Em 2015 um grupo de amigos juntou-se para correr um jogo de Dungeons & Dragons num canal de Twitch e YouTube de seu nome Geek & Sundry. A expectativa não era grande, até porque ninguém contava que alguém estivesse interessado em ver episódios de 4 horas de Dungeons & Dragons… quão redondamente enganado estava este grupo de amigos, composto pelos voiceover actors Matthew Mercer, Marisha Ray, Laura Bailey, Travis Willingham, Liam O’Brien, Sam Riegel, Ashley Johnson e Taliesin Jaffe.

O impacto foi imediato, não tardando a ganhar uma notoriedade mundial, com milhares de pessoas a acompanhar os episódios em directo e a devorar os mesmos quando saíam nos respectivos canais no YouTube.

O que começou como sendo um pretexto para se rolarem dados e se contarem histórias tornou-se em algo muito maior. Critical Role estabeleceu-se como marca, Exandria, o mundo criado por Matthew Mercer, é agora canónico nos trabalhos da Wizards of the Coast; criou-se uma fundação de cariz social, e no meio de toda uma série de projectos, surge um muito desejado pelos fãs: a criação de uma série de animação.

A ideia inicial era simples: iniciar uma campanha no Kickstarter para financiar um único episódio de animação de meia hora. O mesmo estaria avaliado em 750.000$… e uma hora após a abertura oficial do financiamento foi o que bastou para se angariar um milhão de dólares. Face não só a isto mas também ao crescente investimento por parte dos fãs, o projecto culminou num total de 88,887 apoiantes e 11,385,449$, pelo que a equipa se viu mais que capaz de descartar a ideia de um episódio único e sim optar por uma temporada de doze episódios.

Ora bem, enquadramento feito. Vamos ao que interessa!

The Legend of Vox Machina segue a história do titular grupo de aventureiros pelo mundo de Exandria. Não se trata de uma história de origem, no sentido em que não nos é apresentada a história de cada personagem. Começamos com o grupo já estabelecido e como cresce a partir daí com as adversidades com que vão lidando, bem como com os conflitos/rivalidades entre os vários membros.

Sem querer revelar demasiado, os primeiros episódios tratam de nos apresentar o grupo de aventureiros e o contexto social em que estão inseridos: o de mercenários que não têm onde cair mortos e qualquer serviço pago é bem-vindo. A partir daí temos uma narrativa fluída que vai calma, mas cirurgicamente, preparar o enredo para um dos arcos mais adorados de Critical Role: o dos Briarwood.

A forma como a história é contada nem sempre é elegante, com alguns momentos de exposição (nomeadamente nos dois primeiros episódios) que parecem forçados. O ritmo por vezes parece demasiado rápido, o que por sua vez é compreensível, visto ter sido necessário comprimir uma série de episódios de quatro horas em doze episódios de vinte minutos. Fora isso, a acção é frenética e abundante, regada com momentos de interacção e desenvolvimento de personagens que mostram uma química brutal. 

Vindo de quem vem só seria de esperar que o trabalho de dobragem fosse excelente. Cada um dos protagonistas regressa ao papel da personagem que criou, permitindo que se recrie neste formato o mesmo tipo de sinergia perceptível nas sessões de Critical Role.

Outros actores de renome surgem a dar vida aos NPCs criados por Matthew Mercer (que dá a voz a algumas das suas criações) como é o caso de Anjali Bhimani (Overwatch), Grey Griffin (Avatar: The Last Airbender), David Tennant (Doctor Who) e Dominic Monaghan (The Lord of the Rings). O resultado é um equilíbrio constante nas dinâmicas de diálogo que concretiza quaisquer expectativas. 

A animação é fluída e altamente detalhada, ficando a impressão de que a fasquia atinge sempre um novo patamar após cada episódio. Há apenas um detalhe que, a meu ver, tem o seu quê de depreciativo, que é a inclusão de alguns elementos 3D, que se destacam fortemente da restante animação 2D. Sejam dragões ou as rodas de uma carroça, fica a questão de que, possivelmente, optar por um estilo uniforme teria sido uma melhor opção.

Contudo, não se trata de uma série de animação feita para crianças, algo que os momentos mais violentos e grotescos, sexuais, e os sempre presentes palavrões deixam bastante claro.

Não há lugar para censura em The Legend of Vox Machina e isto vem apenas dar-lhe mais personalidade.

Eram as personagens que faziam Critical Role e são elas que marcam The Legend of Vox Machina. Cada personagem, mais do que as típicas paletes de cores, tem uma forma própria de ser e de estar, cada uma carismática à sua maneira e sem qualquer tipo de sobreposição. Seja a química que se vai criando ou as animosidades que vão ganhando forma, é simplesmente delicioso vê-las a interagir umas com as outras.

The Legend of Vox Machina é o resultado do que se obtém quando um grupo de pessoas acredita numa ideia, e investe nela todo o seu apoio e paixão. Há algo de belo ao fazer o percurso inverso e reconhecer que tudo isto aconteceu apenas porque um grupo de amigos decidiu sentar-me à mesa para celebrar um aniversário e jogar Dungeons & Dragons.

É decididamente um projecto feito para os fãs, na medida em que será neles que irá surtir um maior impacto, e são eles que vão conseguir encontrar a pletora de easter eggs que povoam os vários episódios (juntamente com o jogo de “Onde está o Matt Mercer?”). Contudo, não é um exclusivo só para eles. Não é preciso ter qualquer tipo de bagagem sobre Critical Role ou Dungeons & Dragons para apreciar The Legend of Vox Machina.

Trata-se de uma história heróica de entrega e de superação. De autodescoberta e de entrega. De amizade e empatia. De heróis improváveis e plenamente imperfeitos contra o maior dos males.

A primeira temporada de The Legend of Vox Machina pode ser vista na Amazon Prime e, actualmente, conta com uma classificação de 8,5 no IMDB, 100% no tomatometer e 94% da Audience Score do Rotten Tomatoes.

Por aqui mal se pode esperar pela segunda temporada!