Lembro-me de estar a jantar em casa da minha tia e de o meu primo mais velho e o meu avô estarem a falar de uma cassete VHS que tinham arranjado, de um filme que se dizia serem filmagens reais de um grupo de investigadores que foram assassinados por uma tribo canibal. Devia ter perto de 4 anos, e fiquei curioso com aquela palavra que nunca tinha lido ou ouvido* e perguntei-lhes o que queria a palavra “canibal” dizer. A resposta deu-me pesadelos durante dias, ora não fosse eu já paranoico desde tenra idade.

Apesar de este não ser um artigo sobre o fenómeno dos found footage movies, aproveitemos para falar de canibalismo, da forma humorística e nada realista como os Rocket Vulture nos propõem a falar, num party game com ingredientes bem conhecidos.

Cannibal Cuisine, recém-lançado para PC e Switch, é Overcooked se este fosse pensado pelo Ruggero Deodato, o realizador de Cannibal Holocaust. Um jogo que cumpre o filão dourado aberto pelo jogo da Team17, mas que lhe adiciona uma camada mais negra à receita.

Um jogo de culinária cooperativo até 4 jogadores em simultâneo, que emula tudo o que Overcooked faz. Do ponto de vista da câmara, às receitas, passando pelo level design que torna tudo num cruzamento de Jogos Sem Fronteiras e Masterchef, com abismos, plataformas que se movem, entre muitos perigos que vão progressivamente sendo adicionados à medida que avançamos no jogo.

Cannibal Cuisine tem um semi-enredo ali por trás, ao sabermos que, enquanto membros da tribo que habita a estranhamente identificativa Cannibal Island, temos instruções para aplacar a fome e a raiva dos deuses HoochooBoo que despertaram de um longo sono.

Mas qual o ingrediente principal que utilizamos para os apaziguar? Carne. De humanos.

Os autores de Cannibal Cuisine nem nos querem a pensar muito no assunto. Num jogo com uma abordagem cartoonizada, a ideia de lutarmos, matarmos, cortarmos e cozinharmos os incautos turistas que por alguma razão acharam que era boa ideia e nada perigoso passar férias num local cujo nome é Cannibal Island.

Os turistas só nos atacam se forem atacados, e nem se estivermos a esquartejar alguém ao seu lado eles se defendem. Um Overcooked com uma superficial camada de combate, onde a nossa morte tem pouco impacto já que o respawn tem um tempo curto.

O ciclo é o tradicional: juntar os ingredientes, assá-los, retirá-los do lume antes que queimem, e entregar a um dos deuses HoochooBoo para receber a pontuação. Há também habitual rating de 1 a 3 estrelas em cada nível para que estabeleçamos um patamar de desafio para casa um dos 20 níveis.

Os nossos personagens têm equipamento e habilidades especiais customizáveis, mas rapidamente sentimos que o Dash é muito útil, não só para encurtar distâncias mas também para permitir a travessia rápida entre as diversas zonas dos caóticos níveis que aqui temos.

Apesar de todas as comparações com Overcooked, a realidade é que Cannibal Cuisine está bem distante do afinamento dos controlos daquele. Longe da forma como cada gesto dos nossos comandos está perfeitamente enquadrado com o que o nosso personagem faz em Overcooked.

Cannibal Cuisine é divertido mas não o consigo ver como pouco mais que um Overcooked risqué, menos aprimorado e menos criativo. Uma tentativa de navegar no barco de Overcooked adicionando o canibalismo como forma de chamar a atenção para si, sem adicionar praticamente nada à receita para que o resultado final tenha argumentos fortes que sejam só seus.

* comecei a ler com 4 anos de idade