Já todos sabemos que sou fã de aventuras-gráficas, em especial da LucasArts, e que até se vê pelo nome do site essa paixão, e bláblá de frases que já repeti mais vezes do que o meu NIF em cafés, mas talvez algo que poucas vezes admiti é que essa minha paixão sempre teve um calcanhar de Aquiles. Joguei praticamente a tudo o que a LucasArts lançou com uma excepção: Sam & Max. E não é por não ter tido acesso ao jogo original de 1993, que trouxe para um mercado ainda mais global a banda desenhada criada por Steve Purcell em 1987. É mesmo porque não o conseguia compreender.

O meu problema com Sam & Max: Hit the Road, o primeiro (e único) jogo lançado na era da LucasArts é que por alguma razão toda a (aparente falta de) lógica deste título escapava à minha ausência das referências parodiadas, e por não conseguir entrar no train of thought mais surrealista do jogo. Um título cuja linha sequencial de resolução de puzzles raspava muitas vezes o surrealismo e de que ia mais longe do que qualquer outro jogo da LucasArts mas que de muitas formas… não me cativou.

Seria apenas com o meu amadurecimento e com a oportunidade que a trilogia desenvolvida já neste milénio pela Telltale Games que eu finalmente reencontraria Sam & Max, e perceberia tudo aquilo que tinha falhado.

Desde 2020 que a Skunkape Games está a lançar, por ordem cronológica, versões remasterizadas dos três jogos da Telltale Games. Mais uma oportunidade para mostrar a tantos jogadores (dos quais eu fiz parte) do porquê do impacto e importância destes dois personagens tresloucados não só na indústria dos videojogos, mas da cultura pop como um todo.

Sam & Max: Beyond Time and Space foi lançado no mês passado, ajustando-se perfeitamente ao período. Não fosse a Casa do Pai Natal um dos loucos cenários que visitamos com os nossos polícias freelancers.

Por ter rejogado este jogo recentemente, tenho cada vez mais a certeza que começar por este segundo jogo da trilogia (aguarda-se o remaster de The Devil’s Playhouse para este ano) é uma péssima forma de novos jogadores terem contacto com o brilhante e demente universo de Sam & Max. Não que o jogo não seja muito bom por si só, ou que só se justifique o seu usufruto por apoio da qualidade do jogo que lhes antecedeu e procedeu. Mas porque a quantidade de personagens que surgem sem enquadramento (o jogo assume que jogámos os jogos da série e que os conhecemos) e as referências a eventos do jogo passado podem de certa forma alienar quem estiver a chegar a Sam & Max pela primeira vez.

Não ajuda para isto o facto de Sam & Max: Beyond Time and Space começar in media res, com um robot gigante a espreitar pela janela do escritório dos dois imbecis detectives, sem termos grande percepção do como nem do porquê. Aceitamos essa loucura e os diálogos surrealistas e bizarros que fazem parte da construção de Sam & Max e seguimos caminho.

Aproveito para falar para o eu de 12 anos que contactou com Sam & Max: Hit the Road e desistiu: um dia vais ter jogos da série onde a resolução dos puzzles vai pender mais para um raciocínio lógico do que para a loucura desenfreada que te fez repelir o jogo.

Interrompendo o monólogo através do tempo e do espaço comigo mesmo, é interessante ver a diferença artística que existe entre as versões originais da Telltale e estas novas. Sejam os modelos e cenários completamente refeitos, mas é sobretudo as novas opções de iluminação que o fazem realmente brilhar visualmente. Contrastando com aquela estética tridimensional com uma iluminação básica e quase plana com poucos recursos da Season 2 de Sam & Max – que lhe serviu de base para a remasterização – o mundo que este Sam & Max: Beyond Time and Space traz o cão detective e o coelho psicótico mais famosos da História para uma brilhante direcção artística contemporânea.

Sam & Max: Beyond Time and Space é uma óptima versão remasterizada que não deve ser jogada de forma isolada. É quase obrigatório comprar Sam & Max: Save the World para conseguirmos compreender exactamente o que está a acontecer neste mundo, ainda que muitos eventos sejam frutos de um genial batido mental que faria André Breton comover-se.