Já nos aconteceu a todos: olharmos para um jogo e andarmos deliciados em querer jogá-lo, tendo como única razão a forma cativante como a sua direcção de arte nos agarrou. O problema, a par das relações amorosas que começam pela atracção física sem mais profundidade para além disso, é que rapidamente esse encanto se esgota e o que fica é um arremedo de uma paixão que morre sozinha.
O paralelismo desta situação com os videojogos é, infelizmente, recorrente. De andarmos com aquela sensação de enamoramento com um jogo que nos conquistou apenas com a sua direcção de arte, e que rapidamente sentimos que o seu conteúdo não faz jus à sua apresentação.
Aquamarine, um promissor indie lançado no Steam na semana passada, foi um destes casos. Com uma direcção de arte que relembra a banda-desenhada europeia, em especial a arte do recém-falecido Mezières, mas também do próprio Moebius. Um jogo onde se sente a beleza a cada novo ecrã, como vinheta animada com uma paleta brilhante e suave que deveria contribuir para o ambiente mais pausado e relaxante que os Moebial Studios, mas que acaba por se tornar um invólucro bonito para uma desilusão mecânica.
Aqui temos um jogo de sobrevivência e exploração, num mundo coberto de água onde somos uma astronauta que se despenhou com uma cápsula de emergência, à procura da nave para voltar ao seu planeta.
Sendo um planeta maioritariamente composto por água, vamos passar muito tempo submersos à procura de combustível e comida para seguirmos viagem.
O jogo avisa-nos logo no início para cortarmos por completo qualquer distracção e tentarmos jogar Aquamarine completamente focados no seu jogo. O aviso de que as decisões devem ser refletidas, ponderadas, sem volta atrás, e que podem condicionar negativamente o nosso trajecto. E a realidade, é que isto acontece. Mas muito por culpa de decisões mecânicas estranhas.
A primeira parece-me um exagero de desequilíbrio de game design. Compreendo que cada movimento no “tabuleiro” exija que paguemos algo, neste caso cristais, que são o nosso combustível, mas com um desequilíbrio de recursos é possível que fiquemos sem cristais para mover a nossa cápsula para… recolher mais cristais. E sim, eu sei que esta é uma camada de desafio habitual em survival games, mas colide com a premissa inicial do jogo, adicionando um elemento muitas vezes injusto e dependente da aleatoriedade, a um título que se promete como sendo “relaxante”.
Outra sombra que assola um jogo tão bonito quanto Aquamarine são os muitos problemas técnicos, de o jogo ficar crashes sem ir abaixo e de não permitir qualquer interacção nos seus botões ou mesmo com os pontos de movimento marcados na grelha no fundo do mar.
Com um ambiente óptimo, mas mecanicamente fraco, Aquamarine é deslumbrante, mas pouco mais que isso. Um jogo que merecia uma outra qualidade em termos de game design e que, traçando paralelismos com relações humanas, resulta apenas numa paixoneta casual, aquelas ligações de atracção física que não evoluem para lado nenhum.