Nota do editor: este artigo contém spoilers à história de God of War [2018].

Podia perfeitamente copiar a introdução que fiz para Halo Infinite para God of War. Desta vez só joguei o primeiro e o segundo God of War, mas aqui a diferença é que o Santa Monica Studio sempre afirmou que esta o jogo tinha levado com um reboot tão grande nas orelhas que parecia outro. Para mim este sempre foi um system seller e quando o querido líder me perguntou se eu gostaria de jogar algum jogo da SONY mal comprei a PS5 foi este que mencionei como uma navalha de ponta e mola.

A minha curiosidade com o jogo era gigante. Quando saiu levou com notas 10 a torto e a direito, mas do que conseguia ver não havia propriamente algo que o justificasse. Nunca mergulhei muito na história pois sempre tive a secreta esperança que os rumores que iria para PC fossem reais. Acabei por jogá-lo ainda antes disso, mas agora que lhe meti as mãos em cima percebi que o jogo não é bom pelo que diz, mas pelo que não diz. Aqui é que está o ponto inteligente e que apenas atingi ao chegar ao fim. God of War conduz-nos ao longo de quase 35 horas para apenas no final percebermos ao que vamos.

Este jogo é de 2018, por isso creio ser seguro o suficiente escrever este artigo. Não é uma análise, é mais uma experiência. Vai ter spoilers. Bastantes. Considerem este aviso caso não gostem disso e parem de ler. Se procuram um bom artigo o melhor é passarem os olhos pelo que a Alexa Ramires escreveu e acabou publicado no Observador.

Sempre pensei que este reinventar da franquia fosse sobre parentalidade. Assumo que passei parte do jogo a comparar a minha falta de paciência com a posição de Kratos, embora o pior que possa ter para esconder dos meus filhos sejam algumas revistas Gina que eventualmente tenha perdidas em algum sítio.

Desde o início do jogo senti que algo não estava bem. Atreus era um nome que não batia certo. Por norma há uma lógica na escolha dos nomes dos personagens, mas este não estava a perceber. Na mitologia Grega Atreus não mata o seu pai, é morto por aquele que criou como sendo seu filho. Certo que isto seria muito directo num jogo cravejado por patricídio em todo o lado, talvez eu estivesse de certa forma a duvidar que o jogo podia mesmo ser tão bom como diziam.

O que esperava era uma conjugação fluida entre o gameplay e a história, mas embora eu tenha de admitir que o uso do machado seja bastante satisfatório, muito melhor do que parecia nos vídeos, a verdade é que o jogo ficou muito mais divertido quando fui buscar as Blades of Chaos, armas emblemáticas que Kratos usou no primeiro jogo. Essa foi também uma pergunta que não vi respondida no jogo, como é que estas voltaram a aparecer?

A maneira como o jogo está estruturado realça bastante a sua qualidade gráfica e enaltece muito dos detalhes do que acontece perto de nós, mas deixa a câmara numa posição esquisita que foi equilibrada pelo uso de pirilampos a aparecerem-nos no traseiro para avisar onde andam os inimigos, mecânica a que me acabei por habituar, e a possibilidade de nos virarmos 180º com o toque num botão. A certo ponto isto tornou-se tão intrínseco que parecia que tinha jogado nesta perspectiva durante toda a minha vida, no entanto não apanhei essa magia. Estava a falhar. Continuava focado em seguir a excelente história de parentalidade. No fundo o jogo estava a ser isso mesmo para mim, uma história de parentalidade com combate e exploração atrelados.

A mitologia nórdica nunca foi bem documentada, por isso sempre fui algo permissivo com a maneira como algumas das histórias eram contadas, mas God of War abusava. A certo ponto pareceu-me tão rebuscado que até voltei a ir buscar o meu livrinho para reler algumas passagens e confirmar as minhas ideias que ainda tinha mais ou menos presentes de quando o fui ler ao jogar Valheim.

Admito que me senti um bocado como o nosso querido líder. Estava a ser pretensioso e devia estar a aproveitar a história em vez de estar a tentar desmontá-la, mas era impossível perceber antes de chegarmos ao final, momento em que finalmente sabemos que Atreus é afinal Loki e só aí percebemos que toda a história do jogo teve de ser adaptada para contornar o facto dele não ser nascido, mas estarem a ser relatados eventos causados por ele ou pela sua descendência, sendo o caso mais evidente o da Serpente do Mundo que é sua filha, reenviada para Midgard através duma viagem no tempo. Posteriormente entendemos a frase desta ao dizer que Atreus o fazia lembrar alguém.

