Não esperem ler aqui a review de um jogo. CLT não é um jogo, antes uma experiência interactiva que podem adquirir na Steam. E como experiência é muito bem pensada, já que estica todos os limites daquilo que pensamos poder ser abordado e construído em formato videojogo.

Através de dez níveis com 24 cartas de tarot, vamos progredindo numa espécie de narrativa pensada por uma mulher. Escrevo pensada e não contada porque a sua falta de linearidade  assemelha-se mais a como uma pessoa estruturaria pensamentos apenas para si do que a uma articulação de linguagem a ser apreendida por outros. A cada carta corresponde um nome e um número de entre 24 e devemos escolher sempre entre duas cartas para progredir. Em cada nível os nomes das cartas seguem um tema – célebres sexologistas, nomes de homem, nomes de mulher, nomes andróginos ou até marcas de brinquedos sexuais. Cada nível retrata uma experiência dessa narradora: por exemplo, o primeiro contacto com pornografia em tenra idade leva-nos a navegar por entre cartas com nome de actores e atrizes da indústria pornográfica.

CTL está montado em torno de imagética abstracta e uma vaga banda sonora, algo esotérica. Não há nada de explicitamente erótico, pois os textos da narrativa têm gralhas intencionalmente cometidas e assinaladas, para que seja quase sempre possível ler as frases por associação verbal. Senti que esses 90 e tal por cento nos testes psicotécnicos de associação abstracta que fiz no preparatório me serviram para qualquer coisa. O objectivo dos nossos compatriotas da Not a Game Studio foi retirar qualquer referência explicitamente sexual para que não houvesse forma de o jogo ser formalmente censurado ou remetido para conteúdos para maiores de 18, uma ideia louvável para descomplicar o acesso a uma experiência que explora um tema tantas vezes tabu e fugir do preconceito de que os videojogos são uma experiência infantilizada.

E é por isto que sinto que CLT merece o meu respeito e nem me atrevo a formular trocadilhos com clítoris, tarot, interpretações de imagens rorschachianas à moda de Michael Bay em Independence Day (“isto parecem-me mamas”, “isto parece-me uma mulher nua”, etc.), pois não é o que este jogo merece. Estou longe de ser um entendido, mas depois da hora e meia que passei com CLT estou convencido de que se assemelha mais a uma experiência de fruição artística que nos faz refletir do que a um videojogo, pelo que far-me-ia perfeito sentido encontrá-lo como objecto interactivo numa exposição ou museu de arte contemporânea, numa versão mais curta.

A nível conceptual e visual nada tenho a apontar, pois CLT cumpre com a expectativa de ser uma experiência duradoura no jogador. Não me revi na maioria das experiências imaginadas nos diferentes níveis uma vez que me pareceram dizer apenas respeito à sexualidade da mulher, mas tentei estabelecer algum paralelismo com as minhas próprias experiências quando equivalentes, como quando a narradora descreve o desconforto e asco que sentiu no seu primeiro contacto com a pornografia. Não que ter esses sentimentos seja algo reservado a algum género, mas no meu caso nada teve a ver e isso deu-me que pensar.

Já mecanicamente algumas ideias não são bem concretizadas. Não faz muito sentido ao início como fazemos avançar a narrativa, e mesmo lá para o final apenas sei que estatisticamente devo tentar escolher cartas de nomes que ainda não encontrei como forma de avançar. Ainda assim, por vezes retrocedi na narrativa e tive de retomar uma sequência que muitas vezes pareceu arbitrária para concluir os níveis. Quanto aos temas de cada nível, o texto entendido por associação verbal, lá para o fim, torna-se imperceptível sem que se tirem vários minutos para decifrar as gralhas pelo que dei por mim apenas a tentar vencer o loop mecânico, o que não foi muito divertido ou interessante.

CLT, como não-jogo, não merece que eu aqui o recomende ou dissuada leitores de o experimentarem (há uma demo, mas também só custa 3 euros). Quem não está virado para experiências fora da caixa seguramente não tirará nada daqui, quem está pode ou não gostar da experiência. Se vos deixar a pensar, cumpriu a sua missão. A mim deixou-me a pensar quer no tema, quer no quão diferentes as abordagens a um videojogo podem ser.

Nota: a Not a Game Studio foi fundada pelo nosso ex-camarada de galinheiro Isaque Sanches, que gentilmente cedeu uma cópia para review através do sistema de Steam Curator. Como sou apenas um viçoso frango e nunca coincidi ou privei com este veterano galináceo, não há questões de idoneidade. É a segunda vez que escrevo este disclaimer, logo tenho nova desculpa para escrever idoneidade.