Há momentos em que conseguimos ver o lado mais terno e sensível do nosso querido líder. Desta vez reparou que tinha em mãos um jogo que era a minha cara e deu-mo. Nem me disse que era para falar sobre ele, era só uma prenda, mas Against the Storm é uma verdadeira pérola que me caiu no colo e que, infelizmente, parece estar a passar ao lado de toda a gente. Não posso ficar calado.
O segredo de Against the Storm é ser um city builder roguelite. Sei que em todo o lado há misturas de géneros, mas nunca me pareceu que estes dois pudessem combinar.
A componente de city builder é mais ou menos convencional, jogando-se da mesma forma com a construção de edifícios com diferentes propósitos, a diferença é que aqui, nas dificuldades mais fáceis, as necessidades da população podem não ser prioritárias (frequentemente até as ignorei), sendo o objectivo satisfazer todas as missões entregues pela Rainha antes que a sua paciência se esgote. Caso consigamos, a nossa aldeola fica estabelecida, caso contrário vai tudo ao ar. No final de cada tentativa que, consoante a nossa sorte com o mapa e objectivos, dura entre hora e meia e duas horas, ganhamos itens que nos permitem desbloquear melhorias aos nossos atributos, ou desbloquear novos edifícios que são essenciais em níveis mais avançados.
A minha maior questão antes de jogar o jogo era esta noção de finitude, de recomeço, de repetição nauseante das mesmas acções vezes e vezes sem conta, sem aparente alteração da mecânica e desafio, num género em que perspectivo sempre a infinitude da jornada. Isto foi preconceituoso, já que o que aconteceu foi ter ficado completamente embrenhado desde a primeira vez que joguei, e isso acaba por ser estranho por mais que uma razão. Até tenho que admitir que o jogo, embora permita ser jogado de forma mais ou menos convencional, se torna algo banal quando o fazemos, perdendo praticamente todo o seu charme.
O que notei é que o progresso que vamos tendo é lento e, duma forma geral, pouco perceptível. Aquela ideia que repetimos muitas vezes a mesma coisa é real. Eu acabei por seguir sempre uma estratégia similar em todos os níveis, que se revelou mais que suficiente para ganhar sempre nos níveis mais fáceis, mas não boa o suficiente quando passei para dificuldade difícil, aqui também fruto de ainda ter muitíssimo para desbloquear na árvore de habilidades, e alguns edifícios aos quais ainda não tenho acesso, mas essencialmente porque jogava de forma completamente errada, ignorando os habitantes do meu vilarejo, e isso não se compadece com vitória quando as coisas apertam, bem pelo contrário. Aqui já é a população quem nos salva.

