Eis alguns factos sobre azeite. É um dos produtos de excelência em Portugal. É adequado para cozinhar, temperar alimentos ou deixar numa taça antes da refeição sob forma de azeitona, essa esfera asquerosa que me provoca arranques no estômago. É ainda a base figurativa da expressão azeiteiro, uma coisa intrinsecamente portuguesa mas que nós, descendentes de Viriato, sabemos que existe por todo o mundo.

Realmente vejo menos azeiteiros do tuning nos dias que correm. Quando há dois anos estive nos Açores, ainda encontrei uma certa preponderância para essa estirpe de ser humano em S. Miguel. “Ah, isso são rabo-pexinos”, dizia uma amiga, referindo-se a uma zona da ilha historicamente desfavorecida e à qual tentava atribuir um VW Golf dos anos 80, rosa-choque com nuances de amarelo, rebaixado e com um tubo de escape que faria o ânus da Érica Fontes corar de vergonha. Como este, encontrei outros exemplares.

Não era bem bem assim, mas não andava assim tão longe.

Este produto de orgulho nacional está, infelizmente aos olhos deste redactor, em vias de extinção no que aos jogos de corrida lhe compete. Outrora em alucinantes mudanças de caixa com Need for Speeds desde Underground a Carbon, Midnight Club ou até o menos pujante Juiced, o único tuning que restou foi o da performance, à medida que a febre do street racing caía, quase tão depressa como a popularidade de Fast and Furious que tudo isto alavancou. Forza Horizon 5 é para mim o melhor exemplo dos tempos que correm nos jogos de corridas.

Eis um jogo amplamente aclamado pela crítica, ao qual eu e mais uns companheiros de galinheiro demos honras de GOTY, é o melhor exemplo de um sandbox de corridas de sempre e tenho-me divertido bastante com ele. Tudo o que tenta fazer faz muitíssimo bem, mas falta-lhe…azeite. O que é que eu também queria, mesmo? Carros amplamente personalizáveis, não apenas meia dúzia de modelos onde podemos escolher várias peças cosméticas que influenciam bastante a sua aparência, para aliar à era dourada das comunidades online onde as opções de pintura e vinil são quase ilimitadas. E, já agora, um sistema de progressão mais contido, quer em função dos carros, quer em função das missões. E ter Fast and Furious como mote. Vamos por partes…

O cavalheiro João Machado que me perdoe, mas não consigo olhar para Forza Horizon 5 como um RPG de corridas. É certo que se lhe juntarmos o rótulo de sandbox, todo o mapa aberto desde início, a quase totalidade dos carros disponíveis desde que tenhamos créditos suficientes e a possibilidade de os melhorar ao limite desde os primeiros minutos legitimam essa abordagem. Chamem-me antiquado, mas vejo este jogo mais como um parque de diversões onde posso fazer o que me apetecer do que como uma experiência em que desenvolvo uma narrativa, um carro ou uma qualquer especialidade de corrida – falta nele um crescendo de progressão que o simples desbloquear de novos festivais não me satisfaz.

A Playground Games também tem pessoas que gostam de Fast and Furious – Forza Horizon 2 teve toda uma expansão dedicada ao sétimo filme da franquia.

Para mim, elementos RPG em contexto de corridas envolvem ou começar com um chaço e A. Fazer aos poucos desse chaço um foguete ou B. Ir tendo capacidades de aos poucos trocar o meu chaço por viaturas mais possantes, por via da jogabilidade. Em Forza Horizon 5, nos primeiros 15 minutos podemos arranjar uma viatura para nos levar aos 300 km/h. Qualquer parte do mapa está desbloqueada também. A aposta da Playground Games é bastante acertada para o que tenta fazer e o público a que quer chegar: algo óbvio pelo sucesso do lançamento.

Com um perfeito sandbox de corridas arcada se chega ao máximo de público possível: os que só querem correr, os que só querem rali, os que só querem pista, os que só querem avacalhar e os que só querem o que quer que seja. A consequência de este jogo não aprofundar demasiado em nenhuma das suas vertentes é natural e, arrisco, necessária tendo em conta a sua abrangência. Ainda assim, há várias coisas que estão ao nível ou acima de qualquer coisa antes feita: pintura de carros, tuning de performance em contexto de arcada e um mundo aberto repleto de variedade, diversão e liberdade. Quase todo o cenário é destrutível, a sensação de velocidade está lá e com qualquer carro atravessamos qualquer terreno mesmo que pudéssemos ter escolhido uns pneus ou suspensão melhores. Neste ponto, Forza Horizon 5 acertou mais uma vez na mouche naquilo que falta a tantos outros jogos de corrida – esse mundo aberto, cheio de vida e variedade, que faz tudo o resto sobressair. Claro, não vi ninguém apontar que faltam peões nas ruas, como chegaram a fazer com alguns Need for Speed ou The Crew, porque não fazem falta nenhuma – simplesmente está lá tudo o resto que verdadeiramente importa. Este é, para mim, o melhor mundo aberto de corridas desde os hub worlds de Midnight Club 3.

