Estamos no ano de 2007, discutivelmente um dos maiores e melhores anos para a cultura dos videojogos, com títulos como Bioshock, Uncharted, Mass Effect e The Witcher a presentear-nos com os seus fantásticos universos de jogo. Não faltaram inovações. Não faltaram tentativas para promover o destaque de cada título ou pela sua história imersiva, pelas suas mecânicas inovadoras e fluídas, ou até mesmo ambos nos casos mais excepcionais. Mas deixemo-nos de rodeios que estamos aqui para falar de um título em específico, um que se destacou sem grande concorrência e que durante muito tempo se estabeleceu como uma referência… até que se viu a passar por uma crise existencial que o deixou moribundo. Vamos falar de Assassin’s Creed.

Logo pela história que quer contar, tem tudo para correr bem: o eterno conflito entre Assassinos e Templários, em que os primeiros procuram impedir os últimos de reunir artefactos de uma primeira civilização que os permitiria criar uma Nova Ordem Mundial, ditando um fim absoluto ao conceito do livre arbítrio. A isto junta-se a componente tecnológica que faz a ponte entre os dois períodos temporais: o presente, em que assumimos o papel de Desmond Miles, um Assassino que nunca levou esta realidade a sério e que foi raptado pela Abstergo; e o passado, em que através do Animus, um super-computador desenvolvido pela Abstergo que permite aceder à nossa memória genética, o que por sua vez permite recriar/revisitar momentos vividos pelos nossos antepassados.

Os dados estão lançados e a aventura começa. Conhecemos Altaïr Ibn-La’Ahad, um Assassino que se vê numa jornada de redenção após um plano precipitado e mal executado, nos qual ele violou os principais mandamentos da Irmandade de Assassinos:

  • Nunca atacar inocentes;
  • Não atrair atenções para si próprio;
  • Nunca comprometer a Irmandade.

E é nesta demanda que vamos conhecendo as mecânicas de jogo enquanto procuramos abater as elites da ordem Templária na altura da Terceira Cruzada. Altaïr é um assassino experiente, mas não é invencível. Procurar um conflito aberto resultará numa rápida derrota, pelo que é necessário conhecer o ambiente circundante e usá-la da melhor maneira possível. É necessário ouvir conversas para conhecer melhor o alvo e as suas rotinas, é necessário usar a multidão para passar despercebido, é necessário ter um plano de fuga após se consumar o assassinato.

Nos títulos que se seguiram, as mecânicas de jogo foram aprimoradas, alargando o leque de opções para garantir uma maior fluidez e liberdade. Ao mesmo tempo, apresentou-se aquela que, discutivelmente, é a personagem mais carismática e marcante de toda a franquia: Ezio Auditore da Firenze. Desta vez a história é mais pessoal, em torno de uma premissa de vingança após o assassinato do pai e irmãos do protagonista, que prontamente se tornará muito mais que isso. Acompanharemos o percurso inteiro da vida de Ezio, desde o seu nascimento, passando pela sua adolescência impulsiva, moldada e temperada para se erguer como Mestre Assassino; até ao seu inevitável fim.

Tudo mudou com o terceiro título e a suposta conclusão da história de Desmond, cujo fim pode ser visto ou como escrita preguiçosa ou uma forma de conseguir que os jogadores comprem os títulos que se seguiram na esperança de verem as suas questões respondidas.

O que daqui resultou foi a já referida crise existencial, com a Ubisoft a declarar um ano de pausa para poderem avaliar o próximo rumo da franquia. O mesmo ganhou a forma de um Action RPG, com a possibilidade de personalizar o/a protagonista bem como as suas habilidades e demais competências, de acordo com as preferências de jogo de cada um. Neste mesmo acto perdeu-se a essência que destacava Assassin’s Creed dos restantes títulos da concorrência, um stealth based action game com histórias profundas e emblemáticas, não só de crescimento pessoal, mas de ponderação de perspectivas, levando-nos a questionar sobre o nosso local e propósito no grande espectro do que se passa e que é controlado por forças que nos são estranhas.

Origins, Odyssey e Valhala são valiosos jogos de acção com elementos de RPG no seu direito, mas sente-se que o título Assassin’s Creed é apenas uma bengala para assegurar vendas quando o nome podia e devia ser outro qualquer. 

Nas palavras do Mentor: dizer que tudo é permitido é perceber que somos os arquitectos das nossas acções, e que devemos viver com as suas consequências, sejam elas gloriosas ou trágicas. 

Face ao rumo que a Ubisoft pretende, os próximos anos contarão sempre com vários títulos baptizados com o nome Assassin’s Creed. Já se falam em adaptações para um próximo, que contará com um mapa mais pequeno, provavelmente pelas queixas contra os mapas  enormes dos títulos anteriores que, na maior parte das vezes, estavam cheios de nada. 

Pode ser que com o tempo se regresse às origens e pegar num novo Assassin’s Creed volte não só a valer a pena mas também a fazer sentido. Contudo, mantenho a minha convicção que o melhor a fazer é simplesmente lançar um último jogo, atar todas as pontas soltas que sobram e concluir qualquer que seja a história que se quer ver contada. E com isto tudo feito, seguir em frente na busca de um novo IP que não precise de um título já estabelecido para prosperar.

Apesar de tudo, o nome Assassin’s Creed não passa de uma sombra do que já foi, e agora no crepúsculo da sua vida, temos que o reconhecer e preparar as despedidas.

Requiescat in pace, mio caro.