Já me ando a convencer de que Fire Emblem é mesmo a minha franquia favorita, ainda que Pokémon Legends: Arceus seja aquela ex-namorada que me pisca o olho a prometer que vai ser diferente. E como nos videojogos me considero poliamoroso, senti ter espaço para amar Dark Deity, esse óbvio clone da rejuvenescida saga da Nintendo. Mas aviso já que é daqueles amores que precisa de empenho, não o senti à primeira vista.

Dark Deity pega na base do aspecto de um Fire Emblem da era do GameBoy Advance – nas animações, mapas e sprites –, dá-lhe alguma robustez com a variedade dos objectivos da era NES e SNES, aproveita a ideia de classes da era Wii, junta o tipo de personagens bem dispostos vistos na 3DS e envolve tudo numa narrativa de arcos comuns desde a NES ao GameBoy Advance. Só o sistema de forças e fraquezas das armas, que envolve uma camada adicional com tipos de armadura, é realmente inovador. Pena que seja tão confuso que acabamos só por prestar atenção às setas de vantagem ou desvantagem que os nossos personagens exibem quando ajuizamos se devemos atacar um inimigo.

Já aqui expressei a minha admiração pelo génio de Shouzou Kaga, criador da série sem que muitos tenham jogado um único título seu, já que todos correspondem aos anos 90 em que Fire Emblem não saiu do Japão. Mas não sou daqueles fãs de longa data que critiquem a menor profundidade das narrativas de FE Fates, ou os personagens mais estereotipados de FE Three Houses. Gosto, de um modo geral, de como a série evoluiu mesmo que certos elementos de jogos passados fossem divertidos.

Ora, em Dark Deity, temos todos estes divertidos elementos do parágrafo anterior que me fizeram simplesmente querer disfrutar da maioria dos mapas, ver algumas animações espetaculares e melhorar a minha tropa de elite. Aquilo de que senti falta, senhores, foi cola. A história, pelo detalhe e profundidade que até tem, cai em muitos lugares comuns da série – uma calamidade mística global, gradualmente desmascarada por detrás de uma crise política medieval. Neste tom grave, os personagens têm uma onda demasiado legalize para o meu gosto. Com tanta crise e relações neste exército bastante vasto, que em quase todos os capítulos ganha novos recrutas, este universo não se entranhou o suficiente em mim. Tende para o genérico. Não ajuda alguns dos elementos visuais serem pouco trabalhados e por vezes repetitivos (particularmente nos inimigos).

Pode parecer que estou a pintar Dark Deity como um mau jogo. Bem longe disso. É mais a minha expectativa para um clone que se quer como carta de amor a Fire Emblem sair um pouco defraudada. Se eu sou daqueles que defende a morte permanente dos personagens (e passa a vida a fazer reset para isso não acontecer), isso tem afastado muita gente da série e o outro extremo do casual mode, de títulos mais recentes, tira muito do peso das decisões estratégicas de cada mapa. A engenhosa solução é a mecânica das feridas graves – quando ‘morto’ num mapa, um personagem perde 10% do total de pontos de um dos seus atributos (o atributo depende de que arma desferiu o golpe fatal). Pode literalmente ter perdido um dedo, mas volta na batalha seguinte. Há ainda a possibilidade de personalizar imensos aspectos da campanha, desde a dificuldade, a cadência com que ganhamos níveis e toda uma outra série de mecânicas que tornam a experiência única para cada jogador. Acima de tudo, são coisas que dão aos jogadores experientes de RPG de estratégia opções de diversão. Há imensos personagens e todos são minimamente viáveis.

Dark Deity é ainda uma prova do engenho de criadores indie. Charles Moore, a meio caminho dos 30 anos, fundou a Sword and Axe LLC e, com uma pequena equipa, lançou o seu jogo de estreia a meio de 2021 com apenas dois anos e meio de desenvolvimento. Teve a presença de espírito de utilizar um motor de jogo a meio caminho entre um RPG Maker e um benchmark Unity ou Unreal, como forma de recriar uma estética de GameBoy Advance (ainda que a combinação de sprites 2D com personagens estilo anime nos diálogos seja demasiado drástica, algo que WarGroove limou bem melhor). Poupou em animações mas focou-se na possibilidade de cada jogador poder fazer a sua experiência em sandbox. É certo que os personagens não me cativaram muito, mas ainda sobrou para escrever mais de 400 diálogos de suporte cujos benefícios contribuem para a estratégia e build individual de cada um.

Claro, falta-lhe polimento. Dark Deity é essa bela quimera cujas partes nem sempre parecem encaixar, mas tem um charme próprio que, ainda acredito, vai cativar mais do que apenas os ferrenhos adeptos de Fire Emblem. Prestes a chegar à Nintendo Switch a 17 de Março, este RPG de estratégia já trará mapas visualmente melhorados. Se na parte gráfica é onde o jogo tem mais por onde melhorar, o futuro promete para a Sword and Axe se o primeiro jogo já é uma coisa tão ambiciosa. Afinal, Shouzou Kaga ainda deixou aprendizes.