Quando eu era miúdo apenas comprava três jogos por ano, um no meu aniversário, outro no Natal. Num bom ano os meus pais ofereciam-me outro, mas isso não acontecia sempre, ou acabava eu por comprar com algum dinheiro que tivesse. Há que salientar que eu nunca tive qualquer mesada. Se precisasse de dinheiro para comida ou coisas para a escola o meu trabalho era pedi-las, mas não tinha folgas para gastar comigo. Usei este sistema até ir para o Ensino Superior, onde praticamente parei de comprar jogos.

Até hoje só comprei um jogo a full price. FIFA Road to the World Cup 98 para SEGA Saturn. 9990 escudos, cerca de 50€, todos os outros comprava nas promoções entre os 1990 e os 4990 escudos (entre 10 e 25€). Na altura não tinha forma de saber, mas o jogo que comprei no Natal de 97 seria o jogo que me ia matar praticamente todo o hype que anteriormente tinha por jogos. A arquitectura da SEGA Saturn era muito complicada e o FIFA Road to the World Cup 98 era bastante diferente daquele que eu via na televisão, muito inferior a todas as outras versões, com bonecos esquisitos e, muito pior que isso, uma física da bola execrável. Cada vez que tentávamos fazer um cruzamento ou um passe por alto a bola ia para a direcção que lhe apetecia, e qualquer relação com a imagem tipica dum cruzamento ou passe linear de FIFA era pura coincidência. Sega World Wide Soccer 98 era infinitamente superior, e a vontade de jogar o seu sucessor, World Wide Soccer 2000, quase me fez comprar uma Dreamcast quando comecei a trabalhar.

Embora talvez peque por defeito, o Gonçalo que jogou até ao ano 2000 não deve andar muito longe daquilo que é feito por rotina hoje em dia. Imagino que o jogador normal compre talvez uns 3 ou 4 jogos por ano. O seu Call of Duty, o seu FIFA e mais um ou dois AAA. Imagino sempre o FIFA ou o Call of Duty como o jogo que compram anualmente quando sai, sendo os outros um misto de saldo com um jogo que queiram mesmo.

Estes jogadores não vêm chorar para o Twitter.

Estes jogadores não precisam dum crítico para lhes dizer se o jogo é bom.

Estes jogadores não precisam propriamente que o jogo seja um candidato a jogo do ano.

Estes jogadores não precisam duma fórmula original a cada mês.

Com isto pareço os dois estarolas do outro podcast. Já vai uma página a meio e ainda não disse nada.

Estou a chegar a uma encruzilhada com Gran Turismo 7. Já joguei outros dois jogos da franquia anteriormente (PS2 e PSP) e parei exactamente pelo mesmo motivo.

Embora nem toda a gente o tenha recebido bem, eu gostei bastante do modo história presente no jogo. Não me canso de dizer que adoro jogos de corrida, e embora esperasse um bocado mais deste, concordo perfeitamente que é excelente, dos melhores que alguma vez joguei e livre de muito conteúdo acessório que usualmente não valorizo minimamente.

Enquanto andei a fazer o modo história não percebi a razão pela qual as pessoas se queixavam da velocidade de progressão. O jogo parecia rápido, dinâmico, divertido e muito viciante. Praticamente em todas as provas que fazia me davam um carro. Muitos dos carros que ganhava eram perfeitamente usáveis durante a minha progressão. Novas pistas, novos carros, novos desafios, algum dinheiro a entrar, pouco a sair… o que poderia pedir mais?

Ao fim de 25 horas de jogo acabo o modo história. Neste site vi que o valor total dos carros que ganhamos é de ​21,489,948​ créditos. Não parece mau. Durante esse tempo também comprei alguns carros em segunda mão, e naturalmente tive de ir melhorando alguns carros para passar os desafios que não conseguia passar com a versão base. Somando a isso ainda usufruí do milhão de créditos que a Polyphony deu para compensar as 30 horas que o serviço esteve em baixo. No final da história teria cerca de 1,5 milhões de créditos para gastar. Parecia-me muito. Estava feliz.

Nesta altura começo a concluir provas que não vêm incluídas na história e reparo finalmente na quantidade de créditos que estas me davam. Ainda andei lá a divertir-me, mas cedo quis experimentar outros carros. Ainda não tinha reparado bem nos seus valores, pois me limitava a comprá-los em segunda mão, algo que os tornava mais baratos, mas há muitos que não dão para ser comprados dessa forma.

Fui ver qual o ritmo a que conseguia ganhar créditos se me dedicasse somente a isso. Menos de 1 milhão por hora considerando o meu talento. Procurei online e encontrei um método muito mais rentável que, mais uma vez usando o meu talento, me dá para algo perto dos 2,3 milhões por hora. Excelente!

A vida é feita de pequenas vitórias, e sentia-me bem… até que me comecei a cansar de fazer muitas vezes a mesma coisa. Usava sempre uma hora para ganhar uns trocos, depois ia jogar online ou fazer provas que ainda não tinha concluído. Fui novamente procurar valores de carros.

O que encontrei não me animou. Ainda não se sabe o valor de todos os carros, mas o valor total mais próximo a que se chegou data de 15 de Abril e é de 395,706,645 créditos! Considerando a hipótese de estar permanentemente a amealhá-los pelo método mais eficaz, considerando também que não corrigem esse exploit, considerando que o havia feito desde o início, eram mais de 170 horas à volta na mesma pista sem qualquer tipo de competição real.

Eu acho que nunca apanhei nenhum jogo a exigir-me isto. Não estou a dizer que não os há, apenas que nunca me tinha apercebido de nada assim.

Aqui entra o início da minha história. Provavelmente a maioria dos jogadores irá ter Gran Turismo 7 a rodar na consola por mais de um ano. Vamos para um ritmo de grind mais razoável de 600 mil créditos por hora. Mais de 650 horas para desbloquear tudo e mantermo-nos a fazer as coisas que mais gostamos de fazer. Custa-me a crer que, mesmo em miúdo, tenha jogado mais de 650 horas em mais que um punhado de jogos.

Muitas vezes digo que os problemas dos videojogos são criados pela comunidade “twitteira”, para a comunidade “twitteira”, mas este parece-me um problema real. Não acho justo que o jogo me obrigue a aborrecer-me de morte para conseguir extrair dele tudo o que posso e quero, nem acho minimamente equilibrado ter de passar entre 400 a 600 horas a jogá-lo se pretender fazê-lo à maneira mais divertida.

Raramente me meto em discussões da visão artística dos criadores dos jogos. Acho que têm todo o direito de fazer as coisas como querem. Muitas vezes a discordância é acerca de algo orgânico e intrínseco à experiência de jogo, mas em Gran Turismo 7 há imenso que foi acrescentado de forma artificial só para acrescentar horas inúteis ao jogo, que em nada beneficiam a experiência do jogador, aliás, apenas a prejudicam quase que forçando um aborrecimento eterno até ao prémio final.

Gran Turismo 7 é um excelente jogo. Sempre que o jogo agradeço o gesto de quem mo ofereceu. Praticamente assaltou o meu tempo e conquistou-o pela sua qualidade, mas vai deixar-me um amargo de boca. Não me lembro de qual o último jogo que quis fazer as coisinhas todas. Queria concluir tudo em Gran Turismo 7, mas vou fartar-me dele muito antes de lá chegar. Não posso generalizar a partir da minha situação particular, mas se isto não é mau desenho, vou ali e já venho.