As trocas comerciais são, por vezes, essenciais à nossa sobrevivência.
O próprio acto de recomeçar muitas vezes é um desafio, já que para além de todos os mapas serem randomizados, cada um com determinado tipo de recursos, também os edifícios a que vamos tendo acesso nos são dados dessa forma, aleatoriamente. Ora, este ponto é importante porque faz com que cada run seja, de certa forma, diferente. Com o tempo fui começando a perceber que ao escolher certos edifícios teria forçosamente que escolher outros de forma encadeada. Nunca podemos ter tudo.
Essas escolhas de edifícios estiveram intimamente ligadas à escolha de missões dadas pela Rainha. Saber escolher de forma metódica é bastante importante. Com o tempo percebi que escolher sempre a missão mais fácil nem sempre era o ideal. Concluir muitas missões em pouco tempo só para depois estar uma hora sem conseguir ir a nenhuma não é a maneira óptima de jogar, até porque a paciência da Rainha vai desaparecendo se estamos muito tempo sem lhe satisfazer as necessidades, pouco importando o que já fizemos antes. Esta Rainha ou é um traste ou tem doença de Alzheimer, já que mal lhe enviamos um recurso, ela esquece completamente o que já fizemos por ela.
Cada mapa tem muitas zonas ocultas que quando acedidas muitas vezes também podem funcionar como uma atenuante da impaciência real, e muitas vezes joguei com isso dessa forma.
Neste mundo está permanentemente a chover. Há três espécies no tabuleiro, Humanos, Lagartos e Castores. Cada uma delas tem tarefas que faz melhor e cada uma delas responde de forma diferente às estações do ano. Somando a isso, cada ano que passa há um multiplicador de dificuldade que faz com que todos os habitantes tenham menos vontade de ficar. Esse multiplicador tem um limite, a certo ponto deixa de piorar, mas usualmente não chegamos a esse ponto. Cada novo ano traz mais habitantes independentemente da nossa evolução ou condições. Há buffs e debuffs intrínsecos a cada mapa, esses aparecem desde início, outros vão surgindo consoante vamos jogando. Muitas vezes são esses que nos dão o empurrão que falta, outras vezes não ajudam quase nada. É uma questão de sorte, que mesmo não sendo importante nos níveis mais fáceis, é extremamente importante nos mais difíceis. E mesmo a progressão na árvore de habilidades não funciona como factor de equilíbrio como noutros jogos, arrisco dizer que algumas vezes até nos cria mais coisas para pensar do que simplifica o trabalho.

Antes de começarmos nova aventura, podemos sempre escolher algo para levar connosco.
Há biomas diferentes, cada um deles com diferentes quantidades de diferentes recursos, ou seja, o que em alguns é raríssimo, noutro pode ser abundante, e isso também baralha um pouco a nossa estratégia, especialmente se os edifícios que nos calham não casam com os recursos que temos e, sendo assim, mesmo se o nível for mais fácil já pode ser mais duro concluí-lo.
Against the Storm parece também estar a passar pelo mesmo problema doutra pérola, Airborne Kingdom. Ambos foram lançados exclusivamente na loja da Epic. Eu entendo a necessidade dos developers garantirem os fundos para concluir ou segurar o seu trabalho, mas possivelmente isso tem custos futuros. Se financeiramente isto pode ser óptimo, mesmo o próprio estúdio pode passar por baixo do radar a muita gente e isso parece ser aqui o caso. Encontra-se, proporcionalmente, pouquíssima coisa sobre o jogo numa simples pesquisa online. Foi esta a razão de ter escrito este artigo. Fica um registo escrito que alguém o adorou.

Cada nova descoberta pode trazer eventos que temos de investigar.
Escrevi porque já sei que costumo parar de jogar após escrever, mas já com este artigo escrito não consigo resistir. Estive a jogar até à 6 da manhã a noite passada. Era para acabar um nível que deixei a meio, mas reparei que só faltava mais uma aldeia para terminar uma etapa. Calhou-me um nível bastante difícil, com missões que não foram muito equilibradas. Optimizei tudo ao máximo. Tive um debuff que me matava imensa população, caíam que nem tordos. Num momento mais difícil eu suava. Suava mesmo, dado este sentimento de urgência, de falha eminente, de aproveitamento ao milímetro de cada recurso. Talvez há uns 5 anos joguei um joguinho pequenote que acabou por me dar a mesma sensação, Infested Planet. O jogo era completamente diferente, mas ontem quando finalmente consegui magicar uma forma improvável para conseguir concluir o nível, senti aquele orgulho bacoco que apenas o outro jogo me havia proporcionado anteriormente.
Ao combater a fórmula padrão do género, Against the Storm é para mim um jogo genial, sem qualquer dúvida um dos meus jogos preferidos do ano, se não mesmo o meu preferido. É possível que se não fosse o Indie X eu nem tivesse ouvido falar dele. Sejam ou não fãs do género parece-me que este jogo tem tudo para agradar a imensa gente e é uma recomendação facílima da minha parte aliás, até incentivo que joguem isto. Estou a falar mesmo a sério, joguem isto!