Já não sei há quantos anos sou amigo do Ricardo, mais do que os que sou parte do Rubber Chicken, mas se há coisa que me lembro das nossas primeiras conversas e gostos comuns que foram a pedra basilar da nossa amizade foi a fracção de segundo de desilusão no olhar dele quando disse que não jogava League of Legends. Foram várias as noites em chamadas de Skype com várias pessoas das quais algumas jogavam LoL sem eu nunca ter tido o mínimo interesse pelo jogo. Não gosto de MOBAs mas é por isso nunca olhei para o universo criado pela Riot com olhos de ver. Até ver Arcane na Netflix.

Apesar de não ter conhecimento do universo em questão tenho mais de 30 anos de experiência de videojogos e quase 40 em TV, BD, Cinema e uma licenciatura em literatura onde estudei os clássicos e os cânones de narrativa e construção de personagens, por isso não fui capaz de ver Arcane como uma tabula rasa porque automaticamente reconheço o estilo de personagem pelo seu visual e atitude não só sendo um herói, anti herói, vilão, protagonista, antagonista ou personagem de suporte mas também se são tank, damage dealer, support, ranged, melee etc. é nestes campos Arcane não surpreende mas não é tão nitidamente cliché que se torna déja vu. Os personagens são tão individualmente ricos que mesmo quando são da mesma classe são completamente diferentes em quase todos os outros aspectos. Como Vander e Vi, ambos damage dealers mas mesmo com a relação deles são muito diferentes, Caitlyn e Jinx, ranged fighters que não podiam estar mais longe uma da outra em quase todos os aspectos.

Arcane é desde o primeiro momento estupidamente bonito. A arte da animação está anos à frente do que se faz neste estilo que eu chamo “semi-cel shading” porque não sei se há um termo técnico exacto. The Mitchells vs the Machines e mais alguns filmes e séries usaram este estilo mas nunca ao nível de Arcane. Sabendo que animação é cara e demorada, nem consigo imaginar o tempo e custo de produção da série. Mas não é só nesse aspecto visual que a série tem um ponto vencedor. Toda a sua construção de ambientes é exímia. O world building já devia estar feito tendo em conta que o lore estava criado para o jogo mas uma coisa é a fonte e outra é conseguir mostrar essa fonte noutro meio. Usem o exemplo da saga His Dark Materials, os livros têm o mundo e personagens criados contudo a série da HBO consegue transpor isso para o ecrã com uma qualidade muito superior ao filme The Golden Compass. Tirando o casting de Sam Elliott no filme que é superior a Lin-Manuel Miranda na série. Por melhores que sejam as músicas de Miranda, o bigode e classe de Elliott metem tudo o resto a um canto. Mas estou a fugir ao assunto. O mundo de Arcane é muito bem construído, não só conseguimos ver uma diferença enorme entre a superfície e o submundo, conseguimos ver logo quem pertence a qual dos “mundos” e onde pertencem nesses mundos. Tudo tem marcas. Não só cores e símbolos mas também marcas de uso e do passar do tempo.

O enredo da série está bem estruturado, as histórias individuais de cada um dos personagens têm foco suficiente para os conhecermos, termos interesse neles e não ficam arcos abertos tirando o cliffhanger final. Arcane surpreendeu-me pela positiva, sabendo muito pouco sobre o seu universo estava a contar com uma série de acção pura, cheia de combates. Que tem, e são todas muito bem coreografadas e animadas mas também são uma parte de relevância menor. Arcane é sobre seres humanos, sobre relações humanas entre governantes e governados, elites e povo, aliados e inimigos e também sobre amor. Amor entre pais e filhos, irmãos, amigos e ex-amigos e entre amantes. Essa teia de relações demonstrada com imensa qualidade é o que suporta a série toda. Sem ela seria apenas mais uma bonita série de animação baseada em jogos. E também por isso não é necessário jogar para se ver e gostar.

Adorei a série, estou ansioso por ver o resto seja quando for possível mas não fiquei mais interessado em jogar LoL. Fiquei sim interessado em explorar Runeterra e os seus habitantes de outras formas. Tentei Legends of Runeterra que apesar de ser dos melhores card collectible games que joguei recentemente não é algo que me apeteça investir o meu tempo mas tenho Ruined King na minha wishlist da Switch para comprar assim que tiver tempo livre (ou apareça com um bom desconto). Pelo que sei, a Riot tem planos para continuar este abrir do leque da sua criação para outros campos em jogos e não só e sinceramente fico contente por isso.