Mesmo durante o jogo Atreus, a certo ponto, refere que os símbolos que seguimos ao escalar paredes são a escrita da mãe. Não voltei a pensar nisso até muito perto do fim, quando ele o menciona de forma muito mais evidente. Neste ponto já sabemos que Feya era afinal um gigante, e Atreus acaba por ser metade deus, metade gigante, uma mistura de duas culturas que não se podem ver nem pintadas numa parede, fruto da obsessão de Odin em impedir que o destino se materialize, uma guerra criada para impedir que este seja morto por um gigante. Mesmo isto me causou um pouco de espécie, dado que tinha para mim que Loki era filho de uma deusa, Laufey. Mas hey, jogo, jogo, jogo. Aguenta aí os cavalos, fecha a Wiki, volta ao comando.

Feya ser um gigante criou mais uma data de perguntas. Afinal o que Baldur procurava no início do jogo era Feya, não sabendo que esta tinha morrido, mas ao mesmo tempo, associado esta nova informação ao que sabemos acerca do caminho que percorremos, percebemos que a nossa jornada já havia sido feita por ela anteriormente. Numa observação directa seria para nos guiar, mas também me deixou a pensar na magnitude do seu poder, fazer uma jornada tão difícil como esta, se bem que não sei se a terá feito sozinha, ou mesmo se a fez “ao contrário”, na vinda já que sabia que o destino os iria forçar a fazer essa mesma viagem no futuro.

Quando já muito perto do fim do jogo, ao observarmos os painéis em Jotunheim e percebermos que tudo o que aconteceu já estava destinado, ficamos com um dos painéis por explicar, aquele em que Atreus segura um corpo, aparentemente morto. A minha ideia inicial foi a do regresso ao patricídio, mas mais tarde voltei a ver as imagens e percebi que o boneco não parecia Kratos. Se Kratos fosse apenas representado nesse painel eu nem reparava, mas considerando a sua representação mais convencional em todos os outros eu fico com a dúvida se será um Kratos mais velho, ou outra personagem da trama.

Aqui aponto a minha resposta mais emocional ao saber que Atreus era afinal Loki. Loki raramente é representado de forma positiva, normalmente é um velhaco invejoso, mas a maneira literal como é usada a sua personagem é na introdução de mudança. Sempre que se queria mudar alguma coisa, lá estava Loki a armar confusão. E se ele tinha forma de criar confusão, ohh se tinha!

Estou então a chegar ao ponto inicial. God of War aponta-nos sempre o caminho mais simples. Já mostrou que Atreus pode mesmo ser um velhaco invejoso e egoísta, já mostrou que pode, num assumo de raiva, matar Kratos, já mostrou, ao tornar Baldur mortal, que o Santa Monica Studio pode muito bem colocá-lo a representar os seus actos da mitologia, mas não pode ser. Vão voltar a mostrar o lado mau de um personagem como já se fez com Ellie?

Dediquei-me a procurar na internet algumas teorias, mas nenhuma era tão específica como a minha. Aproveitei muitos dados que fui tirando de muito lado, como que a forçar o meu ponto de vista, alguns já enfiei no texto à socapa só para não me sentir tão só no meio disto tudo. Atreus não pode ser mau!

Neste momento eu acho que God of War não tem uma história de parentalidade, tem uma história de mudança. A mudança de Kratos, a mudança de Atreus, a mudança da história, a mudança da maldição do patricídio, a mudança como todos mudam todos, a mudança do destino.

Já há alguns pontos na história que me apontam para isso, como a forma como viraram a sala da Árvore dos Reinos para acederem a Jotunheim, mas admito que o que mesmo me deixou a cismar nisto foi o tal último painel do qual já falei.

Com isto admito que fiquei mesmo a querer jogar Ragnarok, evento que despoletámos nesta entrada. Para mim o foco deste jogo será certamente Atreus, duma forma ou de outra. Será ele colocado perante uma grande decisão? Será que a personalidade que emergiu quando soube que era um deus voltará a emergir?  Será que estou só a ser pedante e, no fundo, o que vai acontecer é a história seguir o caminho natural e Kratos acabar morto? Afinal há tantas indicações neste jogo que até apontam para isso mesmo.

Serei só eu a esperar muito mais deste próximo jogo do que eles alguma vez prometeram? Será que isto é meramente uma confabulação manhosa?

Não sei, mas o que consigo dizer é que percebi finalmente o quão especial God of War realmente é. Efectivamente não é daqueles jogos que consiga ser julgado pela capa, até porque tão importante como aquilo que mostra é aquilo que deixa escondido, e mal posso esperar para ver o que aí virá.