.

Não te ponhas a pau se não levas com uns remos nas lonas.

Se nunca imaginei a premissa de Thrash Sailors, depois de o jogar, sem dúvida tal poderia ter acontecido. Nas travessias de jangada deste jogo que em breve será lançado no Steam, Switch, PS4 e Xbox One, há algo de bastante evocativo de uma grande aventura criada a partir do nada. Não só os diferentes marinheiros têm esse ar de proscritos como a nossa embarcação é feita de tralha. Temos um motor que é alimentado a lixo e porrada; uns canhões comprados com os rendimentos do lixo e com os quais devemos desferir porrada; uns faróis no topo do mastro e que servem para nos guiar por entre o lixo na escuridão, e para evitar porrada a bordo.

Para os que estavam à espera da ligação ao título, é agora. Sendo possível atravessar os níveis a solo (escolhemos um dos tripulantes e temos direito ao robô para nos ajudar com algumas tarefas) ou em modo cooperativo (cada um escolhe o seu tripulante), a proposta de jogar acompanhado é muitíssimo mais interessante. Sou filho único e fiz muitas fortalezas ou brincadeiras no exterior comigo mesmo e a minha própria imaginação, mas era imensamente melhor quando tinha amigos para o fazer em minha casa ou na deles.

Hell-p me!

Mas não só de metáforas e diversão vos consigo comparar estes dois modos: pese ter três níveis de dificuldade, Thrash Sailors é bastante desafiante para quem joga a solo. Embora os níveis introduzam obstáculos gradualmente (especialmente combate), desde início é preciso: navegar a jangada, que precisa de ir do ponto A ao ponto B sem chocar contra obstáculos pois pode afundar; ‘pescar’ lixo para a nossa misturadora improvisada, que nos permite ganhar recursos para aprimorar a embarcação entre níveis e ter recursos para a reparar durante a travessia para que chegue inteira ao destino; fazer as várias reparações; subir ao mastro para manter os faróis acesos nas secções mais escuras da travessia; encher de porrada as criaturas que se atravessam no caminho ou tentam a abordagem à jangada. Ora, jogado a solo, no mínimo alguém (nós ou o robô) deve estar ao leme enquanto a outra personagem se ocupa de tudo o resto. A única solução que se revelou eficaz enquanto jogava foi de colocar o robô ao leme, sendo preciso carregar nos gatilhos do comando para virar à esquerda ou direita (e às vezes dar um pulo com o marinheiro para acentuar a curva). O robô pode ser colocado a recolher lixo, mas não faz mais do que uma tarefa de cada vez, pelo que precisa de alguém que o coloque na misturadora e o defenda dos monstros.

Mesmo na dificuldade mais baixa, alguns níveis foram bastante desafiantes com a gestão acima descrita a cargo de um só jogador. As possibilidades abrem-se muito mais com dois a quatro jogadores, em que cada um pode estar a cargo de uma tarefa e vai berrando indicações aos outros no chat. Como eu, o nosso querido líder, e claro, Rude Parreira.

Não sei se é o facto de a maioria dos jogos nos forçar a tutoriais (eu já tinha jogado mas os meus camaradas de convés ainda não), se o estágio actual de Thrash Sailors ainda precisar de algumas afinações, a verdade é que entre os três precisámos de reiniciar o jogo um par de vezes para estarmos todos ligados em condições e andámos à deriva em níveis implacáveis para três grumetes que ainda não dominavam mecânicas exigentes.

Nada a ver, mas um interessante crossover que a designer do jogo fez no Twitter aquando do lançamento do também polaco Cyberpunk 2077.

Uma vez escolhidos os níveis adequados – a coisa vai de uma relaxante cidade caótica, passando por um ártico tenebroso até a um inferno digno de Tolkien repleto de monstros – rapidamente o potencial do jogo se nos abriu. A tinyBuild foi gentil o suficiente para ceder códigos a todos, mas a verdade é que não precisam: há remote play, logo apenas um dos até quatro jogadores precisa de ser dono de uma cópia. Imensamente convidativo ao cooperativo.

Não só dividimos os deveres de convés entre todos, como cada um pôde escolher o personagem com que mais identificou – eu fiz de francês malcheiroso, mas exímio navegador, o Ricardo de um simpático, demente, mas mecanicamente equilibrado idoso americano e o Parreira de um jovem alemão, barrigudo, bruto e perito em aviar porrada. Tirem ou não conclusões destas escolhas, a verdade é que se nota bem em quanto tempo demoramos a aviar nos intrusos ou a virar para cada lado a jangada que os personagens não são só reskins e devem ser escolhidos criteriosamente para o estilo colaborativo e de nível que vamos enfrentar.

“Oh Óscar, olha-me aí essa árvore…!”, disse o Ricardo, nesta altura com um ping de 270 milissegundos.

As mecânicas são exigentes. Sim, joguei em solo e cooperativo, e sou levado a concluir que o futuro de Thrash Sailors está no cooperativo. Não que não seja interessante enfrentar as travessias com o nosso personagem e um robô, mas é demasiado exigente e divide-nos demasiado a atenção para tanto do que se passa na jangada e fora dela, ao ponto de sacrificar a nossa diversão. Merece a vossa atenção se estiverem numa de aventura estrambólica com uns amigos, ou se a vossa pancada for fazer uma gestão maluca da jangada por vossa conta. A arte desenhada à mão é muito apelativa – pese ser à base de lixo – e corre bastante fluído em muitas máquinas, como o meu portátil dinossauro pôde atestar.

Com lançamento previsto para 13 de Dezembro, Thrash Sailors é o primeiro grande projeto da Flucky Machine, uma dupla de developers na Polónia: uma é responsável pela belíssima orientação visual do jogo, o outro faz…bom, faz “o resto”, segundo os próprios. Com uma comunidade muito entusiástica (se assim não for, perde-se logo o cooperativo), é uma grande adição ao já respeitável catálogo da Tinybuild. Gostava de ver mais uns bots para ajudar na campanha a solo, mas quiçá essa escassez seja propositada para encontrarmos um par de compinchas para jogar, que é onde este jogo melhor realiza o seu potencial.

Icem a âncora!