É possível que abrir as opções de tuning seja para a Microsoft como entrar nesta tempestade.

Ainda na questão da superficialidade, eis que chegámos ao azeite da questão. Tuning, chunning ou o que lhe quiserem chamar. Tirando um par de anos da minha adolescência, nunca almejei ter um bólide todo quitado na vida real. Em contexto de videojogo, continuarei sempre a almejar. O tuning é para mim o culminar de qualquer fusão de elementos RPG num jogo de corridas. Pensem no veículo como o vosso personagem, os desafios como os vossos combates. Querem tanto subir-lhe os stats como escolher as armas, fatos e acessórios, ou não querem? Um Ford Mustang pode ser tanta coisa para tanta gente: um monstro da pista, uma lenda da NASCAR ou um brinquedo de rua. Se FH5 nos deixa pintar os carros à nossa vontade, para quê limitar-nos em apenas dois ailerons e um pára-choques?

Ainda sobre a expansão FF de FH2.

A resposta pode ser no trabalho que isso dá. Se no caso das pinturas 90% do trabalho do estúdio foi dar ferramentas à comunidade de partilhar a sua criatividade, no caso das peças cosméticas o desafio é maior. FH5 tem mais de 500 veículos. A forma como cada peça se enquadra em cada um é única. Os primeiros Need for Speed que se aventuraram nisto tinham pouco mais de 30 carros, os últimos rondam os 60. Números perfeitamente respeitáveis para os seus contextos – e para permitirem esta personalização – mas que dificilmente se ajustam à filosofia de FH5, de dar toda uma liberdade e variedade ao jogador. Não há muitos momentos decepcionantes em FH5, mas um deles é encontrar um Dodge Viper todo podre num celeiro mexicano, ver que tem resquícios de peças únicas como um tubo de escape lateral e alguns elementos de drag e mais tarde perceber que, após o restauro, nenhuma dessas opções de personalização existe.

Podias ter sido uma delícia, Viper…

Se calhar a Playground Games podia dar opções cosméticas amplas apenas num restrito conjunto de veículos (já só dá restritas opções cosméticas num ainda mais restrito conjunto) que o justificasse, já que tantas vezes vimos este tipo de jogos deixar-nos brincar com os imports japoneses mas deixar os supercarros italianos incólumes (não concordo, mas é melhor que nada). Se calhar além de apostar em novas áreas dos já exímios mapas, devesse haver também DLC para este tipo de expansão…

…ou se calhar esta ânsia de jogadores como eu não constitui a maioria da comunidade, que está perfeitamente satisfeita com a experiência dada até aqui. Com mais de 500 carros, já me sinto bastante disperso em querer explorar cada veículo e acabo por petiscar um pouco de cada – e essa tendência não parece ir ao encontro de criar imensas peças de modificação para tanto carro, nem de nos fazer querer personalizar cada centímetro do chassis.

Será que têm medo de o azeite estragar este Castrol Syntec sobre tela?

A minha tese com este texto é a seguinte – fazer tuning a um chaço é o mais RPG a que um jogo de corridas pode almejar. Fazer tuning a um chaço é o elemento mais gaming que um jogo de corridas pode ter. Gozam com o Fast and Furious, mas todos gostam de fazer assaltos ao volante (olá GTA V, essa pérola cross-gen PS3/4/5) ou fugir à polícia – quão gamer seria podermos montar um foguete ao nosso Peugeot 206? Ou dar-lhe um kit anfíbio (já agora, muito elegante em FH5 todos os carros andarem dentro de água, já que todos os locais aquosos têm só 50cm de profundidade)? Ou dar-lhe um kit aeroespacial (Final Fantasy XV, estou a olhar para ti)? The Crew 2 foi o mais ousado que já vi em tentar levar uma ideia destas mais longe – até lhes sugeri depois da beta fechada apostarem em naves espaciais – mas falharam em muito do essencial.

Imaginem um mundo aberto como só a Playground Games mostrou saber fazer, com o azeite automóvel dos primeiros três Fast and Furious, o azeite narrativo dos últimos seis, as mecânicas RPG dos melhores Need for Speed e a loucura dos três estarolas do Top Gear/The Grand Tour e têm o vosso jogo de corridas arcada perfeito – Forza Horizon 5 é tremendo, mas se não tem cuidado vai estagnar nos próximos anos. Eu sei que vocês também querem jogar aos azeiteiros, mesmo que tenham vergonha de o admitir.

Azeitemos, irmãos.